Internacional

Guerra ao Terror e suas consequências para a política externa dos EUA

Crédito: Brian Stauffer/revista Foreign Affairs
Crédito: Brian Stauffer/revista Foreign Affairs

Por Eduardo de Araújo Carneiro* [Informe OPEU]

Nas últimas décadas, o sistema internacional passou por diversas mudanças. Os ataques terroristas desferidos em solo estadunidense em 11 de setembro de 2001 fizeram o governo dos Estados Unidos mudar sua política externa de maneira muito significativa, deixando profundas marcas na política mundial contemporânea. É justamente sobre esse processo que o presente Informe OPEU se propõe a versar, com o objetivo de organizar os acontecimentos – analisando, para isso, trabalhos da área – e tentar imaginar um possível futuro da condução da política internacional do país.

Pós-Guerra Fria e o mundo globalizado

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Com a queda da União Soviética e, consequentemente, o fim da Guerra Fria, os Estados Unidos precisavam encontrar outra maneira de impor seus interesses no sistema internacional, uma vez que a luta contra o comunismo e o alinhamento compulsório já não eram mais possíveis e aceitáveis. A estratégia do governo Bill Clinton foi, então, a da “paz democrática”.

A paz democrática é uma teoria com base nos escritos de Kant sobre a “Paz Perpétua”, na qual se afirma que há uma “paz separada” entre democracias. Quer dizer, não há registros de guerras travadas entre regimes democráticos, pois compartilham dos mesmos valores e são regidos por diversas instâncias que contribuem para o equilíbrio de poder. Assim, quanto maior for o número desses modelos políticos, menor o número (e a possibilidade de ocorrência) de guerras.

A medida não trouxe o apoio político esperado, mas, aproveitando a “onda” neoliberal da época, o país teve grandes ganhos econômicos ao lançar, por exemplo, diversas iniciativas econômicas, como o Nafta, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a Alca. Dessa forma, os Estados Unidos firmam sua posição de hegemonia no mundo e seguem buscando maneiras de eliminar outros fortes competidores da política mundial, notadamente a China.

O terrorismo e suas marcas

Com os ataques terroristas do 11 de Setembro, de acordo com o cientista político Cesar Guimarães, a direção da política externa estadunidense “ganhou velocidade”. A estratégia de primazia adquire, a partir desse momento, uma posição mais agressiva e egoísta, apostando em poderio militar e econômico. Dessa forma, os Estados Unidos passam a viver mais o realismo que o liberalismo e sua paz democrática, tendo em vista o avivamento da pauta de segurança nacional na época.

Era instaurada, então, a Guerra ao Terror. É a partir dela que a atenção dos Estados Unidos para a política mundial se volta, em grande medida, para o Oriente Médio. O professor e pesquisador Sebastião Velasco e Cruz ressalta que o governo George W. Bush “promete redimir o Oriente Médio, levando a essa região conturbada as bênçãos da economia de mercado e da democracia política” (p. 23). Os investimentos militares se multiplicam e passam a ocupar parte considerável do gasto público do país, elevando as tensões em um mundo que, recentemente, tinha caminhado em vias de promoção da paz, globalização e multilateralismo.

Clockwise from top left: Aftermath of the 11 September attacks; American servicemen boarding an aircraft at Bagram Airfield, Afghanistan; an American soldier and Afghan interpreter in Zabul Province, Afghanistan; explosion of a car bomb in BaghdadA Guerra Global ao Terror do governo W. Bush (Crédito: montagem disponível no Wikimedia Commons/ Imagens do Exército e da Marinha dos EUA/Domínio público)

O presidente Barack Obama acalmou, em parte, os nervos da administração W. Bush, adotando posições que privilegiavam o multilateralismo, o que, na época, ainda estava em voga. Há maior – e melhor – relacionamento com os países em desenvolvimento, como foi o caso com os integrantes do grupo BRICS. É possível dizer que os Estados Unidos seguem com o aprendizado do fim da Guerra Fria, ou seja, que é necessário se aliar a outros países, de forma a criar laços econômicos e políticos de cooperação, com o objetivo de se fortalecer e tentar projetar seu plano hegemônico sobre o mundo. A política de primazia sempre esteve presente, juntamente com a crença em e o uso do assim chamado excepcionalismo americano.

Os Estados Unidos mantiveram, contudo, seus enormes gastos com o poder militar, dando continuidade à Guerra ao Terror. Isso se justifica pelo fato de a pauta de segurança ser considerada um “interesse nacional”. Foi também uma forma de mostrar para os países em desenvolvimento que o poderio estadunidense era muito superior, em todos os sentidos. Assim, as mudanças a que esse grupo almejava – mudanças nas tarifas econômicas e reforma do Conselho de Segurança das Nações Unidas, principalmente – eram, de acordo com o governo norte americano, incongruentes com a realidade e diametralmente opostas a seus interesses e agendas. O caminho que deveria ser seguido era, na verdade, o alinhamento dos países aliados aos Estados Unidos em todos os níveis, concedendo a este último o lugar de líder.

Em suma, o grande objetivo dos Estados Unidos era garantir a primazia do país sobre os demais. Em um momento em que não há mais o alinhamento político e ideológico compulsório da Guerra Fria, a segurança nacional está em crise, e outros países tentam alcançar grandes níveis de desenvolvimento, todo esforço para se manter em posição de primazia é necessário, e não pode haver distrações.

As consequências

Acontece que, com o governo de Donald Trump, a falta de atenção dos Estados Unidos para temas além da primazia e da guerra contra o terrorismo já causa problemas. Seu maior competidor, a China, passa a ter cada vez mais influência em regiões que o governo estadunidense sempre considerou como sendo “área de influência garantida”. Carlos Roa destaca a cooperação econômica e tecnológica que os chineses têm oferecido aos países da América Latina e como ela é uma grande ameaça aos interesses dos EUA.

A China montou uma política de oferta de empréstimos para os países latino-americanos com o objetivo de estreitar laços econômicos e conquistar mercados dominados por outros atores, além de ser uma forma de minar o poder dos Estados Unidos. Mas, além do desenvolvimento econômico e social, a China também quer, por meio da cooperação com esse grupo específico, exercer seu soft power, apresentando uma imagem positiva do governo chinês.

O autor afirma ainda que a ascensão da China faz o sistema internacional voltar para a multipolaridade, ou, ao menos, a bipolaridade, visto que o poderio estadunidense decaiu, e o país já não é mais o ator predominante em todos os tabuleiros. Essa visão parece estar presente em Joe Biden. O atual presidente dos Estados Unidos afirma diversas vezes que o país deve voltar a liderar o mundo, tendo como principal inimigo a China, e enfatiza a necessidade de se aliar às democracias para lutar contra o poderio chinês.

(Arquivo) Biden quer ‘aliar democracias’ para conter avanço da China (Crédito: David Starkopf/Office of Mayor Antonio R. Villaraigosa/Flickr

Há ainda outras declarações que marcam uma possível ruptura quanto à condução da política externa estadunidense, como a necessidade de retirar tropas do Oriente Médio – o que de fato ocorreu no Afeganistão – e a afirmação de que foi um erro, por parte dos Estados Unidos, investir e se concentrar tanto na questão militar, ignorando outros aspectos do “poder americano”. Ainda não é possível dizer se haverá de fato uma mudança na política do país, mas é importante levar essas declarações em consideração.

Reflexões para o futuro

É possível perceber duas mudanças consideráveis na condução da política externa dos Estados Unidos: a primeira é a passagem de um Estado disposto a cooperar e apostar na construção de maior paz entre os países para um menos aberto a teorias de paz e liberalismo; a outra é a crescente preocupação com os competidores internacionais e o reconhecimento de perda da posição de poder hegemônico mundial. Considerando esse último fato, é possível afirmar que o sistema internacional vive um período de transição, ou talvez um momento de bipolaridade (imperfeita) entre Estados Unidos e China.

Para além dessas análises, é importante observar como que, em um curto espaço de tempo, mudanças relevantes no sistema internacional podem levar a outras igualmente importantes. Apesar de o poder dos Estados Unidos ainda ser um dos maiores do mundo, a dinâmica do sistema se mostra em constante transformação. Como seria um mundo sem a hegemonia estadunidense? Quais oportunidades surgirão para os países em desenvolvimento? Quais as chances de uma nova ordem mundial perdurar? Essas e outras perguntas só poderão ser respondidas conforme o passar dos anos, mas o que é inegável é que o mundo assistiu e continua a assistir a mudanças na política mundial. O que acontecer na administração Biden pode determinar a definitiva mudança de paradigma na política internacional e, quem sabe, o fim da hegemonia estadunidense.

 

* Eduardo de Araújo Carneiro é graduando em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ) e pesquisador do Laboratório Orti Oricellari de estudo em Economia Política Internacional (IRID/UFRJ). Contato: carneiro.edu@outlook.com.

** Recebido em 1º jun. 2023. Primeira revisão: Simone Gondim, jornalista formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com mais de 20 anos de experiência profissional, entre redações, assessoria de imprensa e produção de conteúdo para Internet e redes sociais. Contato: simone.gondim.jornalista@gmail.com. Segunda revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mailtatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mailtcarlotti@gmail.com.

 

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