Arábia Saudita & Estados Unidos: o prelúdio do fim?
Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, com o príncipe herdeiro saudita e primeiro-ministro, Mohammed bin Salman, em Jidá, em 7 jun. 2023 (Crédito: DoS/Zinna Senbetta/Domínio Público/Flickr)
Por Elcineia Castro*
A visita do secretário de Estado americano, Antony Blinken, à Arábia Saudita no início deste mês, durou três dias. Houve reunião com os ministros das Relações Exteriores do Conselho de Cooperação do Golfo, conversas às portas fechadas com príncipes sauditas e assinatura (ou promessas) de contratos milionários para a venda de armas. A agenda para essa visita foi estruturada em três pontos: tentativa de mediação do conflito com Israel; dar fim ao conflito no Iêmen; e assegurar o apoio e o financiamento do Estado saudita no combate ao grupo Estado Islâmico (EI). No mês passado, o conselheiro de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Jake Sullivan, já havia visitado o país, no intuito de levar o recado de “contínuo acolhimento” do Governo Biden à política de manter seus aliados na região.
Vale lembrar que, no ano passado, o presidente Joe Biden também esteve na Arábia Saudita, a fim de convencer a maior autoridade da política externa e doméstica saudita, o príncipe herdeiro Mohamed Bin Salman (MBS), a aumentar a produção de petróleo para equilibrar os preços globais dos barris. A missão não teve sucesso, e a Aramco continuou produzindo como antes. Logo, os preços globais do petróleo não foram aliviados.
Apenas para fins de localização no tempo e espaço das relações entre Estados Unidos e Arábia Saudita na última década, Donald Trump escolheu o país como destino em sua primeira viagem internacional, enquanto presidente dos Estados Unidos. O objetivo era reafirmar a parceria estratégica entre as duas nações, após desgastes causados ao longo do Governo anterior (Barack Obama), que tentou restabelecer as relações com o Irã, por conta própria, grande inimigo dos sauditas, e ensaiou um pequeno afastamento da monarquia Saud no processo de tomada de decisão na região (países muçulmanos ao norte da África e Golfo Pérsico, especialmente). Ou seja, já havia indícios da deterioração da relação especial entre os dois países e a tentativa de recuperação do status de aliado especial dos Estados Unidos na região, ao lado de outro grande parceiro, o Estado de Israel.
(Arquivo) O então presidente Donald Trump em cerimônia no Palácio Murabba, em Riade, em 20 de maio de 2017 (Crédito: Casa Branca/Shealah Craighead/Flickr)
Neste ínterim entre a pandemia do coronavírus no final de 2019, depois os primeiros sinais da lenta recuperação da economia global, até chegarmos a 2023, parece, no entanto, que houve uma grande turbulência nessa região do norte da África e nos países do Golfo Pérsico e que a conta agora não está mais nas mãos da maior potência militar mundial, os EUA. E isso não ocorre em função de um processo de transição hegemônica propriamente, mas de um mover das peças nos tabuleiros internacional e regional. Esse movimento oferece não só um novo formato à região do Oriente Médio, mas um novo tom, agora que não se tem o fantasma do comunismo da Guerra Fria, ou a constante presença da Al-Qaeda e as ameaças terroristas, substituídas pelo EI, mas em um nível de ação muito menor no âmbito global.
Movimentação das peças do tabuleiro
No ano passado, o presidente chinês, Xi Jinping, visitou a Arábia Saudita e, durante a coletiva de imprensa, fez questão de dizer que ali começava uma nova era nas relações bilaterais. Bem, os resultados desta visita presidencial falam por si: foram acertados investimentos em infraestrutura (aeroportos, portos, ferrovias, entre outras instalações) e no parque industrial (Jizan) equivalentes a US$ 50 bilhões. Além disso, os sauditas vão enviar 690 mil barris de petróleo por dia para China, que, em troca, levará a tecnologia 5G de telefones celulares para o reino. Esse acordo foi firmado entre a empresa chinesa de telecomunicações Huawei e a saudita Aramco.
Para compreender esse adensamento da presença chinesa, de forma material (econômica) na região, vale lembrar que, em 2021, a China assinou um acordo com o Irã de US$ 400 bilhões em investimentos por 25 anos e, em contrapartida, receberá continuamente petróleo iraniano. A partir desta influência econômica, o Governo chinês tem atuado com grande mediador entre Arábia Saudita e Irã. E tem colhido louros. Após sete anos, o Irã reabriu sua embaixada na Arábia Saudita, e alguns acordos de cooperação técnica e de transferência de tecnologia foram firmados. Outro ponto bastante relevante: os dois países cogitam a cooperação nuclear para fins pacíficos, já que a energia nuclear é bastante utilizada na medicina, a Arábia Saudita tem investido fortemente em pesquisas e estudos sobre tratamentos de doenças crônicas, com reconhecimento internacional, inclusive, além de ser muito utilizada na indústria e geração de energia elétrica. Um dos grandes objetivos da agenda de desenvolvimento saudita (Visão 2030) é diminuir o consumo e a utilização de combustíveis fósseis (petróleo) domesticamente, por isso investem maciçamente nas fontes produtoras de energia limpa.
Irã e Arábia Saudita estão em um ciclo de desenvolvimento industrial, que demanda muita energia, e são grandes produtores/exportadores de petróleo para o globo (China). Logo, estão buscando caminhos alternativos para suprir suas demandas energéticas internas e continuar a suprir as demandas da China por petróleo. Um exemplo deste alinhamento de interesses materiais, transbordando para a mundo diplomático, foi o do Irã, que recentemente moveu alguns drones e mísseis de longo alcance para perto da costa do Golfo, onde está a Arábia Saudita especificamente para fazer testes. Riade comunicou o ocorrido à China e à Rússia e, em poucas horas, a questão foi dirimida. Teerã retirou seus artefatos e tomou distância do território saudita, pacificamente.
(Arquivo) Presidente Xi Jinping chega a Riade, em 7 dez. 2022 (Crédito: Saudi Press Agency/Handout via Reuters)
E, por fim, registra-se a adesão da Arábia Saudita ao BRICS, um arranjo institucional composto por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, como uma mensagem de busca por diversificação de parcerias e o mais estratégico: o grupo representa a maior fatia de produtores de petróleo e gás do mundo. Seguindo essa linha, o Governo saudita também está se aproximando bastante da Venezuela de Nicolás Maduro.
É consenso que nenhuma outra potência no globo tem a presença militar que os Estados Unidos têm na região. Parece estar ocorrendo, no entanto, um movimento muito peculiar nas relações internacionais ali. Isso porque, conforme dito anteriormente, agora não existe uma competição entre dois modelos político-econômicos, como ocorreu entre o socialismo soviético e a democracia liberal norte-americana durante a Guerra Fria. É em função, precisamente, das cadeias produtivas que se assiste a uma possível transição hegemônica, mas sem as aspirações políticas e sociais de outrora. A China precisa de energia, muito petróleo inclusive, para fazer sua economia crescer, garantindo sua estabilidade doméstica, e manter a projeção como potência global. A raiz é técnica/produtiva. O petróleo continua sendo a fonte de energia que representa 33% da nossa matriz energética global, seguida do carvão (27%) e do gás (24%), conforme relatório da BP Statistical Review 2020.
A reorganização e a pacificação entre os países do Oriente Médio e Golfo Pérsico demonstram que a dependência política e militar dos Estados Unidos caminha para o desfalecimento a médio e longo prazos. Já que os conflitos regionais estão sendo resolvidos paulatinamente, Egito e Turquia voltaram a firmar acordos, Síria retornou à Liga Árabe, e o Irã tem retomado as relações diplomáticas em seu entorno geográfico – de forma lenta, mas real. A Arábia Saudita é o parceiro com maior envergadura na região para a China, além de exercer forte influência religiosa nos países seguidores do Islã em todo o planeta.
Diante desta brevíssima descrição de evidências, constatações e fatos, pode-se dizer que a visita do secretário Antony Blinken não foi um marco de reaproximação, ou mesmo de aprofundamento das relações, pois nenhum dos três pontos da Agenda foi, de fato, atendido. Ao contrário, talvez o prelúdio de um divórcio amigável com Arábia Saudita esteja no horizonte, já que a China se tornou o primeiro parceiro comercial não só dos sauditas, como dos Estados Unidos (2020). Agora, parece existir uma atmosfera regional mais robusta, por conta dos interesses materiais/energéticos (fins econômicos) em comum entre os dois grandes representantes do mundo muçulmano, Irã (Islã xiita) e Arábia Saudita (Islã sunita), que exercem influência política, religiosa e econômica na região. Outrora inimigos, sempre tiveram sua disputa incentivada pelos Estados Unidos e pelas potências europeias ocidentais.
Com Arábia Saudita à frente, a região parece estar adotando certo tom de “resistência” à ordem ocidental imposta nas relações internacionais, se reconhecendo na perspectiva de Sul Global e aproximando-se cada vez mais da China.
* Elcineia de Castro é doutoranda em Relações Internacionais pelo Programa San Tiago Dantas (UNESP-UNICAMP-PUC/SP), professora de Relações Internacionais (Universidade Anhembi Morumbi) e pesquisadora no Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Contato: castro.elcineia@gmail.com.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 19 jun. 2023. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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