A religião, os latinos e o sistema político dos Estados Unidos
Apoiadores de Trump levam faixa de ‘Jesus 2020’ para invasão de 6 de janeiro ao Capitólio, em Washington, D.C. (Crédito: Brett Davis/Flickr/CC BY-NC 2.0)
Por Marcos Cordeiro Pires, Mayara Metodio Frota, Gabriel Carvalho Fogaça, Vinicius Doro e Felipe Sodré, do Latino Observatory* [Republicação]
Pesquisa divulgada em 13 de abril pelo Pew Research Center mostrou que, entre os latinos dos Estados Unidos, o catolicismo continua em declínio, mas ainda é a maior fé professada. De acordo com a pesquisa: “Em 2022, 43% dos adultos hispânicos se identificaram como católicos, abaixo dos 67% em 2010. Mesmo assim, os latinos permanecem cerca de duas vezes mais propensos a se identificarem como católicos do que os adultos estadunidenses em geral e consideravelmente menos propensos a serem protestantes. Enquanto isso, a parcela de latinos que não têm afiliação religiosa (se descrevem como ateus, agnósticos, ou ‘nada em particular’) agora é de 30%, acima dos 10% em 2010, e dos 18%, em 2013. A parcela de latinos que não têm afiliação religiosa está no mesmo nível dos adultos americanos em geral”.
A pesquisa divulgada é muito importante, pois traz três informações muito relevantes. Em primeiro lugar, mostra o declínio dos adeptos do catolicismo entre os latinos. Em segundo lugar, mostra que a tendência de avanço do protestantismo que se apresentava há dez anos não se confirmou. Naquela época, observava-se uma forte ascensão das religiões protestantes entre o segmento em detrimento dos católicos. Em terceiro lugar, o forte avanço das pessoas que se consideram não-religiosas.
Acerca do segundo aspecto, Elizabeth Dias escreveu um artigo em 2013 para a revista Times em que chamava atenção para a movimentação religiosa entre os latinos. Na matéria “The Latino Reformation”, ela destacava a tendência de que cada vez mais latinos se identificam como evangélicos e de se afastar do catolicismo. Além disso, segundo ela, o aumento desse número levaria ao maior apoio desse grupo específico a questões conservadoras mais alinhadas ao Partido Republicano. Em janeiro de 2022, nós discutimos este tema aqui no Latino Observatory.
De fato, nas eleições de 2020 e 2022, tornou-se perceptível como essa mudança afetou o voto latino, uma vez que foram decisivos em ambas as eleições, especialmente em estados-chave, como a Flórida e o Texas. Assim, ambos os partidos, democrata e republicano, tentam encontrar maneiras de angariar apoio político dos evangélicos latinos, uma força crescente nos Estados Unidos.
Para compreender essas ações dos partidos, é preciso entender a distribuição religiosa entre os latinos.
Em primeiro lugar, vale destacar que hoje a América Latina é uma região fortemente moldada pelo catolicismo, devido à colonização espanhola e portuguesa, e que, propiciado pela imigração, trouxe essa característica aos EUA. Por esse motivo, a maior parte dos hispânicos nos Estados Unidos se identifica como católicos (43%). Além disso, os dados mostram que 21% desse grupo se identifica como protestante (protestantes evangélicos são 15%, e protestantes não evangélicos, 6%), além de 30% dos hispânicos não sendo religiosamente filiados. Poucos hispânicos (4%) se identificam com uma religião não-cristã.
Ao comparar os adultos hispânicos de hoje com suas filiações religiosas na infância, a filiação católica cai de 65% para 43% — ligando-se ao aspecto do declínio de adeptos do catolicismo entre os latinos. A filiação evangélica protestante aumentou de 18% para 21% e aqueles que afirmam não ter filiação religiosa passaram de 13% para 30%, um crescimento expressivo. Esse aumento da não filiação é importante por impactar os grupos mais jovens de latinos, que têm entre 18 e 29 anos — cerca de 80% deles nascidos nos EUA. Em geral, 49% desse grupo não tem filiação religiosa, o que faz os latinos nascidos no país serem mais propensos a não se identificarem com alguma fé (39%). Cerca de 40% dos hispânicos religiosamente filiados veem a religião como algo muito importante para eles. Entre os grupos, hispânicos evangélicos, que são os que mais se preocupam com a religião, este percentual atinge 73%. Já entre os católicos, apenas 46% compartilham com esta visão.
Considerando o maior crescimento demográfico entre os latinos, constata-se que a mudança de postura com relação à religião é maior entre os jovens. Enquanto o número de católicos continua a cair, é notável o avanço do grupo de “não-filiados”, segundo pesquisa do Pew Research. Os mesmos estudos ainda revelam que essa mudança tende a acontecer quando as pessoas são mais jovens, principalmente, no final de sua juventude. É estimado que, entre a faixa etária de 15 e 29 anos, 31% dos estadunidenses que foram criados como cristãos deixam de seguir a religião em algum momento. Mas é importante frisar que, mesmo com uma perda de membros, o catolicismo ainda continua sendo a principal vertente cristã entre latinos.
Nesse sentido, dentre os fatores que ligam a perda de influência do catolicismo e o aumento do peso dos evangélicos, vale a pena mencionar novamente o artigo de Elizabeth Dias para a revista Times. Segundo ela, as igrejas evangélicas se tornaram um meio de auxílio na comunidade latina, um espaço de acolhimento não tão comum nos templos católicos. Ademais, The Atlantic mostrou, em um artigo de 2021, que a relativa falta de conexão da Igreja Católica com seus membros latinos leva uma parte dos fiéis a buscar templos mais acolhedores, como os oferecidos pelas igrejas evangélicas.
A adoção de uma nova religião faz com que se alterem os comportamentos políticos dessa parte específica da comunidade latina, visto que os evangélicos têm uma visão mais conservadora da realidade. Nessa perspectiva, a população latina tende a votar mais por influência de seus pastores e, ao irem às urnas, fazem com que seus votos estejam supostamente mais alinhados àquilo que os líderes evangélicos chamam de “planos de Deus”.
Tal influência pode ser constatada ao se observar a ação política da igreja House of Lights, uma importante denominação evangélica da Califórnia, que em 2022 lançou seu guia de votos para ajudar seus membros na hora do pleito eleitoral, indicando apoio a candidatos com tendências conservadoras. A revista The Atlantic também observou que os pastores dessas igrejas estão ligados a chamada “National Hispanic Christian Leadership Conference”, uma organização política que une 40 mil igrejas, cujo principal objetivo é registrar pessoas para votar conforme a vontade dos pastores.
Vale ressaltar que, pela filiação partidária, 50% dos latinos evangélicos se consideram republicanos, enquanto 44% se dizem democratas. Entre os latinos católicos, 72% são democratas, frente a 21% que se dizem republicanos. Ou seja, para os republicanos, é interessante conquistar o voto dos latinos evangélicos e consolidar sua base ao redor desse grupo protestante.
Nesse sentido, assume grande relevância política o pastor Samuel Rodriguez, presidente da National Hispanic Christian Leadership Conference, que está ligado a Tony Perkins, líder do The Family Research Group Think-Tank, vinculado à extrema direita estadunidense e conhecido por seus discursos de ódio. Perkins e Rodriguez foram vozes ativas nas convenções republicanas durante muitos anos e são vistos como grandes líderes conservadores e fortemente alinhados ao ex-presidente Donald Trump.
É interessante notar que, para figuras importantes no movimento evangélico latino, como Samuel Rodriguez, a pesquisa recente do Pew Research está desconectada da realidade. Em entrevista à Rádio FoxNews, ele diz acreditar que os dados da pesquisa são relativos, visto que a comunidade hispânica ainda estaria seguindo os preceitos religiosos cristãos e que a não filiação precisaria ser revista: “Nós somos uma comunidade fervorosa do Espírito Santo, amando Jesus, seja católico, ou evangélico, ou mantendo a fé. E nós não gostamos do termo ‘afiliação’!”. Além disso, o reverendo enxerga que a pesquisa não responde alguns fatos atuais, como o apoio de latinos à reeleição de Ron DeSantis ao governo da Flórida, sendo uma boa parte composta de cristãos católicos, que seriam democratas em sua maioria, de acordo com o levantamento.
Vale considerar que as igrejas evangélicas com influência democrata estão em menor quantidade em relação às republicanas, mesmo que existam alguns exemplos de exceção à tendência conservadora — como a rev. dr. Elizabeth Rios, uma pastora de origem latina e negra que tem grande influência das pautas democratas e progressistas, sendo sua igreja Passion Center muito frequentada por latinos e negros. A maioria das igrejas evangélicas latinas continua sendo, no entanto, influenciada pela National Hispanic Christian Leadership Conference.
Rev. dr. Elizabeth Rios (Crédito: site institucional)
Outro dado interessante da pesquisa do Pew Research Center é o fato de que o número de cristãos brancos apresentou uma queda entre os democratas. Durante os anos de 2006 e 2022, cristãos brancos tiveram queda de quase 25% entre os democratas e uma singela diminuição entre os republicanos, esse último com 7 de cada 10 membros sendo parte deste grupo.
Em suma, as mudanças religiosas nos grupos latinos dos EUA que estão ocorrendo são de significativa importância para a política, pois os latinos formam um grande grupo que pode favorecer determinados partidos e pautas. Por exemplo, segundo dados do Pew Research, 60% dos republicanos hispânicos afirmam que a educação é muito importante para o seu voto, em comparação com apenas 50% dos republicanos não-hispânicos. O percentual é bem parecido quando se analisam outras pautas controversas, como crimes violentos, aborto e política de armas. Já entre os democratas, a maior diferença entre as posições de brancos e não brancos vem do tema da imigração: 47% dos hispânicos dizem que a questão é muito importante, mas este índice cai para 30% entre os eleitores não-hispânicos.
As principais afiliações religiosas cristãs (católicos, protestantes e evangélicos) têm maneiras diferentes de votar e de lidar com temas políticos, sendo que os participantes das religiões de origem evangélica tendem a votar de modo conservador e a favorecer os republicanos e a extrema direita. Ambos os principais partidos buscam, contudo, apoio nas igrejas para garantir sua sobrevivência política. Nessa corrida, os evangélicos aparentam estar à frente, pois os principais líderes do protestantismo expressam, avidamente, seu apoio às causas republicanas. É importante considerar, entretanto, que uma parte crescente da juventude latina está se afastando das filiações religiosas, e isso pode ser uma força política expressiva que poderá trazer grandes mudanças aos Estados Unidos.
* Marcos Cordeiro Pires é coordenador do Latino Observatory, professor de Economia Política Internacional (Unesp-Marília) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU). Contato: latinobservatory@latinobservatory.org. Mayara Metodio Frota, Gabriel Carvalho Fogaça, Vinicius Doro e Felipe Sodré são graduandos em Relações Internacionais na UNESP Marília e bolsistas de Iniciação Científica.
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