Demissões em massa assolam indústrias de tecnologia nos EUA, mas justificativa é frágil
Fundador da Amazon, Jeff Bezos (Crédito: Shutterstock)
Por Ingrid Marra e Tatiana Teixeira*
Desde 2022, diversas empresas de tecnologia — como Google, Amazon, Dell e Microsoft — estão fazendo cortes em massa de pessoal, e o setor já acumula mais de 130.000 postos de trabalho encerrados. As demissões coletivas têm algumas características em comum, como a dispensa de pelo menos 50 funcionários em 30 dias, ou até menos, de modo que equivalham a mais de ⅓ da força de trabalho da empresa; ou que pelo menos 500 empregados sejam demitidos, independentemente do tamanho do negócio.
Em janeiro deste ano, a Amazon demitiu mais de 18.000 empregados, e uma nova rodada de 9.000 demissões ocorreu em março. O argumento utilizado foi o de “incertezas” econômicas em relação ao futuro, além do cenário econômico atual. A justificativa não se sustenta, porém. O Produto Interno Bruto (PIB) dos Estados Unidos alcançou um crescimento de 3,2% no terceiro trimestre de 2022, e de 2,6%, no último. Além disso, os índices de consumo dos estadunidenses subiram em 2023, refletindo o aumento de US$ 72,9 bilhões em renda pessoal. De maneira geral, a indústria digital tem crescido por volta de 6,7% ao ano, movimentando até 10,3% do PIB, ou o equivalente a US$ 2,4 trilhões em 2021.
A Meta chegou a 21.000 demissões entre novembro e janeiro e planeja chegar à redução de 13% de seus mais de 86.000 empregados, conforme número de dezembro de 2022. Assim como a Amazon, o discurso segue a mesma linha, também com margem a questionamentos. A companhia aumentou em 60% o número de posições de trabalho durante a pandemia da covid-19, chegando a 1.541.000 empregados. Embora seu desempenho tenha sido decepcionante em 2022, com uma queda expressiva de seu valor, a partir de janeiro de 2023, suas ações aparentam valorização.
Recentemente adquirido por Elon Musk por US$ 44 bilhões, o Twitter demitiu, de forma bastante polêmica, mais de 3.700 empregados, o correspondente à metade de sua força de trabalho. Os funcionários foram notificados apenas por e-mail, sem receberem sequer o aviso formal com as informações pertinentes sobre o desligamento por parte do departamento de recursos humanos. Para além disso, os detalhes da rescisão do contrato de trabalho não incluem detalhes homogêneos, gerando confusão entre os funcionários.
Segundo Musk, a companhia estaria “perdendo US$ 4 milhões por dia” e não oferecerá termos de negociação para as demissões. Diversos ex-funcionários entraram na Justiça com uma ação coletiva, uma vez que a Lei de Notificação de Ajuste e Retreinamento do Trabalhador (Worker Adjustment and Retraining Notification Act), que prevê um aviso prévio de 60 dias, foi desrespeitada. A empresa ainda não se pronunciou sobre o caso.
Por conta das novas e precarizantes condições de trabalho, muitos outros funcionários pediram demissão. Por meio de um ultimato, Musk anunciou que as opções para os trabalhadores eram se comprometer ao novo ambiente “hardcore”, com longas horas e performance “excepcional”, ou sair da companhia.
Sob a direção de Musk, a Tesla também sofreu uma redução de 10% de seu quadro funcional em 2022, acumulando aproximadamente 6.000 empregados. A Virgin Orbit encerrou pelo menos 675 posições, enquanto a Accenture fechará 19.000 vagas, ao longo de 18 meses, e a Google, 12.000.
Saiba mais: no Layoffs.fyi é possível monitorar a evolução das demissões do setor de tecnologia desde a covid-19.
Para além do setor de tecnologia, diversas consultorias também sofreram reduções drásticas entre 2022 e 2023. A McKinsey & Company reduziu 1.400 posições, a Dow demitiu em torno de 2.000 pessoas, e a SAP terá aproximadamente 3.000 cortes. É possível ver uma lista detalhada com todas as demissões aqui, aqui e aqui.
As companhias dão diferentes justificativas para a redução de quadro, desde uma resposta natural ao acelerado crescimento da indústria nos últimos anos – uma vez que a taxa de crescimento se tornou insustentável, seria necessária a redução de pessoal – até a diminuição do preço das ações e o medo de instabilidade e/ou recessão econômica no futuro, uma consequência da guerra da Ucrânia, passando pela diminuição de vendas. Diversos departamentos sofreram com os cortes, desde recursos humanos, comunicação, vendas, até equipes de engenharia.
Enquanto isso, a revista Forbes divulga seu ranking anual de bilionários. O sobe e desce da lista pode ser acompanhado em tempo real.
De acordo com o veículo, “mais da metade” de todos os bilionários está mais pobre do que há um ano, com o valor total das fortunas de dez dígitos caindo de US$ 12,7 trilhões (março de 2022) para atuais US$ 12,2 trilhões. “Queda das bolsas”, “unicórnios feridos” e “crescentes taxas de juros” ajudaram a reduzir – mas nem tanto assim – a lista dos mais ricos do mundo, que passa de 2.668 para 2.640 membros.
Uma rápida consulta aos 20 primeiros nomes mostra que, aparentemente, a situação do setor de tecnologia não é, afinal, tão ruim. Jeff Bezos (Amazon) surge em 3º lugar, com US$ 114 bilhões; Larry Ellison (Oracle), em 4º (US$ 107 bilhões); Bill Gates (Microsoft), em 6º (US$ 104 bilhões); Steve Ballmer (Microsoft), em 10º (US$ 80,7 bilhões); Larry Page (Google), em 12º (US$ 79,2 bilhões); Sergey Brin (Google), em 14º (US$ 76 bilhões); e Mark Zuckerberg (Facebook), em 16º (US$ 64,4 bilhões). Elon Musk aparece em 2ª posição, com US$ 180 bilhões, valor relacionado à Tesla e à SpaceX.
A precarização crescente e autoimposta do setor não é, contudo, reflexo do mercado trabalhista dos EUA, que operava com 3,6% de taxa de desemprego, ou aproximadamente 5,9 milhões de pessoas, em fevereiro de 2023, conforme números atualizados do Departamento do Trabalho. E esse valor se manteve estável no último ano. O número de pessoas demitidas, ou que terminaram um contrato de trabalho, foi de 223.000, acumulando 2,8 milhões em fevereiro. O desemprego de longo prazo (27 semanas ou mais) também teve pouca alteração, mantendo-se em 1,1 milhão de pessoas (ou 17,6%). Esses números indicam relativa estabilidade geral, em sintonia com o cenário econômico estável já mencionado, e abalando justificativas de grandes empresários.
Dessa forma, os impactos das demissões em massa parece estar, até o momento, contidos dentro de seus respectivos setores, sem efeitos de contágio.
* Ingrid Marra é mestranda em Global Political Economy and Development (GPED) pela Universität Kassel, graduada em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ (IRID/UFRJ), pesquisadora colaboradora do OPEU, e assistente de pesquisa do International Relations Microfoundations Laboratory desde 2022. Pesquisa moeda enquanto instrumento de pressão política em países não-alinhados à hegemonia estadunidense, hierarquia monetária internacional e criptomoedas. Contato: ingridcagy@hotmail.com.
* Tatiana Teixeira é editora do OPEU, professora colaboradora do IRID/UFRJ e editora associada da revista Sul Global. Contato: tatianat19@hotmail.com.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. 1ª versão recebida em 5 abr. 2023. Este informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora do OPEU, Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.
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