Latino Observatory

Democratas e Republicanos organizam cadeias de comunicação para disputar voto latino

‘Somebody’s Little Girl’, foto de Thomas Hawk, em San Francisco, Califórnia, 1º de maio de 2006 (Fonte: Flickr)

Por Thais Caroline Lacerda e Beatriz Zanin de Moraes, para Latino Observatory* [Republicação]

O segmento dos latinos/hispânicos é um grande mercado para os partidos políticos. Segundo os dados do Censo de 2020, existem 62,1 milhões de latinos vivendo nosEstados Unidos. A comunidade latina nos EUA representa 18,9% de sua população total – segundo maior grupo racial, ou étnico, do país, depois dos brancos não-hispânicos – e a tendência é de contínuo crescimento.

Nas eleições de meio de mandato em novembro de 2022, os latinos representaram 14,3% de todos os eleitores elegíveis nos Estados Unidos. Tendo em vista a aproximação das eleições americanas no próximo ano, cada vez mais os partidos políticos têm investido em estratégias para angariar votos para seus respectivos candidatos. Nesse sentido, a população latina é compreendida como decisiva nas disputas eleitorais e, por isso, os partidos têm articulado táticas específicas para o perfil desse eleitorado.

Dentre as ações de campanha, o foco principal são as mídias digitais e as plataformas on-line, pois têm maior alcance global. Isso não é diferente entre a população latina, que consome conteúdos virtuais de forma tão maciça que se estima que empresas invistam em média US$ 4,47 bilhões por ano em propagandas voltadas para esse público. Assim, o que se tem visto desde 2021 é o uso dos meios de comunicação como uma das estratégias para conquistar os votos latinos, na chamada “mídia especializada”.

Durante o período que antecedeu as eleições legislativas do ano passado, observou-se que Fake News e teorias da conspiração “QAnon” oriundas da extrema direita estadunidense circularam em grande quantidade entre a população de língua espanhola, despertando preocupações acerca de suas consequências. Essa estratégia fez com que muitos latinos fossem desencorajados a votar, ou decidissem por, com base em notícias falsas e, até mesmo, a uma maior divisão dentro da comunidade.

Constatou-se ainda que o impacto desse tipo de notícias foi especialmente importante no sul da Flórida, local com grande população falante de língua espanhola, nascida no exterior e com influência política significativa. Importante notar que a Flórida já foi um estado campo de batalha, mas, desde que elegeu Donald Trump, em 2016, tornou-se um estado majoritariamente republicano.

Factchequeado on Twitter: "¡Hola! 👋 Somos Factchequeado, una iniciativa para impulsar el fact-checking y la lucha contra la #desinformación en español en EE.UU., liderada por @maldita y @Chequeado. 💻 Más info en:Nas eleições de novembro passado, a principal narrativa falsa foi sobre uma suposta fraude generalizada nas eleições presidenciais de 2020, de acordo com Tamoa Calzadilla, editora-chefe do site de verificação de fatos em espanhol, o “Factchequeado.com”, Segundo a matéria da CNN, “A disseminação de desinformação e notícias falsas em espanhol, algumas delas provenientes diretamente de políticos e meios de comunicação partidários, atormenta as plataformas de mídia social há anos e ajudou a semear dúvidas sobre a integridade das eleições nos Estados Unidos”. Plataformas on-line como Facebook, YouTube e Twitter, sob pressão, procuraram encontrar maneiras de retardar a disseminação de informações falsas sobre eleições ao longo dos anos. Em alguns casos, as plataformas removem totalmente as declarações falsas; em outros casos, eles rotulam as alegações como falsas e direcionam os usuários para informações precisas.

Já a chamada mídia especializada, que também é bastante atuante em conjunturas específicas, é definida como aquela “mídia destinada a alcançar um determinado resultado que pode ser um objetivo político, ou um assunto de grande importância para uma determinada comunidade, ou algumas comunidades ao mesmo tempo”. Também é conhecida como a mídia que se enquadra em uma área específica da vida política, cultural, midiática, econômica, científica, de segurança, ou esportiva, de modo a chegar em grupos inter-relacionados mais consistentes com o produto final a ser apresentado, o que aumenta as chances de aderência à proposta.

Na lógica dos processos eleitorais dos Estados Unidos, é por meio das mídias digitais e plataformas on-line, principalmente, que grupos buscam maior aderência da população a uma determinada ideologia, de maneira que o eleitor vote no candidato condizente com ela. No entanto, o rádio aparece como uma mídia tradicional que tem sido o meio de comunicação que mais vem sendo utilizado para tal fim na comunidade latina, apesar da alta audiência televisiva no país.

O hábito dos latinos de ouvir rádio em casa aumentou de 29% em março de 2020 para 39% em abril do mesmo ano, segundo um novo relatório da Nielsen. Além disso, os latinos estão gastando mais de 12 horas por semana ouvindo rádio, 33 minutos além do que o mercado total costuma ouvir. Do total de 39%, em torno de 61% utilizam tal meio para se informar quanto às últimas notícias. Devido a esses dados, republicanos e democratas passaram a trazer conteúdos ideológicos para as rádios, tentando convencer os ouvintes da vantagem de sua plataforma. Logo, vale apresentar algumas dessas tentativas.

Americano Media - Apps on Google PlayO “Americano Media” é a primeira rede de mídia conservadora em língua espanhola. Lançado em março, teve um momento de destaque em abril de 2022 ao realizar uma entrevista com o ex-presidente republicano Donald Trump – uma referência importante para qualquer fonte de notícia conservadora em 2022. O Americano, com sede em Miami, é transmitido pelo sistema de rádio via satélite SiriusXM e pela rede social conservadora GETTR. A partir de junho de 2023, a transmissão estará disponível em plataformas de streaming como a Apple TV. O presidente da rede, Jorge L. Arrizurieta, afirmou publicamente o “compromisso de ajudar a promover a ideologia conservadora, para poder conquistar os democratas”.

Segundo matéria do site Politico, o Americano Media iniciou um plano agressivo de expansão na tentativa de moldar a opinião da comunidade latina de centro-direita no país com o objetivo de angariar votos em 2024. A iniciativa é importante na medida em que o segundo maior grupo demográfico do país passou a desempenhar um papel cada vez mais crítico nos resultados eleitorais. Conforme o relatório de janeiro deste ano do Politico, o Americano Media levantou US$ 18 milhões de três investidores e está projetando arrecadar entre US$ 30 a US$ 50 milhões, a fim de influenciar todos os principais estados de batalha e Porto Rico antes da eleição de 2024.

Enquanto republicanos defendem a rede, afirmando que é o local mais livre para expressar opiniões, garantindo a representação inclusiva da comunidade latina no Hemisfério Ocidental, os democratas acusam o Americano Media de disseminar informações falsas. A Media Matters for America, uma organização de vigilância da mídia de esquerda, destaca questionamentos falaciosos acerca da integridade eleitoral, ataques à comunidade LGBTQIA+ e disseminação de teorias da conspiração.

Mas os democratas não estão parados. Uma empresa de mídia liderada por dois ex-assessores democratas fez uma manobra que lhe deu controle de 18 estações de rádio em todo o país, incluindo outra famosa rádio conservadora de Miami, a Rádio Mambí: A “Latino Media Network” comprou a Mambí e outras 17 estações de rádio em espanhol em junho de 2022. Segundo publicação da NBC News, as emissoras AM e FM envolvidas no negócio fazem parte da rede TelevisaUnivision. O grupo espera que as estações de rádio alcancem um terço dos latinos nos EUA, ou seja, cerca de 20 milhões de pessoas. Conforme revelou a NBC News, “a Latino Media Network é liderada e fundada por Stephanie Valencia, ex-funcionária do governo Obama que agora dirige a Equis Research, uma empresa de sondagem e pesquisa latina, e Jess Morales Rocketto, também da Equis Research e veterana das campanhas de Barack Obama e Hillary Clinton”.

Radio Mambí 710 AM - Fotos | FacebookA venda da Rádio Mambí enfrentou a oposição da deputada republicana Maria Elvira Salazar e dos senadores republicanos da Flórida, Marco Rubio e Rick Scott. Os três assinaram uma carta para tentar impedir o acordo, junto com outros membros republicanos do Congresso, alegando que isso “silenciaria as vozes conservadoras”. Quando os esforços não obtiveram sucesso, surgiram alegações de que a iniciativa buscava “vender o socialismo aos hispânicos”. Esta versão foi instigada pela deputada Maria Elvira Salazar, que também saiu em defesa da Rádio Mambi por ser “um dos bastiões da liberdade de expressão” e dos “valores conservadores”.

A Latino Media Network se recusou a entrar em detalhes sobre a compra, mas forneceu uma declaração dizendo que “todos os pontos de vista serão bem-vindos e encorajados”. Outros defensores da negociação trataram como uma maneira de combater a desinformação espalhada entre a comunidade latina em geral, seja em inglês, seja em espanhol, e dizem que as falas que insinuam relação a movimentos comunistas são apenas outra forma de assustar as pessoas com mentiras.

A preocupação democrata acerca da “virada republicana” aumentou nas últimas eleições de meio de mandato em novembro de 2022, quando o governador da Flórida, Ron DeSantis, foi reeleito com o apoio majoritário dos latinos em todo o estado e no condado de Miami-Dade, onde mais da metade da população latina nasceu no exterior. Além disso, pesquisas recentes, inclusive do The Wall Street Journal, mostraram evidências de que os latinos que tradicionalmente apoiam os democratas estariam migrando sua preferência política para o Partido Republicano.

O aumento de 20 pontos percentuais na parcela de votos latinos em um distrito do sul do Texas nas eleições de meio de mandato é um exemplo. Um estudo do Pew Research revela 17% de intenção de voto latino em Trump nas eleições de 2024.

FCC Approves Latino Media Network Purchase Of 18 Univision Stations - RadioInsightComo já apontamos anteriormente, o público latino, em comparação à população geral nos Estados Unidos, demonstra uma tendência maior em consumir e compartilhar notícias e informações falsas online por passar mais tempo em plataformas como YouTube, WhatsApp, Instagram e Telegram. Além disso, muitas das informações falsas originárias nos Estados Unidos são reproduzidas em conteúdos de sites e mídias digitais nos vários países latino-americanos, inclusive no Brasil.

A preocupação com uma nova onda de informações falsas é importante não somente em relação a questões importantes que são alvo constante de desinformação, como direitos reprodutivos das mulheres e imigração, mas também aos Democratas, que temem perder a posição influente conquistada historicamente entre os eleitores latinos no país. Apenas os dois investimentos aqui citados em informações voltadas para essa comunidade movimentaram mais de US$ 78 milhões, e a tendência é que, até 2024, mais empresas midiáticas sejam utilizadas pelos partidos para angariar votos.

De qualquer forma, a batalha pelos votos dos latinos afirma a extrema importância dessa população no sistema eleitoral estadunidense. Segundo análise pós-eleitoral de 2022 do Fundo Educacional da Associação Nacional de Oficiais Latinos Eleitos e Nomeados (NALEO, na sigla em inglês) das disputas estaduais e federais do atual 118º Congresso dos Estados Unidos, há um número recorde de novos membros latinos. A eleição de 14 novos membros latinos tornou o atual Congresso o mais latino de todos os tempos. São 47 deputados na Câmara, ou seja, 11% dos 435 deputados do país.

Conforme noticiou The Washington Post, “muitos dos novos democratas que foram endossados pelo Congressional Progressive Caucus PAC, compartilham origens da classe trabalhadora, ou experiências como imigrantes, e realizaram campanhas progressistas em distritos congressionais com populações latinas significativas”. Quanto aos eleitores latinos, embora muito se tenha falado sobre sua virada para a direita nos últimos anos, os membros democratas do Congresso refletem uma parte crescente da comunidade latina, cuja visão política se tornou mais progressista como resultado da relativa juventude de seus eleitores que buscaram se contrapor ao aumento nos últimos anos de candidatos latinos apoiados pelo ex-presidente Donald Trump.

Ainda há de se ter em mente que, para conquistar mais a atenção dos eleitores latinos, é necessário considerar mais suas necessidades dentro do país, o que trará assuntos até então ignorados à tona. Há uma queixa cada vez mais contundente de que suas necessidades não estão sendo assistidas por ambos os partidos, e que está cada vez mais difícil diferenciar as propostas políticas em torno desta comunidade em meio à crescente polarização e o aumento vertiginoso de informações falsas.

O tema polêmico da imigração está em primeiro lugar da inquietação, seja pela adoção de uma política mais flexível, como defendem os latinos democratas, seja para criar barreiras à nova onda de imigrantes que assusta a população da fronteira Sul. De forma geral, a mídia pode ajudar na mobilização, mas são as ações efetivas que podem definir o voto da comunidade latino/hispânica nos Estados Unidos.

 

* Thaís Caroline Lacerda é coordenadora do Latino Observatory e doutora em Ciências Sociais (Unesp-Marília). Contato: latinobservatory@latinobservatory.org. Beatriz Zanin de Moraes é bolsista de Iniciação Científica e graduanda em Relações Internacionais pela UNESP de Marília. Contato: beatrizzm2@gmail.com.

** Publicado originalmente no site Latino Observatory, em 13 mar. 2023. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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