Eleição de McCarthy para ‘speaker’ do Congresso e o poder de barganha dos grupos de extrema direita
McCarthy celebra o 150º Aniversário da 13ª Emenda, em 9 dez. 2015 (Crédito: Flickr)
Por Marcos Cordeiro Pires e João Felipe Ronqui de Carvalho, do Latino Observatory* [Republicação]
Nas eleições de meio de mandato de novembro de 2022, apesar das projeções que apontavam uma esmagadora vitória dos republicanos, os resultados finais mostraram a resiliência do governo Biden e do Partido Democrata. A chamada “onda vermelha” (em alusão à cor do Partido Republicano) não ocorreu. Os democratas mantiveram o controle do Senado e a maioria republicana ficou apenas sete votos acima do mínimo necessário para controlar a Câmara dos Representantes. Considerando as divisões do Partido Republicano, a escolha do presidente da Câmara dos Representantes (speaker) foi bastante tumultuada, deixando o novo líder em situação bastante frágil e à mercê de grupos radicais, conforme discutiremos a seguir.
Em 7 de janeiro de 2023, Kevin McCarthy (R-CA), então líder da maioria republicana na Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, foi eleito como o novo presidente da Câmara do Representantes (speaker), sucedendo a Nancy Pelosi. Após um período de incerteza e de disputa interna dentro do Partido Republicano, McCarthy conseguiu obter a maioria dos votos. Ele não foi eleito por mais da metade dos votos na Câmara, mas porque seis deputados de seu próprio partido se abstiveram. McCarthy foi eleito com 216 favoráveis e 212 em favor do democrata Hakeem Jeffries (D-NY), tornando-se o líder da Câmara.
McCarthy enfrentou dificuldades para obter os votos necessários para se eleger por conta de uma divisão dentro do próprio Partido Republicano. Apesar do apoio da maioria, alguns congressistas da ala ultraconservadora do partido se opuseram a seu nome, argumentando que ele não era um líder suficientemente forte e duvidavam sobre o quanto suas ideias eram efetivamente conservadoras. Além disso, eles exigiram a adoção de mudanças regimentais para diminuir o poder do presidente da Casa, restringir ainda mais o gasto público e que McCarthy seja mais duro com os segmentos progressistas do Partido Democrata. De forma geral, o grupo é formado por deputados recém-eleitos que acreditam em teorias conspiratórias, são extremamente religiosos e céticos sobre a legalidade da eleição de Joe Biden em 2020.
O ápice da dissonância entre alas diferentes do Partido Republicano e do constrangimento de McCarthy foi após a abstenção do congressista Matt Gaetz, republicano pela Flórida, durante a votação para orador, que gerou a revolta de Mike Rogers, congressista também republicano pelo Alabama. Após alguns segundos de troca de hostilidade entre os dois, o deputado Rogers foi fisicamente retirado da situação.
Para conseguir os votos necessários, McCarthy concordou em reduzir para um o número de membros do Congresso necessários para iniciar uma moção para que a cadeira do orador seja desocupada. Assim, apenas um membro consegue tentar forçá-lo a deixar o cargo, sendo necessária maioria simples em votação para que McCarthy saia do cargo. Dessa forma, em teoria, um grupo pequeno de republicanos da ala ultraconservadora pode trabalhar junto com os democratas para retirar o recém-eleito orador da Câmara. Após sua confirmação no cargo, McCarthy escreveu em seu Twitter: “Espero que uma coisa fique clara depois dessa semana: Eu não vou desistir. E não vou desistir por vocês, o povo americano”.
Esses fatores tornaram difícil para McCarthy obter o apoio necessário para ser nomeado speaker. Foram necessárias 15 rodadas de votação para que o novo presidente fosse eleito, o maior período de impasse desde antes o começo da Guerra Civil, em meados do século XIX. Ao longo dos dias de votação sem sucesso, ele fez concessões à ala da extrema direita para conseguir o posto. Agora, como líder do Congresso, possui menor autonomia e poder.
Vale esclarecer que a função de speaker da Câmara equivale à do presidente da Câmara dos Deputados no Brasil. Desta forma, Kevin McCarthy se torna o segundo nome na linha de sucessão presidencial, atrás da vice-presidente Kamala Harris. Ele é responsável por supervisionar e presidir as sessões do Congresso, incluindo a administração de votações e o reconhecimento de membros que desejam falar e garantir que as medidas propostas pelo partido no poder sejam debatidas e votadas. Ele também é responsável por nomear os membros das comissões do Congresso e tem ampla influência sobre suas regras e procedimentos. Mesmo que conturbada, sua eleição também representa o fim do controle de Joe Biden sobre as duas casas do Congresso Americano.
McCarthy e a governança dos Estados Unidos nos próximos dois anos
Tendo em vista a eleição de McCarthy e a atual configuração política da Câmara legislativa, é possível debater prognósticos em alguns tópicos centrais para a política, sociedade e economia norte-americana.
A questão étnica é central na política americana, pois os Estados Unidos são um país de imigrantes de todo o mundo, especialmente de países latino-americanos. Por isso, é importante avaliar a atual situação da Câmara baixa dos EUA. A começar pela posição de McCarthy, que anteriormente apoiou o então presidente Trump e ratificou a construção do muro entre os EUA e o México. A posição de dizer que os Estados Unidos são um país de imigrantes, mas, ao mesmo tempo, legitimar uma imensa e dura burocracia de controle de migração imersa de xenofobia subjacente parece continuar uma tendência entre os congressistas republicanos, incluindo o mais novo orador, que garantiu que nenhum projeto de anistia chegará ao plenário da casa, referindo-se à anistia imigratória para os 11 milhões de imigrantes em estado ilegal nos EUA, proposta pelo presidente Biden.
Ademais, ainda sobre uma perspectiva étnica, a questão racial é importante para a política americana, já que o país tem o racismo como doença presente em todas as camadas de suas estruturas. Os republicanos, maioria no Congresso e partido do qual o orador McCarthy faz parte, demonstra certa unidade em relação às questões raciais, já que acreditam que não seja necessário fazer mais para combater a desigualdade racial. A maioria desses grupos também acredita que o governo intervém em questões que deveriam ser de responsabilidade dos indivíduos e das empresas, e que as pessoas brancas não se beneficiam de sua raça dentro dos Estados Unidos. Mesmo assim, o atual Legislativo americano conta com 133 senadores e deputados que se identificam como negros, hispânicos, asiáticos, ou nativos americanos, de acordo com o Pew Research Center. O número quase duplicou desde o 108º congresso, de 2003 a 2005, que tinha 67 membros com tais identificações.
A hegemonia americana também é um tópico recorrente para a política americana e tem sido, especialmente a republicana após o governo Trump, direcionada para a China e para o Partido Comunista Chinês. Em assembleia, o recém-formado congresso criou um novo comitê seleto para investigar a ameaça de longo prazo da China aos Estados Unidos. Ela recebeu mais votos do que qualquer outra medida dessa semana, pois todos os republicanos presentes e 146 democratas votaram a favor dela. O Comitê terá função de expor a estratégia do Partido Comunista Chinês para mitigar a soberania americana. Isso demonstra uma tendência que o Congresso seguirá mediante a liderança de McCarthy.
A recente maioria republicana na Casa dos Representantes tem colocado a questão do aborto como prioridade em sua agenda política. Duas medidas relacionadas ao assunto foram aprovadas por voto partidário. A primeira delas é um projeto de lei que exige que os profissionais de saúde tentem salvar a vida de bebês que nascem vivos durante, ou após, um aborto. A segunda medida é uma resolução que condena os “ataques recentes a instalações, grupos e igrejas pró-vida”. Embora a resolução não precise ser aprovada pelo Senado, o outro projeto de lei, chamado “Ato de Proteção a Sobreviventes de Aborto Nascidos Vivos”, provavelmente não terá sucesso em ser aprovado pelo Senado, ou ser sancionado pelo presidente Joe Biden.
Vale lembrar que essas ações na Casa dos Representantes ocorrem após a decisão da Suprema Corte, em junho de 2022, de revogar o direito ao aborto, estabelecido na histórica decisão Roe v. Wade, de 1973. A revogação desempenhou um papel importante na mobilização de eleitores e candidatos democratas, o que contribuiu, possivelmente, para evitar que a maioria republicana fosse ainda maior.
Por fim, é importante mencionar a capacidade de bloqueio que a nova maioria republicana pode exercer sobre o orçamento federal. Os republicanos têm uma agenda relacionada ao corte de impostos para os segmentos mais ricos da população com o argumento de que uma maior renda disponível para os mais ricos pode se reverter em novas oportunidades de negócios e, consequentemente, maior geração de empregos. Nessa linha, também defendem o corte de gastos com programas sociais, notadamente aqueles que atendem a população de baixa renda, como os subsídios para assistência médica, subsídios para as famílias mais pobres e gastos com educação pública. Em contrapartida são fortes defensores dos gastos militares, particularmente em um momento em que o país enfrenta os desafios da Guerra na Ucrânia e elegem a China como uma ameaça à sua hegemonia.
O problema orçamentário assume novas dimensões quando o governo federal atingiu o teto da dívida em 19 de janeiro de 2023, projetado para US$ 31,4 trilhões. Ao atingir o limite, as atividades do governo estadunidense podem ser comprometidas, chegando até mesmo a dar um calote em fornecedores, funcionários, custeio da máquina pública e em credores da dívida. Diante desta possibilidade, a maioria republicana está chantageando o governo Biden para que corte gastos sociais e também o pacote de investimentos em infraestrutura no âmbito da iniciativa Build Back Better.
Já houve outros impasses entre um Congresso republicano e o Poder Executivo democrata. Em 2011, o governo de Barack Obama enfrentou uma longa crise com o Congresso para encontrar uma solução para a crise da dívida. O impasse foi resolvido com a ampliação do teto de gastos e as promessas de corte de despesas por um prazo de dez anos. É interessante notar que, há 11 anos, a dívida pública do país era de aproximadamente US$ 15 trilhões. Atualmente, o limite é mais do que o dobro!
Por mais que a maioria republicana na Casa dos Representantes possa tentar criar constrangimentos para a administração Joe Biden, uma abordagem racial pode comprometer o próprio prestígio dos republicanos, pois a paralisação das atividades do governo federal junto à população e a ameaça de calote nos títulos da dívida pública podem ser malvistos por cidadãos e investidores. Na crise de 2011, os títulos da dívida dos Estados Unidos perderam o selo máximo de avaliação das agências de classificação de risco. O título “AAA” caiu para “AA+”, um dano muito grande para a posição hegemônica do dólar no sistema financeiro internacional.
Ao observar o radicalismo de parcela significativa dos novos deputados, não é improvável que a corda das negociações estique de tal forma que se rompa. A visão enviesada da ala ultraconservadora do Partido Republicano pode trazer prejuízos para o país para além do que a elite considere razoável. Infelizmente, a parcela mais ideologizada não gosta da História. Se prende a teorias conspiratórias e pode comprometer o interesse de seu próprio país.
* Marcos Cordeiro Pires é coordenador do Latino Observatory, professor de Economia Política Internacional (Unesp-Marília) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU). Contato: latinobservatory@latinobservatory.org. João Felipe Ronqui de Carvalho é bolsista PIBIC e graduando em Relações Internacionais (Unesp-Marília). Contato: Linkedin.
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