Internacional

Grande Estratégia dos EUA: continuidade, ou mudança?

Crédito: ClaraDon/Flickr

Seminário Anual INCT-INEU

Por Williams Gonçalves*

Para responder a essa pergunta, recorrerei tanto aos acontecimentos políticos protagonizados pelos Estados Unidos, como ao documento que orienta o comportamento do Estado norte-americano no sistema internacional de poder: a Estratégia de Segurança Nacional-ESN (National Security Strategy, no original).

A ESN do governo Joe Biden foi publicada em 12 de outubro de 2022. Deveria ter sido apresentada em março, porém a ação militar da Rússia contra a Ucrânia obrigou o governo a rever o documento, o que atrasou sua publicação.

Constituída de 48 páginas, a ESN é um documento que todos os governos dos EUA estão obrigados a publicar. Ele contém as diretrizes para todo o aparato estatal do país, tanto as relativas às questões externas como às internas. Por isso, tem como característica ser amplo. Sua redação envolve as principais agências do governo. É um documento redigido por várias mãos. Em virtude de sua amplitude, muitas vezes contém algumas incongruências, assim como problemas relativos à alocação dos recursos necessários à execução das metas por ele estabelecidas.

Em vista dessas particularidades, a ESN é analisada de diferentes perspectivas. O ponto de vista deste texto é aquele que busca identificar a percepção do Estado norte-americano sobre o estado da política internacional e a linha político-estratégica que o governo se propõe a seguir para a melhor defesa dos interesses nacionais. Não tratarei, portanto, de questões como concatenação dos órgãos de administração e proveniência dos recursos necessários à implementação das propostas.

Apresentação homônima no Seminário “Tempos Difíceis: o primeiro tempo do Governo Biden e as eleições de meio de mandato”, promovido pelo INCT-INEU, em 7 e 8 de dezembro de 2022, em formato híbrido

A primeira ideia a destacar, que, de algum modo, responde objetivamente à questão desta intervenção, é que o fundamento da ESN goza de apoio bipartidário no país e apoio crescente no exterior, como afirma este breve trecho retirado da página 7 do referido documento: “A ideia de que devemos competir com grandes potências autocráticas para moldar a ordem internacional goza de amplo apoio que é bipartidário em casa e aprofundado no exterior”.

Essa ideia do apoio bipartidário é de grande importância, porque o que caracterizou a política externa de Donald Trump (2017-2021) foi justamente o rompimento do consenso que os dois partidos – Democrata e Republicano – estabeleceram desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Em poucas palavras, a ideia consensual é que o Estados Unidos é mais importante para o mundo do que o mundo é para os Estados Unidos, razão pela qual cabe aos Estados Unidos exercer o poder hegemônico. Paz mundial, respeito pelos direitos humanos, democracia e livre-comércio são valores universais, cujo respeito dependem da disposição dos Estados Unidos de exercerem o poder hegemônico.

Trump rompeu com esse consenso e o substituiu por uma visão comercialista das relações internacionais. Segundo ele, o papel do Estado era proteger os interesses das empresas e os empregos dos trabalhadores norte-americanos. O projeto hegemônico consumia recursos destinados à defesa dos aliados, que assim, poupados das despesas com defesa, investiam mais na economia, e isso permitia que competissem com o próprio Estados Unidos, ao mesmo tempo em que envolvia os Estados Unidos em guerras dispendiosas e inúteis.

Embora não se possa falar que a estratégia do governo Biden represente rompimento completo com a política externa de Trump, uma vez que as marcas deixadas por seu governo não podem ser completamente apagadas, não há dúvida de que a visão estritamente comercialista de Trump foi abandonada em favor da volta ao projeto hegemônico. Nesse sentido, enfim, há mudança.

Na mesma frase em que anuncia a recomposição do consenso bipartidário, o documento desnuda o que considera que está em jogo na política internacional e constitui obstáculo no caminho da recuperação da posição hegemônica. Não há o que discutir: o pós-Guerra Fria está terminado. Isso significa que a confortável posição de potência sem rival ficou no passado. A nova estrutura do sistema internacional de poder é multipolar. A relação com as demais grandes potências não é mais, contudo, de exclusão. O quadro é bastante complexo. Bem diferente daquele do tempo da Guerra Fria, quando havia uma bipolaridade excludente.

Disputa por uma nova ordem

A complexidade se deve, em primeiro lugar, ao fato de não existir mais inimigos irredutíveis, mas, sim, potências competidoras. Ou seja, potências que, por assim dizer, acham-se perfeitamente integradas à ordem internacional e respeitam suas regras básicas. No entanto, essas potências, nomeadamente China e Rússia, assumem-se como revisionistas. Trabalham segundo as regras da ordem internacional vigente, mas aspiram à criação de uma nova ordem. Nova ordem essa que o documento denomina “iliberal”, o que equivale a dizer não liberal, ou intolerante.

O objeto da luta política internacional é a construção de uma nova ordem internacional.

O documento cita fartamente essa ideia, porém não especifica em que consistiria a nova ordem proposta por China e Rússia. Em toda sua extensão, o documento afirma que a luta dos Estados Unidos consiste em impedir que China e Rússia, potências de estrutura política autocrática, imponham-se e modelem a ordem internacional. Em parte alguma, porém, o documento esclarece qual seria o conteúdo dessa nova ordem.

Apesar de considerar China e Rússia potências competidoras, o documento explicita que a possibilidade de guerra é real e ela tem aumentado. O “caráter autocrático” dessas duas potências e sua insistência em introduzir mudanças na ordem internacional seriam, ao que parece, motivos suficientes para a guerra.

Em face dessa possibilidade, o documento anuncia a necessidade de aumento dos investimentos em equipamentos bélicos tecnologicamente avançados. Essa orientação se inscreve, na verdade, em um contexto mais amplo, que é aquele da intensa disputa tecnológica e comercial que o país trava com a China. Nesse caso, a política de Trump de cerco tecnológico à China, com vistas a reduzir sua capacidade de inovação e expansão comercial, continua sendo uma prioridade.

Fortalecimento dos vínculos com antigos aliados e formação de novas alianças constituem igualmente aspectos importantes da política de preparação para uma possível guerra. A revitalização da OTAN, proporcionada em grande medida pela reação russa à decisão da Ucrânia de ingressar na aliança militar, é considerada uma vitória política significativa, premiada com a solicitação de ingresso da Finlândia e da Suécia.

Ouça entrevista do prof. Williams sobre o aniversário de um ano da guerra na Ucrânia

As alianças na região Indo-Pacífico são consideradas como de grande valor para essa estratégia de fortalecimento político-militar. O Quad (Austrália, Reino Unido e EUA), assim como o I2–U2 (Índia, Israel, Emirados Árabes Unidos e EUA), são apresentados como outras alianças significativas em área estrategicamente sensível.

Ao mesmo tempo em que marca clara posição de incompatibilidade com China e Rússia, a ESN considera que o mundo atravessa uma fase em que os estadistas são chamados a assumir posições decisivas em relação ao futuro comum. Há questões globais que, por definição, estão além do alcance de qualquer ação governamental individual. Elas requerem cooperação de todos. Nesse âmbito, China e Rússia não podem ficar de fora. A pandemia da covid-19, emergências humanitárias, insegurança alimentar, escassez energética, doenças transmissíveis e inflação são questões que exigem entendimento e ação convergentes. De todas essas questões globais, a mais importante é a relativa às mudanças climáticas. A emissão de gases poluentes, que provocam o aquecimento global, é a mais importante, porque incide diretamente sobre o controle da economia. Exige, portanto, um entendimento muito sincero entre as partes.

Na mesma medida em que retrata China e Rússia como potências inimigas, por trabalharem em favor de uma nova ordem internacional, o documento revela que a parceria com essas mesmas duas potências é absolutamente necessária para encaminhar políticas cooperativas indispensáveis para enfrentar o problema das mudanças climáticas.

A ESN admite que a aliança da China com a Rússia constitui o grande problema estratégico, com o qual os Estados Unidos se defrontam. As duas potências têm características diferentes, mas se põem de acordo sobre questões de fundo, tal como a mudança na ordem internacional, e cooperam intensamente em área sensível como a área energética, com os russos preenchendo as necessidades de petróleo e gás da China. Em vista disso, o objetivo estratégico norte-americano deve ser o de fraturar essa aliança. O que torna isso possível, em tese, é que, apesar de todas as diferenças a separar os interesses chineses dos interesses norte-americanos, com os chineses é possível o entendimento e a cooperação, ao passo que, com a Rússia, isso não é possível. E o que torna a cooperação com os russos impossível é o suposto projeto nacionalista russo de expansão territorial, com vistas e recompor o antigo império.

File:With President of China Xi Jinping before a roundtable meeting of  leaders during the Belt and Road international forum.jpg - Wikimedia Commons(Arquivo) Presidente russo, Vladimir Putin, e seu homólogo chinês, Xi Jinping, em fórum internacional do Cinturão e Rota, em Pequim, em 14 de maio de 2017 (Crédito: Assessoria do Kremlin/WikiCommons)

Desde que a ordem internacional liberal entrou em vigor, a China assumiu posição contestadora. Desempenhou papel importante na Conferência Afro-Asiática de Bandung, realizada entre 18 e 24 de abril de 1955. Essa conferência denunciou o caráter colonial da ordem internacional. Embora vários países asiáticos tivessem alcançado a independência política, faltavam as independências das colônias africanas, coisa que se completou somente em meados da década de 1970. E os que haviam se tornado independentes enfrentavam o racismo e o bloqueio do caminho do desenvolvimento econômico-social. A lógica da Guerra Fria se impunha sobre as pretensões de desenvolvimento dos países periféricos, ao priorizar a inscrição político-ideológica. Essa lógica cedeu apenas em parte, quando, em 1964, a ONU acolheu a questão do desenvolvimento, institucionalizando a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD). Embora pertencesse ao bloco comunista, a China realçou a identidade de país do Terceiro Mundo, cuja prioridade era promover o desenvolvimento.

Quando, no início da década de 1970, o Terceiro Mundo se uniu em torno da reivindicação de uma Nova Ordem Econômica Internacional (NOEI), a China assumiu, mais uma vez, papel proeminente. Após um período de introspecção, em que esteve voltada para sua Revolução Cultural, a China reapareceu apoiando a causa do Terceiro Mundo. O discurso de Deng Xiaoping na tribuna da ONU, apresentando a Teoria dos Três Mundos, em 1974, apontava o caráter hegemônico das superpotências como o principal obstáculo ao desenvolvimento da periferia. Ao mesmo tempo, apresentava a defesa da soberania do Estado como a questão mais sensível da ordem internacional, uma vez que as superpotências desrespeitavam-na, sistematicamente, em sua luta pelo poder hegemônico.

Brics: o realismo dos gigantes periféricos

A China voltou a desempenhar papel protagonista na luta por uma nova ordem internacional, quando, junto com Brasil, Rússia, Índia e África do Sul, criou o grupo Brics. O Brics consistia em nova versão daquela pretensão que se manifestou em Bandung, em 1955, e se repetiu na ONU, nos anos 1970. Uma versão mais realista do que as duas versões anteriores. Dessa vez, não mais um amplo e contraditório conjunto de países, sem um objetivo claramente definido; mas, sim, um grupo de grandes países periféricos em processo econômico ascendente, com status de líderes políticos regionais, que tomaram medidas objetivas com vistas a abrir espaço para o desenvolvimento da periferia, no mesmo momento em que reivindicavam o reconhecimento da diversidade cultural dos povos e o respeito ao princípio da soberania dos Estados.

A criação do Novo Banco de Desenvolvimento e do Arranjo Contingente de Reservas, em julho de 2014, no Encontro de Fortaleza, cujo objetivo foi oferecer uma alternativa ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, ambos controlados pelos Estados Unidos e pelos europeus, foram as principais decisões tomadas pelo grupo.

Tal como das vezes anteriores, os Estados Unidos e seus aliados conseguiram, em alguma medida, esquivar-se dessa ofensiva lançada pelos interessados em uma nova ordem internacional. Por razões específicas, África do Sul, Brasil e Índia se distanciaram dos objetivos inicialmente estabelecidos pelo Brics. África do Sul e Brasil se afundaram em uma crise causada pela luta contra a corrupção, enquanto Índia, sob governo das forças políticas nacionalistas, afastou-se da China e se aproximou dos Estados Unidos. Mais uma vez, as contradições próprias aos Estados periféricos, que os impede de alcançar algo parecido com o consenso bipartidário norte-americano, abriu as portas para o êxito da política hegemônica.

Por enquanto, consequentemente, o Brics, em seu movimento em direção a uma nova ordem internacional, está reduzido a China e Rússia. A África do Sul continua paralisada pela crise política. O Brasil vive a expectativa da retomada da política externa de ênfase nas relações Sul-Sul. A Índia, ao mesmo tempo em que se distancia da China e se aproxima dos Estados Unidos, tem intensificado seus laços com a Rússia.

Há que se destacar, no entanto, que há importante diferença entre a orientação da política russa e a orientação da política chinesa. Enquanto esta última tem uma atuação marcada pela autonomia, compatível, aliás, com sua ascensão econômica, tecnológica e militar, a Rússia manifesta uma política defensiva, em reação à pressão exercida pelos Estados Unidos e por seus aliados da OTAN, no sentido de isolá-la e cercá-la. O objetivo: inviabilizar, definitivamente, qualquer pretensão de formar uma área de influência regional.

O principal instrumento da ofensiva chinesa para mudar a ordem internacional é a Iniciativa do Cinturão e Rota (One Belt and One Road Initiative). Anunciado pelo presidente Xi Jinping em 2013, o projeto chinês se apresenta como um vasto programa internacional de infraestrutura financiado pela China que se estende pela Ásia Central, África, Europa e Américas. Além dessa ambiciosa reconstituição da clássica Rota da Seda, os chineses assumiram posição central em um novo agrupamento econômico-comercial asiático que exclui a participação dos Estados Unidos.

A Parceria Econômica Regional Abrangente (RCEP, na sigla em inglês) é um tratado de livre-comércio proposto na região Ásia-Pacífico entre os dez Estados-membros da Associação de Nações do Sudeste Asiático (Asean) – Brunei, Camboja, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Filipinas, Singapura, Tailândia e Vietnã – e cinco dos integrantes da Área de Livre-Comércio (ALC) da ASEAN – Austrália, China, Japão, Nova Zelândia e Coreia do Sul. Esse agrupamento começou a ser negociado em 2012 e chegou a termo em 2020. Os norte-americanos interpretam que esse agrupamento é altamente lesivo aos seus interesses, vendo sua exclusão com muita preocupação. Por causa disso, atribuem decisiva importância ao fortalecimento dos vínculos com os aliados da região do Indo-Pacífico e estão sempre a reiterar a disposição de fazer valer a proteção que concedem a Taiwan.

Qual ordem internacional e para quem?

O conceito de ordem internacional tem sido intensamente debatido por conhecidos acadêmicos, tais como Hedley Bull, John G. Ikenberry, John J. Mearsheimer, Gashaw Ayferam Endaylalu e Robert W. Cox, entre outros. Não obstante as divergências que existem entre esses importantes estudiosos, é possível identificar ideias básicas que compõe o conceito.

A primeira delas é que as ordens internacionais tiveram como ponto de partida o reconhecimento do princípio do poder soberano dos Estados, o que aconteceu no contexto dos tratados de Vestfália, que puseram fim aos 30 anos de guerras religiosas na Europa (1618-1648). A segunda é que a institucionalização da ordem internacional começou com o Congresso de Viena, em 1815, quando as cinco grandes potências da Europa – França, Reino Unido, Império Austríaco, Império Russo e Prússia – estabeleceram o concerto europeu.

A terceira ideia é que a institucionalização avançou significativamente após a Segunda Guerra Mundial. Nessa nova etapa, os Estados Unidos substituíram o Reino Unido como potência hegemônica e criaram ampla rede institucional com a finalidade de assegurar uma ordem internacional liberal, no mundo capitalista ocidental. A quarta ideia, com a qual praticamente todos concordam, é que a transição de uma ordem para outra pode se dar de maneira pacífica, como a que marcou a passagem da ordem britânica para a ordem norte-americana. Ninguém põe em dúvida, porém, que a guerra é sempre a forma prevalecente de transferência.

Muitas das discussões sobre a mudança da ordem internacional não são de muito valor. Alguns estudiosos abordam a questão como se se tratasse de uma mudança de alto a baixo e de uma vez por todas, e não de um processo político. Outros abordam como se isso simplesmente não fosse possível, ignorando, portanto, o processo histórico e as diferentes ordens que foram estruturadas desde a criação do sistema de Estados.

A ESN não tem dúvida quanto à real possibilidade de mudança. O documento estipula um prazo de dez anos como decisivos para os Estados Unidos se reequilibrarem e recuperarem a posição hegemônica e para assegurar a continuidade da ordem internacional liberal. A China age, por sua vez, como grande potência. À medida que vai acumulando poder econômico, vai fortalecendo suas alianças e procurando se colocar militarmente à altura do desafio que tem lançado.

Para concluir esta breve reflexão sobre o sentido da estratégica nacional dos Estados Unidos sob o governo Biden, convém tentar dar resposta a uma questão que está sempre subentendida, mas não se a explicita com a clareza que sua importância requer. Afinal, o que temem os Estados Unidos em face de uma possível ordem internacional capitaneada pela China? Como se traduziria na prática essa ordem que os norte-americanos reputam como própria às autocracias?

Sinteticamente, ordem internacional é o conjunto de regras, normas e instituições que regem as relações entre os Estados com o objetivo de garantir estabilidade e previsibilidade a essas relações. São as potências hegemônicas que determinam a ordem, de acordo com seus interesses nacionais e com os valores que cimentam sua estrutura estatal e governativa. A ordem não é – e não pode ser – a pura expressão do poder bruto, pois, para se manter, ela necessita de gozar de legitimidade. E a legitimidade provém dos benefícios que ela pode proporcionar aos Estados que têm menos poder. A disputa entre as grandes potências para definir qual delas estabelece a ordem internacional é tanto uma exibição de poder econômico, tecnológico e militar, como uma batalha de ideias.

A partir dessa definição de ordem internacional, é possível esboçar respostas para as questões subentendidas.

O temor dos norte-americanos é que, ao liderar blocos na Ásia e organizar arranjos comerciais que os excluam, os chineses sedimentem o Indo-Pacífico como núcleo da economia global e os empurrem para fora do Pacífico, tornando os Estados Unidos uma potência apenas atlântica.

A plena conformação da estrutura multipolar do sistema internacional de poder e a transformação dos Estados Unidos em potência exclusivamente atlântica significarão o fim da ideia de universalidades dos valores anglo-saxões e o entendimento acerca da existência de diferentes tradições culturais e civilizacionais, que determinam diferentes concepções de direitos humanos e de mais justa organização jurídico-política.

Por fim, essa redução do poder dos Estados Unidos, forçado a compartilhá-lo com outras potências e com outras tradições culturais, abre a possibilidade de se efetivar aquele princípio que a China tem defendido em diferentes conjunturas desde que o PCC empalmou o poder em 1949: o respeito à soberania dos Estados. Juntos, o desbloqueio do caminho dos países periféricos para o desenvolvimento e o respeito à soberania dos Estados por parte das grandes potências constituem as questões-chave do sistema internacional.

Essas são, em suma, as questões que julgo estar em jogo quando se trata de decidir pela manutenção, ou pela mudança, da ordem internacional.

 

* Williams Gonçalves é Professor Titular de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e professor do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM-EGN). Doutor em Sociologia, também é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU).

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Primeira versão recebida em 6 dez. 2022. Este Informe OPEU não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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