Lula e Biden: uma relação com ganhos e (novos) limites para Brasil e EUA
Lula e Biden na Casa Branca, em Washington, D.C., em 10 fev. 2023 (Crédito: Ricardo Stuckert/PR)
Por Tatiana Teixeira*
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou aos Estados Unidos esta semana em uma posição relativamente confortável, com espaço para conversa e negociação. Não foi o primeiro contato direto com seu homólogo americano, Joe Biden, mas foi o primeiro encontro presencial entre ambos como chefes de Governo. Esta foi uma viagem para a troca de afagos na forma de palavras reciprocamente gentis e para o aperto de mãos firme e cordial, diante das câmeras, assim como para o contato olho no olho, em privado, aquele que diz a seu interlocutor quem se é e até onde se pretende ir e se pode fazer. Ainda que não seja garantidor de nada, nem de facilidades, nem de compromissos, este é um momento insubstituível na política – especialmente quando estamos falando de uma relação que precisa de ajustes, de reenquadramento e de (novos) limites.
Há interesse, momentum, condições favoráveis, pontos de convergência – e de atenção, os quais acendem algumas luzes no radar de Washington. Há duas autoridades que, democraticamente eleitas, foram alvo da sanha destrutiva e rancorosa dos perdedores e que precisam lidar com as consequências e com o espólio político e social desses tempos. Há uma eleição presidencial em 2024 nas terras do Tio Sam. Há novos ventos, necessidades e urgências em relação à questão climática/ambiental, tanto ao Norte, quanto ao Sul. Há uma nova onda progressista no horizonte do subcontinente. Há a China. Há uma guerra em curso, é verdade, mas, vejam, é um conflito que não envolve diretamente o Brasil.
Na bagagem, o presidente Lula levou capital pessoal, político e simbólico, entre outros itens não menos importantes, como a defesa da preservação da Amazônia e pautas sociais, incluindo seu emblemático (e já testado com sucesso em governos anteriores) combate à fome, defesa da igualdade racial e dos indígenas. Aqui, especificamente, Lula pode ajudar o companheiro Biden a ganhar alguns pontinhos com a ala mais progressista de seu Partido Democrata (sempre insatisfeita!) e a parecer mais simpático e acessível aos vizinhos do Sul (nunca agradecidos o suficiente por todo o esforço dos Estados Unidos de cuidarem da região que veem, perenemente, como sua esfera de influência imediata). Nesta sexta-feira (10), além de reunião com Biden, Lula também se encontrou com o senador Bernie Sanders (I-VT) e com a representante Alexandria Ocasio-Cortez (D-NY) (foto abaixo).
Lula e a ministra Anielle Franco se encontram com os representantes (deputados) americanos (da esq. para dir.) Alexandria Ocasio-Cortez (D-NY), Pramila Jayapal (D-WA) e Ro Khanna (D-CA) (Crédito: Ricardo Stuckert/PR)
A escolha dos ministros que compuseram a comitiva brasileira serviu como um indicativo do que o governo atual percebe como grandes ativos para sua reconstrução da imagem internacional do país. São áreas em que, salvo o interregno dos últimos quatro anos, o Brasil construiu sólida reputação como um ator e interlocutor ativo, válido, maduro, legítimo e responsável. Assim, tivemos, entre outros, as ministras do Meio Ambiente e Mudança Climática, Marina Silva, e da Igualdade Racial, Anielle Franco. Do lado do anfitrião, a presença do enviado especial para o clima, John Kerry, e do conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, também são bons indicativos que devem orientar nossas reflexões e observações.
Eleito pela terceira vez, um bom mediador de conflitos e um político com grande capacidade de articulação e o tal do convening power, Lula encarna algo que, neste momento, cai muito bem, obrigado, e que vai além de mera percepção, pois que há uma longa linha do tempo a se recorrer em busca de evidências. Estamos falando de estabilidade, previsibilidade, racionalidade e razoabilidade na política, experiência, rostos conhecidos e um histórico nas relações interpessoais – como o ex-chanceler Celso Amorim (diplomata de carreira e hoje chefe da Assessoria Especial da Presidência) –, além da certeza de que compromissos firmados serão respeitados e levados a cabo. Potências médias usam, pois, os recursos que têm.
Estabelecendo as linhas vermelhas
Tratou-se de um encontro de apresentação e de (re)conhecimento mútuo, porque este é o momento de limpar o terreno. Trata-se de reposicionar as peças em um tabuleiro que, nos últimos quatro anos, teve movimentos bastante irregulares e descompensados, expondo uma relação bilateral ainda mais assimétrica do que essencialmente é (e sempre foi). Trata-se mais de simbolismo do que de concretude, de grandes acordos, reviravoltas e anúncios espetaculares. E tem-se algumas promessas, também, como aperitivo e/ou sinal de boa vontade.
Há divergências, previsíveis e sempre inevitáveis quando o convidado do hegemon é alguém que sabe e entende o peso do que representa. Ainda assim, não faz qualquer sentido – e seria contraintuitivo, no atual contexto – imaginar que poderia haver atritos de monta entre um e outro lado. Agora é aquele momento em que ambos estabelecem algumas áreas de interseção, os pontos prioritários para um e outro lado, as linhas vermelhas e onde é possível ceder. É um momento articulado pelos respectivos cerimoniais e diplomacias, criado com atenção aos detalhes, de modo a deixar margem estreita para surpresas. Testa-se a reação da classe política, dos analistas, dos chamados formadores de opinião, da imprensa e da opinião pública – aqui e acolá. Desse ponto de partida, segue-se, com a atuação em nível ministerial e no nível mais técnico-burocrático, com organização de forças-tarefas, grupos de trabalho, diálogos e parcerias estratégicas e outras expressões e esquemas afins.
Uma linha vermelha importante para Biden é sua preocupação com o plano doméstico. Isso ficou claro em seu Discurso do Estado da União (versão oficial em português), perante o Congresso americano, em 8 de fevereiro. No SOTU (sigla em inglês) deste ano, a agenda doméstica prevaleceu sobre a de política externa, com indicações – indiretas, mas nem tanto assim – de que o democrata buscará a reeleição. Em ano pré-eleitoral, marcado pelo anúncio precoce de pré-candidatura de seu por enquanto principal concorrente, o republicano Donald Trump, políticas, anúncios e medidas devem, muito provavelmente, estar voltados para acolher demandas, agradar ao eleitorado e tentar manter (ou conquistar) mais progressistas, independentes e republicanos moderados e/ou anti-Trump (não necessariamente coincidentes).
No caso de Lula, uma linha vermelha irredutível (algo relevante nos intercâmbios com a potência mundial) é a preservação da soberania do país. Isso significa que quaisquer propostas apresentadas serão analisadas sob lentes estratégicas ajustadas para proteger o interesse nacional. Renunciar a isso é voltar algumas (muitas) casas, perdendo-se um valioso poder de barganha, além de desperdiçar uma janela de oportunidade que volta a se abrir. Da Amazônia à guerra na Ucrânia, passando pela relação com a China, a atual política externa brasileira recupera sua tradição diplomática, com a defesa de princípios como não intervenção, respeito à soberania, solução pacífica de conflitos, defesa da paz, independência nacional, busca da cooperação e do multilateralismo no plano internacional.
Diferentemente do governo de Jair Bolsonaro (2019-2023), que adotou um alinhamento ideológico automático e acrítico aos Estados Unidos de Trump (2017-2021), espera-se do governo atual que mantenha uma postura assertiva e o poder de negociação do Brasil. É assim que se volta ao jogo.
* Tatiana Teixeira é editora do OPEU, pesquisadora do NEAI (Ippri/Unesp) e professora colaboradora do IRID/UFRJ. Contato: tatianat19@hotmail.com.
** Recebido em 10 fev. 2023. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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