Política Doméstica

Biden e o Discurso do Estado da União, parte I

Presidente Joe Biden no SOTU, em 1º mar. 2022, na Câmara de Representantes do Congresso, em Washington, D.C. (Crédito: Adam Schultz/Casa Branca/Flickr)

Por Augusto Scapini, Eduardo Mangueira e Tatiana Teixeira*

Tradicionalmente em janeiro, ou fevereiro, o Discurso do Estado da União (tradução oficial em português aqui) de 2022 aconteceu, pela primeira vez, em março (1º). A data incomum tem relação com um início de ano já carregado, em meio ao surgimento e disseminação da variante ômicron da covid-19, às disputas entre Executivo e Legislativo e à guerra na Ucrânia.

O SOTU (seu acrônimo em inglês) é uma tradição anual, na qual todo o presidente americano reflete, perante o Congresso, sobre os acontecimentos e feitos do governo no ano anterior e expressa seus planos e esperanças para o restante do ano, destacando as prioridades nos planos doméstico e internacional. Nesta edição, a estratégia do democrata Joe Biden foi partir de um tema de fácil adesão e unidade – a Ucrânia – para, então, arriscar-se em assuntos polêmicos, que são recorrente objeto de acirrados embates entre democratas e republicanos, como se verá a seguir.

Após um turbulento primeiro ano de mandato (2021), o pronunciamento de Biden conduz uma tentativa de apaziguar os intensos conflitos político-partidários e (re)conquistar a confiança da população americana, em meio a uma desaprovação recorde de sua gestão. Conforme pesquisa conduzida pelos veículos ABC News e The Washington Post em fevereiro do ano passado, apenas 37% dos entrevistados consideravam a gestão do presidente satisfatória naquele momento.

Assista à íntegra do SOTU de 2022

Na política externa, o tom foi duro, ao defender e reafirmar a soberania e os interesses americanos, em meio à escalada do conflito entre Rússia e Ucrânia. Depois de Economia (25 minutos), este foi o tema, aliás, ao qual o presidente dedicou mais tempo (12 min), seguido de sua “Agenda de Unidade” (11 min), impactos e recuperação da pandemia da covid-19 (7 min), direito de voto/Suprema Corte/imigração/igualdade (4 min) e criminalidade e controle de armas (3 min).

Rússia, Ucrânia e envolvimento americano

Biden inicia o pronunciamento, manifestando seu apoio à população ucraniana contra a investida russa, e coloca o presidente russo, Vladimir Putin, como alguém que, ao lançar um ataque premeditado e sem provocações, não teria noção das consequências desta ofensiva para o próprio país. O presidente elogia a “bravura” da população ucraniana no combate às tropas russas e enumera algumas das ações tomadas pelos Estados Unidos em apoio à Ucrânia: a criação de coalizões com diversos países para confrontar a Rússia; o combate à retórica russa de justificativa da invasão; o estabelecimento de sanções; o fechamento de seu espaço aéreo para aviões russos; a exclusão de bancos russos do sistema monetário internacional, desvalorizando a moeda russa e “inutilizando” seu fundo de guerra de US$ 630 bilhões, além do envio de assistência em segurança econômica e humanitária.

Embora tenha dado a entender que despendeu US$ 1 bilhão apenas nos seis dias anteriores ao SOTU, este valor é relativo ao total enviado para Kiev desde o início do ano passado.

O presidente demonstra entender as repercussões do isolamento da Rússia para a economia mundial (incluindo a americana), ao anunciar a liberação em conjunto com outros países de 60 milhões de barris de petróleo, sendo 30 milhões estadunidenses. E, ao mesmo tempo em que busca registrar o apoio estadunidense aos ucranianos, afirma, categoricamente, que suas Forças Armadas não se envolverão no conflito – pelo menos não de forma direta. Em vez disso, seus soldados foram mobilizados para atuarem e colaborarem tendo como base países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) próximos, onde permanecerão para proteção desta região, caso a Rússia decidisse se expandir para o Oeste.

Todo o tratamento da questão é revestido de uma retórica comum aos discursos presidenciais estadunidenses, sobretudo em tempos belicosos: contrapõe Vladimir Putin – o “ditador”, que busca plantar “sementes desestabilizadoras” na ordem internacional liberal e democrática universalmente benéfica, tido como o único responsável pela ocorrência do conflito – ao “mundo livre”, aos ucranianos e a todos aqueles que, em solidariedade à Ucrânia, repreendem e lançam represálias às ações russas.

Essa oposição de democracias versus ditaduras dá ao conflito um caráter tal que uma posição de neutralidade parece ser contrária aos valores democráticos e, portanto, execrável, suscitando a união entre seus aliados.

Ainda segundo essa lógica, o governante coloca a ação russa como algo que busca fomentar a divisão, algo que se deve evitar ao máximo. Cabe, então, aos Estados Unidos de Biden, manter a união entre os países democráticos e livres que, sem sua orientação, liderança e/ou tutela, estariam em discórdia. Aqui, coloca a si próprio como artífice de qualquer união, ao dizer: “[…] Eu passei incontáveis horas unificando nossos parceiros europeus”.

O conjunto do pronunciamento também isenta os Estados Unidos e a expansão da Otan para o Leste de qualquer possível responsabilidade histórica e conjuntural sobre este que é considerado por analistas de diferentes abordagens teóricas e tendências políticas como fator de desestabilização regional, ao configurar o que a Rússia interpretou como uma ameaça para sua segurança. E decidiu agir em conformidade com tal percepção.

No discurso, a Aliança Atlântica é apresentada, especialmente, como uma organização voltada para a manutenção da paz e da estabilidade na Europa no Pós-Segunda Guerra Mundial. No mais, é notável que, ao tratar de fatores negativos, Biden se concentre no presidente russo, individualizando e personificando a causa do conflito. Assim, o problema não é a Rússia, e sim Putin, pois que a Rússia é a nação que sofrem as consequências negativas da decisão de seu líder. Dessa forma, é reforçada a caracterização do presidente russo como “ditatorial” e “maligno”, além de possivelmente apelar para a população russa, que será “vítima” das diversas sanções e do isolamento enquanto o conflito perdurar.

File:Vladimir Putin 20090128 2.jpg - Wikimedia Commons(Arquivo) Putin, em Davos, em 28 jan. 2009 (Crédito: Remy Steinegger/Fórum Econômico Mundial)

Biden conclui este assunto, afirmando que as medidas tomadas serão eficazes para, ao fim do conflito, “deixar a Rússia mais fraca, e o restante do mundo, mais forte”.

A guerra completará um ano em 24 de fevereiro próximo.

Na Economia, foco em infraestrutura e inovação

Tratando da economia, o presidente democrata buscou enaltecer suas políticas, exibindo-as como bem-sucedidas para superar o momento difícil do país (uma referência ainda, sobretudo, ao impacto da covid-19), assim como ressaltar a importância de ter determinados projetos aprovados pelo Congresso. A tarefa não foi (e continua a não ser) das mais suaves, como se acompanha. O Plano de Resgate Americano (no original, American Rescue Plan) foi elogiado pelo presidente pela criação de empregos, pelo incremento no esforço de vacinação contra o coronavírus e pelo alívio econômico que “não deixou ninguém para trás”, contrapondo-o com a política de cortes fiscais do governo anterior, que, segundo o governante, teria beneficiado apenas a camada mais rica da população. Na sequência, celebra o crescimento de 5,7% da economia – “o maior em 40 anos”, destaca – e a geração de 6,5 milhões de empregos, alardeados como “o maior montante da história do país”.

Biden rejeita a Teoria do Gotejamento – teoria econômica que afirma que cortes nos impostos da camada mais rica e das empresas traria benefícios para a população em geral – que, segundo ele, havia sido propagada como a mais benéfica até então. Sendo assim, ressalta a necessidade de beneficiar toda a população, e não apenas um grupo, com especial atenção à classe média. Além disso, levanta a questão da competição econômica com a China, de importância central para sua gestão, e a necessidade de preparar o país para “competir pelos trabalhos do futuro”.

São essas as bases que utiliza para justificar e promover a Lei Bipartidária de Infraestrutura, um projeto em larga escala de modernização que promete, entre outros pontos, o conserto de pontes e estradas, fornecimento de Internet barata e de água potável para todos, tudo a partir de produtos nacionais; bem como o Ato Bipartidário de Inovação, um projeto de investimento em tecnologias emergentes e na produção estadunidense, colocado por Biden como uma forma de colocar os Estados Unidos em situação de igualdade com os demais competidores, partindo do pressuposto de que o país está ficando para trás no quesito Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Para tanto, Biden cita Intel, Ford e General Motors, nominalmente, como empresas que estariam dispostas a investir na produção nacional. O presidente argumenta que essa iniciativa faz parte de uma tendência mais geral de revitalização da produção nacional, que permitiria a geração de ainda mais empregos.

Ademais, o governante apresenta a temática da inflação como geradora de dificuldades para a população, ocasionada, principalmente, pelas constrições ao mercado global geradas pela pandemia. Com isso, Biden argumenta que a ausência de materiais necessários para a produção de carros levou ao aumento de seu preço, sendo assim responsável por um terço da inflação. O presidente afirma ser necessário abaixar os custos, e não os salários. Esse plano, que Biden chama de “Construir uma América Melhor”, implicará a diminuição dos preços de medicamentos sob prescrição, corte de custos com energia, diminuição de gastos no cuidado de crianças. Para não onerar a faixa da população que ganha menos de US$ 400 mil ao ano, seriam impostas tarifas a empresas que, segundo ele, lucram exorbitantemente sem pagar imposto algum.

P20211208AS-1973 | President Joe Biden delivers remarks on t… | Flickr(Arquivo) Presidente Biden discursa sobre a Lei Bipartidária de Infraestrutura e sobre o plano “Construindo uma América Melhor”, em Kansas City, Missouri, em 8 dez. 2021 (Crédito: Adam Schultz/Casa Branca/Flickr)

Ao tratar desse plano, Biden recorre a uma técnica muito comum aos discursos presidenciais estadunidenses. Buscando apelar para o cidadão comum e oferecer um grau de identificação maior entre ouvintes e conteúdo, o presidente se refere a uma pessoa específica, que passa, ou passou, por uma situação adversa. Por vezes adotado para exaltar as Forças Armadas, esse recurso foi utilizado a partir da situação de Joshua Davis, um menino de 13 anos, do estado da Virgínia, que sofre, como seu pai, de diabetes tipo 1. Ao mostrar os preços exorbitantes que a família de Joshua é obrigada a pagar diariamente pela insulina de que precisa para viver, cujo custo de fabricação chega a ser 30 vezes menor do que o cobrado, Biden oferece um argumento convincente para levar à frente sua política.

Biden critica a administração anterior, entendendo como ineficiente o corte de impostos para os muito ricos e as empresas, e afirma, de modo contundente, que se facilitou a ocorrência de fraude e roubo de dinheiro que serviria ao alívio econômico, em meio à pandemia, ao dificultar a vigilância desses fundos. Por isso, afirma, o Departamento de Justiça indicará um promotor especial para lidar com casos de fraude relacionados com a pandemia.

Também defende a necessidade de competição no capitalismo, prometendo agir duramente contra empresas que criam oligopólios e causam o aumento dos preços. Conclui esse segmento, pronunciando-se a favor da formação de sindicatos desimpedidos, de investimentos em faculdades comunitárias e do aumento do salário mínimo para US$ 15 a hora.

Saúde pública e o combate à pandemia

Quanto à pandemia de covid-19, Biden promete que manterá um combate constante ao vírus, urgindo à população que siga algumas medidas de segurança. Em primeiro lugar, afirma a importância de se proteger com vacinas, em breve disponíveis para crianças, e com comprimidos antivirais que, sob a iniciativa “Teste para Tratar” (Test to Treat), podem ser disponibilizados diretamente após um teste em farmácia. Também falou da importância do uso de máscaras e de sua disponibilidade, bem como a de testes de detecção de coronavírus, os quais foram comprados em massa. Em segundo lugar, discorre sobre a importância de se preparar para novas variantes, afirmando que sua detecção se tornou mais rápida, e a aprovação de novas vacinas, mais eficiente. Em terceiro lugar, o presidente sustenta que a abertura das escolas e o relaxamento das restrições por covid não são somente possíveis como necessárias, tendo em vista a alta taxa de vacinação no país. Por último, destaca a importância da vacinação mundial, exaltando o papel dos EUA enquanto maior doador mundial desses imunizantes – uma clara oposição à China e sua Diplomacia da Vacina.

Biden conclui esta seção com um apelo à união bipartidária para lidar com o desafio trazido pela covid-19.

No plano doméstico, Biden aborda temas polêmicos

Entrando na Segurança Interna, Biden discorre sobre a questão das reformas da polícia e das armas. No primeiro momento, o presidente dá importância à necessidade de investimento na prevenção de crimes e no treinamento de policiais voltado para a defesa das comunidades, mediante métodos não violentos, a fim de restaurar a confiança da população nos órgãos de segurança pública. Também defende a decisão do Departamento de Justiça de impor novas regras de conduta policial, como o uso obrigatório de câmeras corporais, para garantir mais transparência e responsabilização dos agentes. Para o presidente: “[…] A resposta não é cortar fundos da polícia, [mas sim] financiar a polícia com recursos e treinamentos necessários para proteger as comunidades”.

Essa visão já havia sido apresentada por Biden e foi entendida como uma tentativa do presidente de não desagradar a lobistas e legisladores contrários às reformas policiais radicais. Parece ter conseguido, em meio a aplausos de ambos os polos partidários do Capitólio. Membros da comunidade negra americana viram a declaração, no entanto, como uma quebra de promessa, após o apoio de Biden aos protestos de 2020 contra a brutalidade policial em resposta à morte de civis como George Floyd e Breonna Taylor. Estes emblemáticos casos foram encerrados com condenação e absolvição dos respectivos réus.

George Floyd Protest in Washington, DC - May 30 | Protesters… | Flickr(Arquivo) Segundo dia de protestos, em Washington, D.C, em 30 de maio de 2020, pela morte de George Floyd (Crédito: Geoff Livingston/Flickr)

Além disso, Biden menciona a sensível questão das armas de fogo, continuando sua batalha contra o tráfico e as chamadas “armas fantasmas”. O democrata também suplica ao Congresso que aprove medidas restritivas ao processo da compra de armas de fogo (como a verificação universal de antecedentes criminais), que armas de alta capacidade sejam banidas e que fabricantes de armas possam ser processados na Justiça. Essas medidas, destaca Biden, não infringem os direitos de armamento popular garantidos pela Segunda Emenda Constitucional, que é o principal argumento usado pelos lobistas e defensores do porte e da posse de armas.

Sobre os direitos eleitorais, Biden expressa sua aversão às diversas leis aprovadas ao longo de 2021, as quais impõem restrições ao processo de voto no país, assim como às tentativas de subverter os resultados das eleições de 2020. Ele pede ao Senado que aprove projetos de lei como o Disclose Act, que busca mais transparência ao processo de financiamento de eleições, o Freedom to Vote Act e o John Lewis Act. Apesar de terem sido bloqueados na Câmara de Representantes por meio do processo do filibuster, estes dois últimos continuam a tramitar na forma de um projeto revisado, agora com o nome de Freedom to Vote: John Lewis Act. Biden escolhe esse momento para agradecer aos serviços do juiz da Suprema Corte Stephen Breyer, que havia anunciado há pouco sua aposentadoria, e demonstrar apoio à juíza Ketanji Brown Jackson, escolhida pelo governante para ocupar o cargo vago. O presidente comenta que a indicação recebeu apoio de juízes democratas e republicanos, antecipando-se às possíveis acusações de partidarismo à decisão. Aprovada pelo Senado, Ketanji fez história, ao se tornar a primeira juíza negra da mais alta instância jurídica do país.

Estabelecendo uma relação entre o sistema jurídico e a questão da imigração, Biden afirma que é possível “consertar” o sistema imigratório e, ao mesmo tempo, defender a fronteira do país com o México. Ele descreve como o investimento em novas tecnologias e em patrulhamento permitem a melhor detecção de drogas e do tráfico humano. Também anuncia a nomeação de mais juízes dedicados aos casos de imigrantes e refugiados para agilizar os processos jurídicos, assim como a parceria com países das Américas Central e do Sul para defenderem suas próprias fronteiras. Novamente, é possível ver o esforço de Biden em não parecer partidarista, explicitando a importância tanto da segurança fronteiriça, defendida majoritariamente pelos republicanos, quanto dos direitos de imigrantes e refugiados, pauta de seu próprio partido.

O presidente também relaciona o avanço dos direitos imigratórios com os benefícios econômicos e defende que possibilitar que mais imigrantes temporários e refugiados iniciem o processo de cidadania levará à criação de mais empregos. Nota-se que Biden foi duramente criticado por grupos progressistas no primeiro ano de seu mandato, que o acusavam de não agir o suficiente sobre os problemas imigratórios. Uma crítica recorrente é sua “incapacidade” de encerrar o programa conhecido por Remain in Mexico (“Permaneçam no México”), do governo Donald Trump (2017-2021), que obriga refugiados a aguardarem a aprovação do processo de asilo político no lado sul da fronteira.

O pronunciamento de Biden também inclui menções a diversas questões sociais. O presidente expressa, primeiramente, apoio aos direitos de escolha das mulheres – tomando cuidado para não usar a palavra “aborto” – então “sob ataque”, após uma lei do Texas, promulgada em setembro de 2021, reverter direitos reprodutivos garantidos pelo caso Roe v. Wade, de 1973, inspirando a criação de legislações similares em outros estados. A lei texana foi julgada, novamente, pela Suprema Corte, que enterrou Roe v. Wade em 24 de junho.

Sobre a população LGBTQ+, Biden pede ao Congresso que aprove a Equality Act, projeto de expansão de direitos e proteções a essa comunidade. O texto passou pela Câmara de Representantes, mas ainda não foi aprovado pelo Senado. O democrata denuncia ainda leis que buscam atacar pessoas transgênero, em aparente resposta à ordem executiva assinada pelo governador do Texas, Greg Abbott, que criminaliza pais e responsáveis de jovens trans menores de idade que passam por tratamentos de mudança de gênero, assim como cidadãos que não denunciarem tais práticas. Biden aproveita esta seção para rebater (mais uma vez) o argumento de que seu governo é partidarista, explicitando o fato de que assinou 80 leis bipartidárias em 2021. Entre elas, menciona a conturbada negociação de prevenir o shutdown do governo no final do ano anterior.

Por fim, o presidente expõe um plano de ações sociais que terão prioridade em seu segundo ano de mandato. Primeiramente, propõe o combate à epidemia de opioides, por meio do aumento de fundos para prevenir e tratar o vício às drogas, além da derrubada de leis que proíbem médicos de prescreverem tratamentos de reabilitação. Em segundo lugar, são colocadas as questões de saúde mental, principalmente em relação à população mais jovem, vítima de bullying, da violência e dos danos trazidos pelas redes sociais. Em um maior foco para este último tópico, Biden denuncia “práticas maliciosas” de empresas de tecnologia, defendendo a necessidade de medidas para aumentar a privacidade online e punir a coleta ilegal de dados. Neste ponto, ele menciona a presença da famosa whistleblower do Facebook Frances Haugen que, recentemente, relatou como a plataforma foi usada para promover divisões na Ucrânia.

Em terceiro, o democrata demanda apoio para os veteranos de guerra, manifestando a importância do tratamento de enfermidades físicas e mentais, além da Seguridade Social, para soldados que retornam de expedições no exterior. Biden anuncia, assim, que o Departamento dos Assuntos de Veteranos (VA na sigla em inglês) aumentará os critérios de elegibilidade para tratamento de diferentes tipos de câncer respiratório. O câncer é, enfim, o último tópico informativo de Biden, que reafirma seus planos, anunciados no mês anterior, de relançar o programa Cancer Moonshot, do governo Barack Obama (2009-2017), o qual promete cortar as mortes por câncer no país pela metade nos próximos 25 anos. Com isso, Biden renova seu apelo aos membros do Congresso para que aumentem os fundos da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada para Saúde (ARPA-H, na sigla em inglês), que também é responsável por promover tratamentos e curas para outras doenças.

Críticas de republicanos e democratas

Analisado e verificado por veículos de informação de diferentes posições editoriais, como os veículos Fox News, The Guardian e CNN News, o discurso de Biden provocou reações majoritariamente positivas do público, de acordo com pesquisas da CNN e da NPR/PBS. A primeira emissora ressalta, no entanto, que, historicamente, os efeitos positivos dos discursos anuais de cada presidente não duram muito tempo. Além disso, o pronunciamento do presidente foi alvo de críticas de ambos os lados do espectro político americano.

Responsável pela resposta oficial do Partido Republicano ao discurso, a governadora do estado de Iowa, Kim Reynolds, criticou o governo de Biden pela má gestão da pandemia, afirmando que a obrigatoriedade do uso de máscara enfraqueceu a liderança do país; por sua política externa, reprovando tanto a retirada das tropas do Afeganistão em setembro de 2021, quanto as decisões do presidente que antecederam a invasão da Rússia à Ucrânia; e, principalmente, pela escalada da inflação, atribuída pela republicana aos gastos excessivos do governo. Em relação a essa alegação, um artigo publicado pelo site FiveThirtyEight, especializado em análises de pesquisas, investiga os argumentos procedentes de ambos os lados sobre as causas da inflação, assim como a validade de um e outro.

File:Kim Reynolds (6064600047).jpg - Wikimedia Commons(Arquivo) Kim Reynolds, em evento em Ames, Iowa, em 13 ago. 2011 (Crédito: Gage Skidmore/WikiMedia Commons)

De suas próprias fileiras, as críticas surgiram, entre outros, das representantes (deputadas) Alexandria Ocasio-Cortez (D-NY) e Rashida Tlaib (D-MI), que questionaram o presidente por não abordar assuntos como as dívidas estudantis, a crise no sistema de educação e alguns dos grandes obstáculos ao avanço da pauta migratória deixados de lado pelo líder americano.

De maneira geral, Biden buscou aproveitar o (momentâneo e provisório) capital político e a popularidade conquistados pelo discurso para tentar avançar mais leis bipartidárias, com a incitação de um trabalho em conjunto, conforme prometido por ele ao fim de seu pronunciamento.

 

* Augusto Scapini é pesquisador bolsista de Iniciação Científica do OPEU (INCT-INEU/PIBIC-CNPq) e graduando em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: augusto.scapini@ufrj.br.

Eduardo Mangueira também é pesquisador bolsista de Iniciação Científica do OPEU (INCT-INEU/PIBIC-CNPq) e graduando em Relações Internacionais do mesmo instituto, além de pesquisador voluntário na revista Boletim Geocorrente – Periódico de Geopolítica e Oceanopolítica, da Escola de Guerra Naval (EGN). Contato: eduardo.a.mangueira@gmail.com.

Tatiana Teixeira é editora do OPEU, pesquisadora do NEAI (Ippri/Unesp) e professora colaboradora do IRID/UFRJ. Contato: tatianat19@hotmail.com.

 

** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas Newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.

 

 

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