Brasil

O que esperar das relações Brasil-EUA após as eleições? (V)

O peso das políticas domésticas na relação bilateral. Na imagem de capa, o Capitólio americano, em Washington, D.C. (Crédito: Gareth Milner/Flickr)

Dossiê Relações Brasil-EUA

Por Tatiana Teixeira*

Independentemente de quem vencer as eleições deste 30 de outubro no Brasil, e também em 8 de novembro, nas midterms dos Estados Unidos, a dinâmica das relações bilaterais será bastante tributária, ao Sul e ao Norte, das forças atuantes nas respectivas políticas domésticas – sobretudo no âmbito legislativo. Tanto aqui quanto lá, e em várias áreas, como meio ambiente, os formuladores de política externa poderão ver suas medidas, ações e agendas sob forte pressão de seu Congresso, em um momento delicado para ambos os países. É o que analisam especialistas ouvidos pelo OPEU para este minidossiê sobre as relações entre Brasil e Estados Unidos após as eleições. 

Confira abaixo os principais trechos das entrevistas:

Meio Ambiente sob pressão interna

Pedro Vasques (Arquivo pessoal)

Para Pedro Henrique Vasques, pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU), no caso de reeleição do candidato do PL, presidente Jair Bolsonaro, as relações bilaterais devem permanecer “rarefeitas” e com “baixas expectativas” de desenvolvimento no âmbito ambiental. Isso se daria não apenas porque “o governo de Joe Biden vem sendo obrigado a priorizar outras agendas”, como guerra na Ucrânia, preocupação com a China, política doméstica e eleições de meio de mandato (“midterms”), mas porque “as iniciativas de atuação conjunta propostas pela administração democrata foram, sucessivamente, boicotadas pelo atual presidente brasileiro”.

Com o retorno do ex-presidente Lula, “há a perspectiva de retomada de uma atuação proativa do Brasil no cenário internacional”, envolvendo questões ambientais. Vasques adverte, contudo, que “não se espera uma ampla adesão do país a compromissos”, incluindo climáticos, “diante das prováveis pressões de um Legislativo ainda mais conservador”. Isso significa que “é possível imaginar um estreitamento das relações entre Brasil e EUA no tema ambiental, mas a tendência é que fiquem no plano discursivo”. As ações práticas ocupariam, portanto, uma dimensão lateral nessa dinâmica.

Migração e o impacto da economia

A pesquisadora Isabelle Somma, do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (Nupri-USP), destaca que a questão da imigração de brasileiros, principalmente para os EUA, “está muito ligada à crise atual”. Nesse sentido, o desempenho na área econômica do eleito em 30 de outubro “terá um impacto direto” no fluxo de migrantes em condição ilegal procedentes do Brasil, “muito mais do que qualquer medida em relação às deportações”. E, neste campo, há, segundo ela, diferenças “muito evidentes” entre os candidatos.

PDF) A Partilha da África | Isabelle C Somma de Castro - Academia.edu

Isabelle Somma (Arq. pessoal)

Isabelle lembra que, em 2019, Bolsonaro atendeu a uma solicitação do então presidente Donald Trump e autorizou a deportação, à força, de brasileiros em situação irregular nos EUA. Nos últimos três anos, dezenas de voos foram realizados. Somente nos primeiros seis meses de 2022, houve um recorde de deportados: 2.221, conforme números oficiais, um total maior do que aquele registrado no ano anterior. A medida gerou denúncias de maus-tratos cometidos por autoridades americanas, como uso de algemas nos voos e falta de alimentos e de roupas de frio nos centros de detenção. Apesar da intervenção do Itamaraty, ao solicitar melhorias nas condições, a pesquisadora ressalta que “o governo brasileiro não se pronunciou com veemência sobre a questão”.

Embora não tenha ocorrido situação parecida com os EUA no governo Lula (2003-2010), Isabelle recupera o posicionamento do então presidente em 2008, quando vários brasileiros foram barrados na Espanha. Na época, “Lula afirmou que a medida era eleitoreira e cobrou do governo espanhol que os brasileiros fossem bem tratados”, um indício, nas palavras da pesquisadora, de que “um tom mais contundente em relação às autoridades americanas pode ser esperado em um governo petista”, em caso de recorrência destes episódios.

Políticas domésticas, o dique

Dado o histórico de “proximidade intensa” entre Bolsonaro e Trump, o professor de História e Política da Universidade de Denver (EUA) Rafael Ioris considera “difícil” uma aproximação mais ambiciosa com Biden, “o que não significa rompimento”. O democrata tem, inclusive, trabalhado com o governo Bolsonaro até mais proximamente do que se imaginava. Ainda assim, observa Ioris, “é cada vez maior a preocupação entre os democratas [partido do presidente Biden] com relação aos crescentes ataques a direitos das minorias, aceno ao autoritarismo, erosão das leis trabalhistas e, em especial, intensificação da destruição ambiental”. Algo que poderia, segundo ele, “frear tentativas de estreitar laços bilaterais”.

Embora por motivações diferentes, uma aproximação contida também pode ocorrer em um cenário de maioria republicana no novo Congresso americano, após as eleições de 8 de novembro. Tanto nos EUA quanto no Brasil, nessa configuração, “a tendência será um maior isolamento de cada país em projetos multilaterais, o que confirmaria o cenário mencionado acima”.

Rafael Ioris (Crédito: A Terra é Redonda)

Na hipótese de um retorno de Lula, Rafael tampouco vislumbra um “alinhamento mais profundo”. De novo, as políticas domésticas entram como variável importante a afetar a realidade da política externa. No Brasil, explica o professor e pesquisador, “Lula irá tentar reorganizar a desastrosa política externa de Bolsonaro – e talvez seja esse um dos eixos de ação onde ele possa apresentar mudanças mais rápidas –, teremos um governo de reconstrução nacional, em um país profundamente dividido”. Nesse sentido, surge mais uma camada de dificuldade, já que este também é o clima político nos EUA, que se vê mergulhado em uma polarização dramática entre democratas e republicanos, ou, mais especificamente, trumpistas. Assim, analisa Ioris, “a tendência [de Lula] seria aprofundar a atuação por meios multilaterais e regionais, e não, em especial, bilaterais”, levando em consideração, ainda, “o peso da China, em um contexto de maior polarização entre esta e os EUA”.

Neste panorama, “de dois países com enormes dificuldades internas e, no caso do Brasil, propenso a não assumir rupturas drásticas na sua Política Externa”, o professor Rafael Ioris conclui que “a tendência do relacionamento bilateral é ou de continuidade do mesmo, ou de alterações importantes, mas não dramáticas”.

 

Tatiana Teixeira é editora do OPEU e professora colaboradora do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ).

** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora Tatiana Teixeira, no e-mailtatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas Newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mailtcarlotti@gmail.com.

 

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