Crise humanitária na Ucrânia: EUA entre a ajuda alimentar e o incentivo à guerra
Desabastecimento: prateleiras vazias em supermercado de Kiev, em 28 fev. 2022 (Crédito: palinchak/Depositphotos)
Por Ellen Maria Oliveira Chaves*
Em 2021, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), aproximadamente 800 milhões de pessoas passaram fome no mundo. Em 2022, a Guerra na Ucrânia surgiu como fator que impulsionou uma já existente crise alimentar global, criando um novo empecilho para as cadeias globais de alimentos que ainda buscam superar as consequências das crises climáticas e da pandemia da covid-19, em anos recentes. Essa situação aumentou os preços de alimentos, fertilizantes e combustíveis.
A guerra continua a se arrastar, causando um duro e grave impacto socioeconômico. Segundo o Programa Mundial de Alimentos da ONU (PMA), um terço das famílias ucranianas está passando fome, enquanto em torno de seis milhões de ucranianos, em sua maioria mulheres, crianças e idosos, já fugiram do país em busca de refúgio em países vizinhos, como Polônia, Hungria, Romênia e Belarus. Existem também mais de sete milhões de pessoas que saíram de suas casas e estão deslocadas internamente com medo das consequências da guerra. Desde o início do conflito, o PMA alcançou mais de quatro milhões de pessoas em assistência, seja alimentar, seja em dinheiro.
Em 16 de agosto de 2022, depois de quase seis meses de bloqueio de exportações de alimentos da Ucrânia por causa da Rússia, saiu o primeiro carregamento marítimo de grãos de trigo. O navio com quase 23 milhões de quilos de trigo deixou o Mar negro, pelo Porto de Yuzhny, na Ucrânia. Essa ação não poderia ter acontecido sem o apoio do setor privado e governamental.
Os Estados Unidos tiveram forte presença nas negociações. Atuando por meio da Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (USAID), mais precisamente por meio do Escritório de Assistência Humanitária, forneceram um financiamento adicional ao PMA de US$ 68 milhões para comprar, transportar e armazenar 150.000 toneladas métricas de trigo da Ucrânia para ajudar mitigar as crises alimentares ao redor do mundo. E uma de suas direções foi para o nordeste africano, o ‘‘Chifre da África’’, com o objetivo de ajudar milhares de pessoas que passam fome, devido a uma seca histórica que atinge a região.
De acordo com o PMA, esse arranjo é crucial para a retirada de grãos ucranianos, sua realocação nos mercados globais e nos países mais abalados pela crise alimentar global. Além disso, possibilitará o esvaziamento dos silos de armazenamento de grãos antes da colheita da temporada de verão. Segundo o diretor-executivo do PMA, David Beasley, “abrir os portos do Mar Negro é a coisa mais importante que podemos fazer agora para ajudar os famintos do mundo. Será necessário mais do que navios de grãos para fora da Ucrânia para acabar com a fome no mundo, mas, com os grãos ucranianos de volta aos mercados globais, temos a chance de impedir que essa crise alimentar global suba ainda mais”.
Antes do início do conflito, a Ucrânia era o quarto maior exportador comercial de trigo e o maior fornecedor do grão ao PMA para contribuir nas ajudas humanitárias da instituição.
Ajuda militar é maior do que humanitária
Nesse sentido, o financiamento da ajuda humanitária dos Estados Unidos se mostra como importante recurso para diminuir os impactos de uma guerra que eles mesmos têm incentivado. Desde fevereiro deste ano, início do conflito, a potência já financiou em torno de US$ 7,6 bilhões para diminuir a crise de segurança alimentar ao redor do mundo. Em termos de ajuda militar, porém, o montante de apoio à Ucrânia chega a quase US$ 24 bilhões. Em meio a uma gravíssima crise alimentar, a discrepância entre o montante de um e outro tipo de ajuda não impede, contudo, que se reconheça a ajuda alimentar dos Estados Unidos como imprescindível.
Ainda conforme o PMA, existem números recordes de 345 milhões de pessoas em 82 países passando fome severa. Por isso, mesmo com avanços importantes com a exportação de trigo ucraniano, os esforços para continuar com as embarcações não podem parar. As milhares de toneladas de grãos precisam chegar às pessoas famintas e aos mercados globais. Esse primeiro passo não pode ser o único, já que não é suficiente para solucionar a crise. A comunidade internacional precisa se articular para avançar em soluções a longo prazo. Estas soluções passam, também, pelo reconhecimento do papel dos Estados Unidos em fomentar a guerra na Ucrânia, bem como por seu papel histórico na formação de um sistema agroalimentar internacional que deixa as populações mais pobres vulneráveis à importação de alimentos básicos que precisam atravessar longas distâncias.
* Ellen Maria Oliveira Chaves é graduanda de Relações Internacionais na Universidade Federal da Paraíba (CRI/UFPB), membro do grupo de pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da UFPB e bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU. Contato: ellen.oliveira.chaves@gmail.com.
** Edição e revisão: Tatiana Teixeira. Recebido em 18 set. 2022. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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