Débora Prado ao Opeu: ‘Kamala será cobrada por pautas invisibilizadas no governo, como migração’
Por Diana Obermuller*
Mestre em Relações Internacionais pelo Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (Unesp, Unicamp e PUC-SP) e doutora em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Débora Prado tem uma contribuição acadêmica em temas como Governos Subnacionais e Gênero, com concentração nos Estados Unidos e no Brasil.
É professora do Instituto de Economia da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais (PPGRI/UFU). Também é pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT/INEU) e coordenadora do Grupo de Estudos sobre Gênero e Relações Internacionais (GENERI UFU).
Além disso, é uma das apresentadoras do podcast Chutando a Escada, um dos mais ouvidos da podosfera sobre temas de Política Internacional e Nacional.
Nesta conversa com OPEU Entrevista, Débora relembra sua trajetória acadêmica, discorre sobre a agenda de igualdade de gênero e de direitos das minorias no governo do democrata Joe Biden e nos conta sobre seus projetos atuais.
OPEU: Você tem uma trajetória acadêmica na área de Relações Internacionais que passa pelo campo de Estudos sobre os Estados Unidos e pelos temas de Governos subnacionais, Migração e Gênero. Pode nos contar como foi a construção desse caminho e como chegou a esses temas?
Sempre me interessei pelos estudos envolvendo a atuação internacional de governos subnacionais. Tenho buscado avançar nesta agenda de pesquisa com foco para o caso brasileiro e norte-americano. Em um primeiro momento, a pesquisa esteve voltada para analisar como este tipo de atuação ocorre de forma colaborativa. Com o estudo sobre a situação nos Estados Unidos, foi possível identificar o movimento de resistência subnacional e as tensões com o governo federal. A partir daí, comecei a analisar a agenda de migração e de meio ambiente com destaque para a atuação nos Estados Unidos. Neste período mais recente, observamos como este tipo de tensão também ocorre no Brasil, durante o governo Bolsonaro (2019-). Os paralelos entre as ações subnacionais no Brasil de (Jair) Bolsonaro e nos Estados Unidos de (Donald) Trump são muitos. Esta tem sido minha agenda de pesquisa atual. Tenho buscado também aprender mais com a agenda de feminismos, gênero e sexualidades no campo das Relações Internacionais. Eu e a professora Lara Selis formamos um Grupo de Estudos sobre Gênero na UFU e, tendo este projeto como base, tenho buscado aprender mais sobre esta agenda.
OPEU: Que projetos estão em curso no momento? Alguma parceria institucional?
No âmbito do INCT-INEU, tenho desenvolvido as pesquisas envolvendo a atuação de governadores nos Estados Unidos e venho buscando fortalecer uma rede de estudos e pesquisas para estudar o caso brasileiro. Na agenda de gênero, me inseri na Área Temática de Gênero no âmbito da Associação Brasileira de Relações Internacionais (ABRI) e espero aprender muito com as/os colegas que estudam este tema há bastante tempo. Recentemente, eu e a profª Lara Selis fizemos uma parceria com a Friedrich-Ebert-Stiftung Brasil: FES Brasil para estudar a agenda da política externa brasileira sobre gênero com a publicação de um artigo sobre o tema. A pesquisa foi debatida em live realizada no dia 30/11/21.
OPEU: Com a eleição de Joe Biden e Kamala Harris, havia a expectativa de uma agenda progressista em relação à igualdade de gênero e à defesa dos direitos das minorias. Houve avanços na agenda? Como tem sido a atuação da Kamala Harris nessas pautas?
A entrada da Kamala na chapa democrata veio como uma resposta do partido às demandas da luta antirracista e da necessidade de incorporar a agenda dos direitos das mulheres na campanha presidencial. A vitória da chapa Biden/Kamala foi muito comemorada. A imprensa reforçou bastante como a chegada dela poderia ser um ponto de inflexão importante por ela ser a primeira vice-presidente mulher e negra no país. Apesar disto, a posição de vice-presidente nos Estados Unidos é limitada. Então, acredito que as expectativas com a chegada da Kamala foram superestimadas pela imprensa, sem considerar os limites que ela tem para atuar no cargo. Até o momento, ela não tem se engajado na agenda envolvendo migração, gênero e direitos humanos, de modo geral. Nos últimos meses, as notícias vinculadas na imprensa têm sido muito críticas com relação ao posicionamento de Biden e Kamala, sobretudo, com as denúncias de violações de direitos de imigrantes que vieram à tona no país. A conduta dela envolvendo a crise migratória foi bem restrita, e ela não buscou um posicionamento mais claro a este respeito. É cedo para afirmar qual é o peso destas críticas para uma possível indicação de Kamala para as próximas eleições presidenciais. Mas, é certo que ela enfrentará críticas sobre como tais pautas vêm sendo invisibilizadas nesta gestão.
A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, em evento promovido pelo Center for the American Progress Action Fund e SEIU, em Las Vegas, Nevada, em 27 abr. 2019 (Fonte: Gage Skidmore/Flickr)
OPEU: Além de professora (UFU) e pesquisadora (INCT-INEU), você é uma das apresentadoras do podcast Chutando a Escada, um dos mais bem-sucedidos e ouvidos sobre Política Internacional que nós temos hoje no Brasil. Como tem sido essa experiência de difusão científica e o que ela tem de diferente da sala de aula?
Tem sido uma experiência incrível! Estou muito feliz por fazer parte deste projeto que alcança outros espaços para além da academia. A divulgação científica é um pilar muito importante ainda mais neste momento. Eu e Carolina Pavese entramos no podcast a convite dos colegas Geraldo Zahran e Filipe Mendonça e tem sido uma caminhada cheia de aprendizados. Desde a chegada ao programa, meu interesse na agenda de gênero cresceu muito com os debates que trocamos ao longo dos episódios sobre este tema. Estamos, inclusive, finalizando o projeto de produção de um livro com a publicação de alguns destes episódios sobre gênero.
OPEU: O ingresso de vocês duas no podcast estava previsto desde o início do projeto, ou houve uma demanda por parte das ouvintes? Que assuntos vocês perceberam que fizeram mais sentido serem abordados?
Nossa parceria cresceu com as participações nos episódios em que fomos convidadas, e nosso interesse pela podosfera foi acompanhando este processo. Acredito que a nossa chegada contribuiu para diversificar algumas pautas e agendas importantes com destaque para a agenda sobre feminismos, gênero e sexualidade. Gravamos episódios sobre outros temas também, mas as entrevistas sobre esta agenda são encabeçadas por nós. Isto não significa que entramos no Chutando apenas para falar sobre esta temática. E temos feito um esforço conjunto e frequente para dar visibilidade a um número cada vez maior e diverso de pesquisadoras e pesquisadores brasileiros.
OPEU: Quais são os maiores desafios para pesquisadoras e pesquisadores no campo de Estudos sobre os Estados Unidos e Gênero?
Temos vivido tempos difíceis para o desenvolvimento da ciência no país. Além dos cortes orçamentários, as universidades vêm sofrendo ataques sistemáticos que prejudicam o avanço de pesquisas relevantes para o desenvolvimento do nosso país.
OPEU: Algum conselho para os jovens pesquisadores em formação com interesse na área? E o que é essencial para seguir a carreira acadêmica?
Nossa! Temos enfrentado tantos desafios que meu desejo é que os/as jovens pesquisadores/as em formação hoje não desistam. Se possível, busquem participar de grupos de estudos e pesquisas, porque este processo não precisa ser tão solitário. O essencial é manter a paixão pela pesquisa, a vontade de aprender, buscando sempre cuidar da saúde mental.
* Diana Obermuller é pesquisadora júnior do OPEU, ex-bolsista de Iniciação Científica do INCT-INEU/PIBIC-CNPq e graduanda em Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: dianaobermuller@gmail.com.
** Edição e revisão: Tatiana Teixeira. Recebido em 3 dez. 2021. Esta entrevista não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
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