Internacional

Por que guerra?

Presidente Vladimir Putin e seu ministro da Defesa, Serguei Shoigu (Crédito: Presidential Press and Information Office/Wikimedia Commons)

Porque estão em jogo interesses econômicos, busca por mais poder e preconceitos culturais, por eles considerados inconciliáveis e inegociáveis

Por Williams Gonçalves*

Guerras sempre provocam calamidades humanitárias e destruição material. Apesar de estarmos todos fartos de saber disso, elas continuam a se repetir. Uma hora acontece na Iugoslávia, no Iraque, no Afeganistão, outra hora acontece na Ucrânia. São vidas ceifadas, famílias desestruturadas pelo fogo inimigo e pela fuga, e bens perdidos e destruídos.

Mas, se assim é, por que os governantes não passam a resolver suas desavenças por meio do pacífico diálogo diplomático, evitando tanta dor e tantas perdas? A resposta é: porque estão em jogo interesses econômicos, busca por mais poder e preconceitos culturais, por eles considerados inconciliáveis e inegociáveis. A questão não se resume, portanto, a uma simplória luta do bem contra o mal. As guerras concernem a questões complexas, cujo entendimento exigem o estudo da história de suas origens.

As causas recentes do conflito russo-ucraniano remetem ao início dos anos 1990, quando da derrubada do Muro de Berlim (novembro/1989) e da dissolução da União Soviética (dezembro/1991). Nesse contexto de extinção do comunismo por detrás da Cortina de Ferro, deu-se também o fim do Pacto de Varsóvia (março/1991), a organização militar criada em 1955 pela URSS e pelos demais países comunistas.

O emprego de um pensamento linear levaria à conclusão de que o fim do comunismo na Europa Oriental e de seu pacto militar determinaria a dissolução do Tratado do Atlântico Norte-OTAN. Visto que a OTAN fora criada em 1949 para os Estados Unidos e seus aliados europeus protegerem a Europa Ocidental de uma eventual invasão militar comunista comandada pela URSS, com o perecimento do suposto agressor, deixaria de fazer sentido a manutenção de uma estrutura de defesa.

A pergunta óbvia que ficou no ar foi: defender-se de qual inimigo, se todos os países que integravam o bloco comunista europeu, inclusive a Rússia, passaram a se organizar como países capitalistas? A pergunta pode parecer ingênua, mas ela incomodou os responsáveis pelas políticas de defesa dos Estados Unidos e da Europa. Os norte-americanos ficaram preocupados com a possibilidade de extinguir a OTAN, porque teriam que fechar suas bases militares e se retirar da Europa. Os europeus, por sua vez, ficaram preocupados, porque consideravam que os Estados Unidos os protegiam uns dos outros, especialmente de um possível revanchismo alemão.

Para superar esses medos, todos decidiram manter a OTAN. Não podendo mais justificar a existência da aliança militar para se proteger dos países comunistas, logo encontraram novas justificativas: proliferação nuclear; terrorismo; tráfico de armas, de drogas e de seres humanos; escassez de água e necessidades energéticas; guerra eletrônica e tecnologias que impedem acesso ao espaço.

Além de mudar os objetivos para justificar a manutenção da estrutura militar, que a esta altura já não podia mais ser considerada defensiva, o comando da organização foi incorporando países ex-comunistas da Europa Oriental, comprometendo-os com os objetivos, equipando-os com armamentos tecnologicamente avançados e instalando bases militares em seus territórios.

Enquanto a Rússia foi governada por Boris Iéltsin, um presidente ligado aos EUA, o processo persistiu. Quando o nacionalista Vladimir Putin o substituiu, os russos passaram a perceber o processo de outro modo. Para Putin, estava nítida a intenção da OTAN de cercar a Rússia com armamentos e bases militares. Seria uma forma de segregar a Rússia e impedi-la de cooperar com europeus ocidentais, como a Alemanha, para a qual a Rússia vende grandes quantidades de gás.

Apesar dos protestos, o processo avançou. Para Putin, a intenção de incluir a Ucrânia na OTAN seria a gota d’água, porque a OTAN chegaria à sua fronteira. No passado, a Rússia foi invadida pela França de Napoleão Bonaparte e pela Alemanha de Adolf Hitler. Disposto a não permitir a repetição desses ataques, a Rússia contra-atacou.

 

Williams Gonçalves é doutor em Sociologia e professor de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e do Programa de Pós-Graduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (PPGEM-EGN). Também é pesquisador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre Estados Unidos (INCT-INEU).

** Publicado originalmente na seção de Opinião do Jornal O DIA, em 10 mar. 2022. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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