MIT e Fed Boston trabalham na criação de moeda digital vinculada ao Banco Central dos EUA
Fonte: MIT News/StockImage
Por Ingrid Marra*
A equipe técnica do Massachusetts Institute of Technology (MIT) e o Banco Central de Boston trabalham juntos em um projeto sobre a viabilidade e o desempenho de uma possível moeda digital vinculada ao Federal Reserve (Fed, o Banco Central estadunidense). Intitulada Project Hamilton, esta investigação ainda se encontra em processo de testes e não foi desenhada para a utilização do público. Na etapa atual, os pesquisadores verificam a possibilidade de seu uso no processamento de transações bancárias.
Até o momento, foram testados grandes volumes transacionais, além da (in)vulnerabilidade do sistema, com a medição de sua funcionalidade em uma economia de escala como a dos Estados Unidos. Dentre seus resultados preliminares, foram desenvolvidos dois códigos-base para o programa de software chamado OpenCBDC. Um deles foi capaz de realizar 1,7 milhão de transações por segundo – e 99% dessas transações foram finalizadas em menos de um segundo –, e o outro, 170.000 transações por segundo. Esses dados são importantes, especialmente para transações entre máquinas, vitais para o funcionamento de uma moeda digital vinculada a um banco central.
Esses números foram publicados no início de fevereiro pelo MIT Media Lab no documento “A High Performance Payment Processing System Designed for Central Bank Digital Currencies” (“Sistema de Processamento de Pagamentos de Alta Performance Desenhado para Moedas Digitais Vinculadas a Bancos Centrais”, em tradução livre). O texto apresenta os principais desafios técnicos e as oportunidades do projeto.
Moedas digitais vinculadas a bancos centrais e políticas econômicas
Ainda que muitos países estejam abertos à inclusão de moedas digitais vinculadas a bancos centrais, a questão segue em debate nos Estados Unidos. Isso significa que não haverá lançamento de tais ativos, enquanto não forem aprovados pelas agências regulatórias do governo e pelo Congresso.
Um exemplo da política conservadora do Congresso em relação a moedas digitais – especialmente se lastreadas em dólar – é a antiga Libra, hoje chamada Diem, criptomoeda da rede social Meta, antigo Facebook. Embora diversos estudos e audiências públicas tenham sido realizados para garantir que a carteira digital e o ativo respeitassem leis e organismos regulatórios (como o FINMA, agência regulatória financeira suíça), o projeto não foi aprovado pelo Fed, e a Diem foi vendida para a Silvergate Capital Corporation, um banco especializado em ativos digitais. O projeto acabou sendo abortado.
Neha Narula, diretora da Digital Currency Initiative (ligada ao MIT Media Lab), é doutora em Ciência Computacional por este prestigioso instituto e uma das líderes do projeto. Segundo ela, esse empreendimento também é importante como uma forma de explorar e experimentar diferentes funcionalidades e designs técnicos antes que esses projetos avancem para etapas de avaliação por parte dos formuladores de políticas.
Em junho de 2021, Narula enviou um depoimento escrito ao Subcomitê de Política Econômica, vinculado ao Comitê de Bancos, Habitação e Assuntos Urbanos do Senado. No documento, a pesquisadora expôs as principais oportunidades do lançamento de uma moeda digital vinculada ao banco central e explicou como explorar o ativo de maneira internacional. Também apresentou algumas arquiteturas de implementação do sistema e as mudanças em relação a medidas de segurança em sistemas bancários tradicionais e em sistemas bancários digitais.
Embora o Federal Reserve tenha liberado um formulário digital para garantir a participação da população na discussão sobre moedas digitais, ainda não há perspectiva de apoio formal, ou de incentivo, por parte do governo, para o andamento de iniciativas como o Project Hamilton. Entusiastas de moedas digitais acreditam que este é o futuro do dinheiro, mas, sem apoio dos Estados Unidos e considerando-se sua (ainda) centralidade no sistema monetário e financeiro internacional, a pergunta fica em aberto: futuro para quem, ou para atender a quais interesses?
Impactos e riscos da iniciativa
As criptomoedas vinculadas a bancos centrais não desafiam os sistemas bancários tradicionais, nem o Estado que as emite, já que servem como mais um meio de pagamento disponível para a população dentro de suas fronteiras. Como já mencionado, as transações em blockchain das criptomoedas têm capacidade de diminuição de gastos transacionais e de tempo de processamento por cada transação, sendo um facilitador para altos volumes de transações.
O histórico da relação das criptomoedas não-estatais descentralizadas com financiamento de atividades ilícitas – como a chamada Silk Road, entre 2011 e 2013 – também faz as instituições políticas dos Estados pedirem maior cautela nas discussões sobre a potencial adoção desse tipo de projeto. O criador da plataforma, Ross Ulbricht, ganhou mais de 600.000 bitcoins em forma de comissão pelas vendas da Silk Road, movimentando um total de US$ 9,5 milhões. Além disso, em 2020, foi apreendida uma quantidade de bitcoins equivalente a US$ 1 bilhão, quantia que havia sido roubada por um hacker entre 2012 e 2013. Em fevereiro deste ano, autoridades estadunidenses conseguiram apreender a maior quantia de criptomoedas roubadas na história, valor que ultrapassa US$ 5 bilhões.
Fica evidente que as tecnologias de blockchain e de criptografia ainda estão distantes dos modelos ideais de segurança financeira e de dados. Nesse sentido, ainda que as moedas digitais possam representar grandes avanços em tecnologia financeira, é longo o caminho a ser percorrido até que propostas envolvendo esta tecnologia saiam do papel.
* Ingrid Marra é pesquisadora voluntária do OPEU, graduada pelo curso de Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa da UFRJ (IRID/UFRJ) e integrante do Laboratório Orti Oricellari de Economia Política Internacional, onde pesquisa moeda enquanto instrumento de pressão política em países não-alinhados à hegemonia estadunidense, hierarquia monetária internacional e criptomoedas. Participa, desde 2020, do Grupo de Estudos em Neurociências da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Contato: LinkedIn.
** Revisão e edição final: Tatiana Teixeira. Recebido em 9 mar. 2022. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
*** Sobre o OPEU, ou para contribuir com artigos, entrar em contato com a editora Tatiana Teixeira, no e-mail: tatianat19@hotmail.com. Sobre as nossas newsletters, para atendimento à imprensa, ou outros assuntos, entrar em contato com Tatiana Carlotti, no e-mail: tcarlotti@gmail.com.
Assine nossa Newsletter e receba o conteúdo do OPEU por e-mail.
Siga o OPEU no Instagram, Twitter, Flipboard, LinkedIn e Facebook e acompanhe nossas postagens diárias.
Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.
Somos um observatório de pesquisa sobre os EUA, com conteúdo semanal e gratuito, sem fins lucrativos.