China e Rússia

China na Grande Estratégia dos EUA sob Obama e Trump (2009-2020)

Crédito: Evan Vucci/Associated Press)

Por Rúbia Marcussi Pontes*

A política dos Estados Unidos para a China tem sido objeto de estudo amplamente discutido, especialmente a partir dos governos de Barack Obama (2009-2016) e Donald Trump (2017-2020). Nesse contexto, o artigo “Barack Obama e Donald Trump: a China na Grande Estratégia dos Estados Unidos (2009-2020)” parte da discussão sobre Grande Estratégia, entendida como as coordenadas gerais que pautam a atuação de um Estado no sistema internacional, assim como de sua composição por políticas setoriais, sendo a política dos EUA para a China compreendida nesse marco.

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O artigo busca discutir quais foram os principais elementos históricos dessa política e defende a tese de que há, tanto no governo Obama quanto Trump, o fortalecimento da visão e do apoio bipartidário às medidas mais duras para com a China, com mudança de meios – mas não de fins – sob Trump.

O debate sobre Grande Estratégia

Antes de adentrar na análise da política dos EUA para a China propriamente dita, o artigo discute as origens militares do conceito de Grande Estratégia e a operacionalização de seu estudo por meio de políticas setoriais. Nesse ponto, o artigo se fundamenta, especialmente, no entendimento de Velasco e Cruz: “como as orientações gerais que pautam a conduta de um Estado, em sua relação com o mundo”. Aqui, é importante marcar que estas são coordenadas mais ou menos gerais, dado o elemento da intencionalidade como parte integrante da ação estratégica, mas que não são compreendidas como resultantes de planos milimetricamente calculados. Além disso, essas coordenadas são, sempre, fruto de uma assimetria de poder entre os atores, com alguns sendo privilegiados, enquanto outros são marginalizados em determinados momentos.

Tais orientações gerais são realizadas com base em políticas particulares, cuja análise deve ser sempre realizada em relação ao marco geral, no sentido de buscar a compatibilização e a integração de políticas que são funcional e espacialmente diferenciadas, mas também partes cruciais de uma Grande Estratégia. Os elementos da intencionalidade e do entrechoque de ideias e de interesses do processo político não são abandonados nessa perspectiva. Na realidade, tais categorias possibilitam o olhar focalizado para o processo de formulação e de implementação de uma política particular, sem perder do horizonte as coordenadas gerais que pautam a conduta de um Estado no sistema internacional, bem como suas transformações, ao longo do tempo.

Tal quadro de análise é essencial para o estudo da Grande Estratégia, no sentido de que ela não é um plano formulado e seguido à risca pelos dirigentes de um Estado. Ela é mais bem compreendida como coordenadas gerais que pautam as relações estatais, partindo de políticas particulares. O trato da conjuntura é essencial em qualquer governo, mas os acontecimentos conjunturais também estão inseridos em uma cadeia de acontecimentos, na qual os atores se posicionam e se reposicionam de forma constante, em uma lógica de ação estratégica.

China na Grande Estratégia dos EUA

É com tais elementos em mente que o artigo se debruça sobre os grandes marcos da Grande Estratégia dos EUA e, mais especificamente, como a China se insere nela como uma política setorial, sendo reproduzida com o passar do tempo, e sofrendo mudanças, de acordo com interesses e objetivos impressos à Grande Estratégia dos EUA. Nesse sentido, destaca-se a Estratégia de Contenção do socialismo e de isolamento da China, nos anos 1950, e o subsequente desgaste de tal política e sua substituição pelo engajamento da China ao sistema internacional, nos anos 1970 e 1980, esta conhecida como a “era de ouro” das relações bilaterais, seguida por momentos importantes nos anos 1990, como as negociações para a entrada da China na Organização Mundial do Comércio (OMC) e a concessão do status de relações comerciais normais permanentes entre EUA e China, em setembro de 2000, até sua entrada formal na referida instituição multilateral, em 2001.

Nos anos 2000, a China é crescentemente vista como o novo desafio econômico e estratégico dos EUA, com a administração do republicano George W. Bush passando a perseguir uma estrutura de segurança regional na Ásia. Seu principal objetivo era conter a China, de forma a impedir que ela se tornasse uma potência regional dominante. Sob Obama, o artigo discute como houve uma tentativa de reconstrução das bases do poderio doméstico americano em consonância com a sobreposição de prioridades na política externa.

Em relação à China, uma política multifacetada se mostrava necessária. É nesse contexto que uma nova estratégia é delineada pela administração Obama, que tentou equacionar as diferentes perspectivas sobre como lidar com a China, ao longo de 2010, com o chamado pivô para a Ásia. Havia um esforço de reavaliação e redirecionamento da Grande Estratégia estadunidense, pois o terrorismo não era a única ameaça ao Estado.

O pivô seria, assim, a transição geopolítica das estratégias dos EUA pós-11 de Setembro para um futuro pacífico, com uma “abordagem ambígua entre cooperação e contenção, cumprimentos e punhais, orientada, por um lado, pela formação de uma ‘malha de contenção’ entre diferentes nações asiáticas em bloco, pelo envio de tropas estadunidenses para a região e pelo trabalho, a partir de fóruns multilaterais, para a resolução de conflitos territoriais e de soberania, para também forçar políticas comerciais favoráveis aos Estados Unidos e a seus parceiros e aliados”, como posto por Gornitz (2020, p. 220). Ainda no contexto do pivô, os EUA articularam a Parceria Transpacífico (TPP, na sigla em inglês), buscando reforçar seus laços comerciais na Ásia por meio de um mecanismo multilateral.

Tais elementos são importantes para se compreender como a China foi, nesse período, essencial na Grande Estratégia dos EUA. Obama buscou recuperar o ritmo de crescimento econômico e reconstruir os fundamentos domésticos do poder estadunidense, em um panorama em que os EUA não diminuíram sua atuação no sistema internacional. Pelo contrário, a administração Obama é marcada por um evidente esforço de resgate da presença estadunidense na Ásia, de forma geral, mas, principalmente, como forma de conter a presença chinesa e de assegurar a segurança dos aliados estadunidenses na região.

Nesse contexto, Donald Trump assumiu a Presidência, em janeiro de 2017, com um discurso de preservação da proeminência estadunidense e de implementação de uma política mais dura em relação à China. Entre outras acusações levantadas contra Pequim, estavam manipulação cambial, roubo de propriedade intelectual e comércio desleal para com os EUA. Desde então, Trump buscou evidenciar que o pivô para a Ásia havia sido uma característica da administração Obama e que sua gestão formularia sua própria agenda para lidar com a China. Isso se cristalizou na saída dos EUA do TPP, ainda em 2017, e na guerra comercial com a China. Foi somente em outubro de 2019 que o presidente Trump anunciou a intenção de empreender maiores esforços conjuntos para um acordo comercial com a China e a retirada do país da classificação de manipulador cambial.

A assinatura da primeira fase do acordo comercial, firmado entre EUA e China, deu-se apenas em 15 de janeiro de 2020. Dividido em oito capítulos, o documento trata de temas como propriedade intelectual, transferência de tecnologia e comércio de produtos agrícolas, com destaque para o compromisso chinês de aumentar, em pelo menos US$ 200 bilhões, a importação de bens agrícolas e manufaturados dos EUA, até 31 de dezembro de 2021.

Tal documento pode ser entendido como uma vitória do estilo de negociação trumpista, mas os efeitos das tarifas e do próprio acordo não parecem ter alcançado, com sucesso, as promessas de campanha de Donald Trump. As tarifas podem ter impactado na diminuição do déficit comercial dos EUA com a China em 2019, mas seu efeito foi de curto prazo. Além disso, tal estratégia não contribuiu para o fortalecimento dos empregos no setor industrial nos EUA.

Questões estruturais permanecem, portanto, como apontado pelo professor Eduardo Mariutti (IE/Unicamp): “a redução do ‘emprego industrial’ não decorre da imigração, ou do comércio internacional, mas, sobretudo, da automação e de um processo de transnacionalização da produção colocado em marcha na década de 1970”. Assim, o principal desafio contemporâneo de Washington seria o de preservar a relação entre a busca da superioridade militar e sua liderança no setor de alta tecnologia, o que depende, em grande medida, da supremacia do dólar como principal moeda de transação internacional.

Nesse sentido, John Mearsheimer afirma que pouco pode ser feito para resgatar a ordem internacional liberal que pautou as últimas décadas e que os EUA estariam travando uma verdadeira guerra hegemônica, enquanto ainda estão em condição de competir com a China. Logo, avalia o autor americano, “as duras medidas econômicas da administração Trump, em relação à China, são apenas o começo do que promete ser uma intensa e longa competição entre as ordens lideradas pelos EUA e pela China”.

Persistência da competição estratégica entre EUA e China

O documento de maio de 2020, que delineia a estratégia dos EUA para lidar com a China, reforça tal entendimento. Intitulado United States Strategic Approach to the People’s Republic of China, a peça ressalta o caráter competitivo da relação bilateral e retoma as orientações da Estratégia de Nacional de Segurança de 2017. A estratégia competitiva dos EUA estaria baseada, segundo o documento, no fortalecimento das instituições domésticas e das parcerias e alianças para lidar com o desafio chinês e na busca pela mudança de práticas de Pequim, consideradas nocivas e desleais em relação aos interesses estadunidenses.

Nesse sentido, o relatório destaca os esforços domésticos de investigação e de combate, principalmente por parte do Escritório do Representante de Comércio dos EUA (USTR, na sigla em inglês), a ações como transferência de tecnologia de empresas dos EUA para contrapartes chinesas, desrespeito à propriedade intelectual e baixa reciprocidade nas relações bilaterais. O fortalecimento do Comitê de Investimento Estrangeiro nos Estados Unidos (CFIUS, na sigla em inglês), grupo interagência, também é ressaltado, principalmente a partir do aumento do seu poder regulatório com a Foreign Investment Risk Review Modernization Act (“Lei de Modernização da Revisão de Risco de Investimento Estrangeiro”, ou FIRRMA, também na sigla em inglês), de 2018, em um contexto de revisão de acordos e de aumento dos mecanismos de controle de exportações para a China. Por fim, vale mencionar como a Iniciativa do Cinturão e Rota aparece, no documento, como um termo guarda-chuva. Nele, inclui-se uma diversidade de iniciativas chinesas, as quais privilegiam o uso e a expansão de padrões industriais chineses em setores-chave, principalmente tecnológicos, contra os quais os EUA agora garantem que não deixarão de combater no futuro mais imediato, assim como node longo prazo.

Como discutido, Washington buscou endurecer sua política para a China e atuar de uma posição de força, como apresentado em diversos documentos da administração Trump. Os resultados das decisões são, no entanto, sempre dependentes de relações de poder, tanto na esfera doméstica, quanto na internacional. E é nesse sentido que as análises precisam levar em consideração não somente a conjuntura, mas também um olhar sob uma perspectiva histórica e a dinâmica e as correspondências entre o setorial e o global, conforme proposto pelo artigo.

 

* Rúbia Marcussi Pontes é doutoranda e mestra em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Professora de Relações Internacionais das Faculdades de Campinas (FACAMP) e Pesquisadora do INCT-INEU. Contato: rubiamarcussi@gmail.com.

** A versão integral deste artigo foi publicada na Revista Estudos Internacionais. Recebido em 2 fev. 2022 e publicado com revisão e edição final de Tatiana Teixeira. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

*** Para mais informações e outras solicitações, favor entrar em contato com a assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti, tcarlotti@gmail.com.

 

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