América Latina

60 anos do bloqueio econômico a Cuba

Pessoas esperam para serem vacinadas com o imunizante de fabricação cubana Abdala, em um consultório decorado com a imagem do comandante Fidel Castro e uma bandeira nacional, no bairro Alamar, em Havana, em 14 maio 2021 (Crédito: Ramon Espinosa/AP)

Por Marcos Cordeiro Pires e Thaís Caroline Lacerda, do Latino Observatory

No dia 7 de fevereiro de 2022, completaram-se 60 anos do bloqueio (ou embargo) econômico imposto pelo governo dos Estados Unidos à República de Cuba. Em 7 de fevereiro de1962, o presidente John Kennedy impôs um embargo econômico que proibia todo comércio com a Ilha. Considerando-se que, historicamente, os Estados Unidos, que estão distantes a apenas 150 km, sempre foram o principal parceiro comercial do país, o embargo econômico foi um profundo golpe contra Cuba. Estima-se que o bloqueio deu um prejuízo de US$ 130 bilhões nos 60 anos em que está vigente, segundo estimativas do governo cubano e das Nações Unidas. Naquela época, a medida dos Estados Unidos levou o governo cubano a se aproximar da União Soviética, cujo relacionamento, que terminou em 1991 com o desmoronamento da URSS, não conseguiu compensar a perda do mercado estadunidense.

Ao longo das últimas décadas, o governo de Washington impôs uma série de sanções contra o governo de Havana. Em março de 1982, o governo de Ronald Reagan rotulou Cuba como patrocinadora do terrorismo por apoiar movimentos de libertação nacional na África e na América Latina. Em 1992, após o colapso da URSS, o presidente George H.W. Bush assinou a “Lei da Democracia Cubana”, que aumentou as sanções econômicas dos EUA a Cuba. Dentre elas, uma lei proibia navios que trocaram mercadorias com Cuba nos últimos 180 dias de atracarem nos portos dos EUA. Também vetou subsidiárias estrangeiras de empresas americanas de negociarem com Cuba e ainda limitou a quantidade de moeda americana que poderia ser negociada com o país. Naquele momento, esperava-se que a nova rodada de sanções levaria ao colapso do governo cubano, o que de fato não ocorreu.

Em março de 1996, foi editada a “Lei Helms-Burton”, que apertou ainda mais o bloqueio ao penalizar as empresas estrangeiras que negociassem com Cuba, fato que provocou críticas de aliados dos EUA, notadamente da Europa, acusando a lei como uma forma de violação do Direito Internacional. Geralmente, o objetivo dos Estados Unidos era derrubar o governo socialista da Ilha e de instituir um regime “liberal-democrático”.

 

Wiliam Clinton firma la Ley Herms Burton

Presidente Bill Clinton sanciona lei Helms-Burton, em 12 mar. 1996 (Crédito: Richard Ellis/AFP/Getty)

Um movimento de détente ocorreu em dezembro de 2014, quando os presidentes Barack Obama e Raúl Castro anunciaram o restabelecimento dos laços diplomáticos completos após a troca de um oficial de Inteligência estadunidense, detido em Cuba, por três prisioneiros cubanos nos EUA. A troca ocorreu após longas negociações secretas intermediadas, em parte, pelo papa Francisco. Em junho de 2015, ocorreu a abertura das embaixadas em Havana e Washington, que estavam fechadas desde 1961. No entanto, o embargo comercial persistiu, pois Obama não teve apoio no Congresso para modificar o status, principalmente por pressões da comunidade de exilados cubanos na Flórida e de seus representantes no Congresso. Ainda assim, Barack Obama visitou a Ilha em 21 de março de 2016. Foi a primeira visita de alto nível de um presidente estadunidense em 90 anos.

A chegada de Donald Trump à Casa Branca, em janeiro de 2017, esfriou a reaproximação entre os países. Ele restabeleceu restrições às viagens de estadunidenses a Cuba e às negociações comerciais que estavam em curso e que haviam sido afrouxadas pelo governo anterior. Dias antes de deixar o cargo, em 11 de janeiro de 2021, Trump novamente incluiu Cuba na lista de países patrocinadores do terrorismo, revertendo outra medida adotada por Obama. O então secretário de Estado americano, Mike Pompeo, acusou Cuba de abrigar fugitivos dos EUA e rebeldes colombianos, bem como de apoiar o regime da Venezuela.

A administração de Joe Biden não mudou significativamente as relações bilaterais. Além de não reverter as medidas de Trump, impôs novas sanções a Cuba após o governo local controlar uma manifestação de dissidentes em julho de 2021. Naquela oportunidade, foram sancionadas autoridades das Forças Armadas Revolucionárias e de outras forças de segurança de Cuba.

Apesar da série de medidas restritivas contra o governo de Havana, o embargo econômico não atingiu seu principal objetivo, qual seja, o de derrubar o governo que surgiu da revolução vitoriosa em 1º de janeiro de 1959, derrubando a ditadura de Fulgência Batista. Não é o caso de discutirmos nesta análise o motivo da resiliência do governo do Partido Comunista Cubano, mas é fato que as sanções dos Estados Unidos sobre a Ilha serviram para galvanizar o apoio da população local ao governo, apesar das diversas privações, particularmente durante a pandemia da covid-19.

Diante deste quadro, cabe a pergunta: por que os Estados Unidos persistem em uma política que não lhe trouxe nenhum resultado palpável em 60 anos, ou seja, por duas gerações? Para responder a esta pergunta, é preciso analisar a própria conformação da política interna dos Estados Unidos para tentar compreender a persistência de uma política fracassada.

Poder de barganha da minoria de cubano-americanos

Atualmente, estimativas indicam que a população de origem cubana nos Estados Unidos é de em torno de 2,31 milhões de pessoas, sendo que o estado da Flórida concentra 1,53 milhão, ou 7,1% da população do estado. No maior condado da Flórida, Miami-Dade, a população de origem latino/hispânica é de 65%, dentre os quais os cubanos representam mais da metade. Este grande peso demográfico da população de origem cubana se deve, em grande parte, às diversas ondas de exilados que deixaram a Ilha desde 1959, quando os rebeldes liderados por Fidel Castro tomaram o poder.

Muitos desses exilados tiveram suas propriedades confiscadas pela revolução socialista, bem como muitas empresas estadunidenses que foram posteriormente nacionalizadas. Desde o episódio conhecido como a Invasão da Baía dos Porcos, em 1961, em que exilados cubanos, apoiados pelo governo dos Estados Unidos, fracassaram em invadir Cuba e derrubar o governo, criou-se um ressentimento muito forte que até hoje alimenta o movimento pela liquidação do regime político cubano. Tal como descrevemos anteriormente, as diversas medidas de embargo a Cuba, desde 1962, têm como principais defensores os grupos de exilados baseados na Flórida que tentam estrangular o país financeiramente.

A organização mais conhecida formada por exilados cubanos é a Fundação Nacional Cubano-Americana (FNCA), criada em 1982 por Jorge Mas Canosa, com o apoio da administração Reagan. De acordo com seu website, a Fundação Nacional Cubano-Americana foi criada “para trabalhar incansavelmente para restaurar a liberdade, a democracia e o respeito aos direitos humanos em Cuba. Convencidos de que as reformas profundas e irreversíveis que a sociedade cubana exige nunca virão do regime de Castro, mas apenas da vontade e do esforço solidário do povo cubano, dentro e fora da ilha, consideramos nossa missão fundamental empoderar a sociedade civil por meio do apoio direto a grupos e lideranças da sociedade civil independente em ações não violentas que promovam a participação cidadã na reivindicação de direitos e liberdades fundamentais e em projetos de ativismo comunitário para favorecer os setores mais carentes e marginalizados da população”.

Além de ações de propaganda e de articulação política, a FNCA se envolveu em atentados terroristas contra as instalações turísticas de Cuba, em 1996, das quais participaram ativamente dois agentes de Inteligências vinculados a outros atentados: Orlando Bosch e Luis Posada Carriles.

As atividades políticas da comunidade de cubanos na Flórida se concentram no entorno do Partido Republicano, organização que adota um discurso mais conservador e anticomunista. De acordo com uma pesquisa do Pew Research Center, divulgada em outubro de 2020, 58% dos eleitores cubanos registrados dizem que se afiliam ou se inclinam para o Partido Republicano, enquanto 38% se identificam com o Partido Democrata. Em contraste, em torno de dois terços dos eleitores hispânicos nos Estados Unidos que não são cubanos (65%) se identificam como democratas, enquanto 32% se afiliam ao Partido Republicano.

Will Cuba Tip Florida to Trump? - The New York TimesEleitores de (Crédito: Alan Diaz/Associated Press)

Atualmente, os senadores Marcos Rubio (R-FL), Ted Cruz (R-TX) e Bob Menendez (D-NJ) estão na linha de frente na organização de medidas mais duras contra o governo de Havana. Em julho de 2021, eles obtiveram um consenso bipartidário para aprovar uma resolução para protestar contra a forma como o governo cubano lidou com manifestantes que foram às ruas de Havana e de outras cidades. Ao anunciar sanções a Cuba, Joe Biden afirmou: “Condeno inequivocamente as detenções em massa e os julgamentos simulados que condenam injustamente à prisão aqueles que ousaram falar em um esforço para intimidar e ameaçar o povo cubano ao silêncio. Este é apenas o começo. Os Estados Unidos continuarão a punir indivíduos responsáveis pela opressão do povo cubano”.

É importante considerar que a adoção de sanções mais duras contra o governo cubano não é um consenso na sociedade americana. Particularmente com relação ao bloqueio econômico, há sérias dúvidas sobre a eficiência da medida em influenciar os rumos políticos em Havana. Uma pesquisa da Florida International University (FIU), de 2020, mostra que “Mais de 70% dos cubano-americanos que vivem no sul da Flórida acreditam que o embargo não funcionou”. Desde o início da pesquisa da FIU Cuba, a maioria dos cubano-americanos no sul da Flórida concorda: o embargo econômico dos EUA a Cuba não funcionou. A pergunta nunca interpreta o que poderia ser considerado um “embargo bem-sucedido”, de modo que cada respondente é livre para avaliar o sucesso/fracasso em seus próprios termos. Este ano não foge à regra. Setenta e um por cento dos entrevistados reconhecem que o embargo não funcionou. “Os entrevistados de todas as categorias compartilham dessa opinião, embora os republicanos registrados e os membros mais antigos da sociedade tendam a dar ao embargo as notas mais altas”. Entretanto, apesar de reconhecer sua ineficiência, a mesma pesquisa da FIU mostra que a maioria dos cubano-americanos no sul da Flórida continuam apoiando o embargo: “Um aumento no apoio ao embargo, observado pela primeira vez na Pesquisa FIU Cuba de 2018, continuou a ganhar força no ambiente atual. Cerca de 60% da comunidade cubano-americana apoia, forte ou principalmente, a continuação do embargo dos EUA à Cuba. Já os entrevistados mais jovens, os nascidos fora da ilha e os democratas registrados são os que menos apoiam o embargo”.

Enquanto os cubano-americanos são resistentes à modificação no status das relações entre Washington e Havana, setores do Partido Democrata defendem uma nova abordagem no relacionamento bilateral. De acordo com reportagem da NBC News, de 16 de dezembro de 2021, 114 parlamentares do Partido Democrata enviaram uma carta ao presidente Joe Biden para suspender a restrição para o envio de dinheiro e de bens para Cuba. Segundo a carta: “Pedimos que você tome ações humanitárias imediatas — como as Nações Unidas pediram repetidamente — para suspender as regulamentações dos EUA que impedem que alimentos, remédios e outras assistências humanitárias cheguem ao povo cubano… também apoiamos uma mudança mais abrangente para aprofundar o envolvimento com Cuba e avançar para a normalização das relações EUA-Cuba”. A carta foi assinada por representantes democratas da Câmara, incluindo Barbara Lee, da Califórnia, presidente do subcomitê de Apropriações para Operações Estrangeiras; o presidente do Comitê de Regras, James McGovern, de Massachusetts; e o presidente do Comitê de Relações Exteriores, Gregory Meeks, de Nova York.

Apesar das pressões feitas por parcela do Partido Democrata, é pouco provável que ocorra mudanças substanciais na política dos Estados Unidos para Cuba. Tal como discutimos em análises anteriores do Latino Observatory, a política nos Estados Unidos está muito polarizada, com uma forte proeminência dos setores mais conservadores. Isso se reflete na frágil, ou quase inexistente, maioria do governo Biden no Senado. Um voto pode mudar completamente o rumo das votações no congresso. Daí a importância crucial da bancada de deputados e senadores de origem cubano-americana. Basta observar a posição de Bob Menendez, presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado. Ele pode concordar com diversas medidas do governo Biden, como a questão da imigração, ou o Build Back Better, mas é reticente em qualquer modificação no status das relações cubano-americanas. De sua parte, a bancada de deputados e senadores republicanos tem um grande peso, com dois senadores, Rubio e Cruz, e mais seis deputados.

Por fim, o peso da comunidade de cubano-americanos na Flórida é tão significativo que pode determinar o partido vencedor nas eleições presidenciais no estado, considerado um swing state, ou seja, estado pendular, onde republicanos e democratas disputam voto a voto. Nesse aspecto, se Biden for visto como condescendente com o governo cubano, isso pode ser visto como um sinal de fraqueza e motivo de rejeição, mesmo que a eficácia de 60 anos de bloqueio econômico se mostre ineficaz para influenciar o processo político cubano. No que lhe concerne, mesmo diante dos efeitos nefastos do bloqueio, impedindo, por exemplo, que farmacêuticas estrangeiras cooperem com os laboratórios locais, o pequeno país caribenho foi o primeiro da América Latina a desenvolver suas próprias vacinas.

 

Marcos Cordeiro Pires é coordenador do Latino Observatory, professor de Economia Política Internacional (UNESP-Marília) e pesquisador do Instituto Nacional de Estudos dos Estados Unidos (INCT-INEU). Thaís Caroline Lacerda é coordenadora do Latino Observatory e doutora em Ciências Sociais (Unesp-Marília). Contato: latinobservatory@latinobservatory.org.

** Publicado originalmente no site Latino Observatory, em 13 fev. 2022. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

 

 

Siga o OPEU no InstagramTwitterFlipboardLinkedin e Facebook e acompanhe nossas postagens diárias.

Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.

Somos um observatório de pesquisa sobre os EUA, com conteúdo semanal e gratuito, sem fins lucrativos.

Realização:
Apoio:

Conheça o projeto OPEU

O OPEU é um portal de notícias e um banco de dados dedicado ao acompanhamento da política doméstica e internacional dos EUA.

Ler mais