China e Rússia

Competição estratégica administrada: uma nova fase nas relações EUA-China?

Enviados de China e EUA para o Clima, Xie Zhenhua e John Kerry, respectivamente, na cúpula de Glasgow, em 13 nov. 2021 (Crédito: PA Images via Reuters Connect)

Por Rúbia Marcussi Pontes* e Talita de Mello Pinotti**

Os meses de novembro e dezembro foram particularmente movimentados para as relações bilaterais entre Estados Unidos e China. A participação das duas potências na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP26) no começo de novembro ganhou destaque nesse sentido. Com resultados aquém do esperado por ambientalistas e ativistas pelo clima, chamou atenção o pacto acordado – e anunciado no evento – entre EUA e China, que se comprometeram a trabalhar, individual ou bilateralmente, para aprofundar a implementação do Acordo de Paris, reduzir as emissões de metano e combater o desflorestamento.

Tal acordo foi visto como uma importante conquista para os EUA, que buscam retomar seu papel preponderante na agenda climática internacional, após o governo do republicano Donald Trump e de sua abrupta saída do Acordo de Paris. O resultado também foi considerado positivo pela China. O país tem buscado um maior protagonismo nas negociações climáticas, apresentando maior engajamento e disposição para assumir compromissos.

Nos meses que antecederam a Conferência e no decorrer do evento,  o enviado chinês para o clima, Xie Zhenhua, trabalhou ativamente, com seu homólogo estadunidense, John Kerry. Em um contexto de tensão crescente, por questões como Taiwan, direitos humanos e comércio, tal diálogo e acordo assumem um significado especial, além de terem preparado o terreno para o encontro virtual, que foi realizado apenas alguns dias após a COP26, entre os presidentes Joe Biden e Xi Jinping.

Esperada desde a posse de Biden, a cúpula bilateral aconteceu em 15 de novembro, com o objetivo de discutir o panorama das relações bilaterais, e durou três horas. Não houve um comunicado final, e nenhuma grande novidade foi acordada entre os líderes. Ainda assim, o mero fato de sua realização foi entendido como positivo, em um contexto de aparente interesse mútuo por maior estabilidade nas relações bilaterais.

Hours of talk, but little change after Biden-Xi virtual meeting - Asia and  Pacific - The Jakarta PostPresidente Biden durante cúpula virtual com seu homólogo chinês, Xi Jinping, do Salão Roosevelt, na Casa Branca, em Washington, D.C., em 15 nov. 2021 (Crédito: Mandel Ngan/AFP)

Estaríamos vendo, enfim, uma competição estratégica administrada entre as potências?

Tal termo (do original: administrated strategic competition) foi originalmente cunhado pelo ex-primeiro-ministro da Austrália Kevin Rudd. Refere-se à competição econômica e diplomática entre EUA e China e à administração de interesses comuns, de forma a estabelecer prioridades em que se possa haver cooperação – como a agenda climática internacional – e evitar a escalada de tensões até um conflito de fato. Seria um avanço em relação à classificação das relações bilaterais apenas em termos de competição estratégica, mediante a escolha de uma gestão cuidadosa e seletiva das mais diversas questões. É uma administração consciente de que a ausência de comunicação entre ambos pode gerar consequências negativas e, portanto, não deve ser uma opção.

Em alguns pontos, o conceito se aproxima da proposta chinesa cunhada como “Relação de Grandes Países” (do original: Relations of Major Countries), composta por três elementos fundamentais: (a) superação da dicotomia entre confrontação e cooperação, segundo a qual EUA e China aceitariam a existência de discordâncias e entendimentos, sem que isso leve ao enfrentamento; (b) respeito mútuo, que determina o reconhecimento mútuo da importância dos países e da relação bilateral; (c) cooperação ganha-ganha, que é um termo característico da política externa chinesa e que sugere a consolidação de acordos com benefícios compartilhados. As palavras do presidente Biden parecem reforçar essa caracterização: “nossa responsabilidade como líderes da China e dos EUA é garantir que a competição entre nossos países não se transforme em conflito, seja de forma intencional, ou não. Apenas competição, franca competição”.

A concretização de tal objetivo depende, no entanto, da capacidade de ambos os países de equacionarem eventuais tensões, de modo a evitar enfrentamentos. Nos últimos dias, alguns eventos indicaram que esse ainda é um desafio para a administração da competição: em 25 de novembro, o governo estadunidense declarou a inclusão de mais empresas chinesas na lista de sanções comerciais, ao que Pequim reagiu, afirmando que “responderia à altura”.

Semanas depois, em 7 de dezembro, a Casa Branca confirmou o boicote às Olímpiadas de Inverno de Pequim, que ocorrerão em 2022, devido à acusação de violação de direitos humanos da minoria Uigur na China. A isso, somou-se a tensão em relação ao início da Cúpula da Democracia nos EUA, que incluiu Taiwan entre os convidados do evento, desafiando o entendimento chinês de “Uma só China”. Em resposta, Pequim lançou um documento, comparando “as democracias estadunidense e chinesa” e destacando as vantagens do modelo chinês.

Ainda relevante é a exaustiva atuação do Congresso estadunidense em relação à China. Entre 2019 e 2020, ambas as Casas propuseram mais de 550 leis e resoluções. Somente em 2021, foram mais de 330 peças. Tal movimento reforça o crescente consenso bipartidário no Congresso de que os assuntos envolvendo a China devem ser tratados de forma assertiva, unindo republicanos e democratas como nenhum outro tema faz. Consequentemente, esse entendimento limita quaisquer tentativas de cooperação significativa do Executivo estadunidense com as contrapartes chinesas.

Uma nova fase nas relações bilaterais com a competição estratégica administrada, portanto? Ao observador atento, parece que temos mais do mesmo na ordem do dia e na competição entre EUA e China.

 

* Rúbia Marcussi Pontes é doutoranda e mestra em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), professora de Relações Internacionais das Faculdades de Campinas (FACAMP) e pesquisadora do INCT-INEU. Contato: rubiamarcussi@gmail.com.

** Talita de Mello Pinotti é doutoranda em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) e mestre em Ciência Política pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Atua como professora de Relações Internacionais da Faculdades de Campinas (FACAMP) e é codiretora do projeto Sabe a China?. Contato: talitapinotti@yahoo.com.br.

** Recebido em 11 dez. 2021. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

 

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