Política Doméstica

TMTG e a estratégia de Trump para retornar à Casa Branca

Imagem de Trump antes de comício em Washington, D.C., em 6 jan. 2021, dia da invasão ao Capitólio (Crédito: Bill Clark/CQ-Roll Call/Getty Images)

Por José Paulo Silva Ferreira*

Em uma nota de imprensa divulgada em 20 de outubro, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump anunciou o lançamento do grupo midiático Trump Media & Technology Group (TMTG). A empresa surgiu como resultado da fusão com a Digital World Acquisition Corp. Com um capital inicial de US$ 875 milhões, será, em breve, uma companhia de capital aberto. O TMTG oferece um leque de serviços, como a própria rede social – chamada de Truth Social –, serviço de streaming, notícias e podcasts. Os desdobramentos da criação desse grupo de mídia serão fundamentais na análise e, quem sabe, nos resultados da próxima eleição presidencial.

O TMTG apresenta como missão institucional “rivalizar” com o atual consórcio midiático e as grandes empresas de tecnologia – Big Techs –, as quais teriam pautas politicamente liberais e usariam sua estrutura para censurar vozes opositoras. Na página inicial da empresa na Internet, é dito que esta seria “uma força unificadora para a liberdade de expressão”, buscando se opor à discriminação política, à cultura do cancelamento e rivalizar com gigantes do setor tecnológico. Principal produto do TMTG, o aplicativo Truth Social, ainda está em desenvolvimento, mas existe a expectativa de lançamento de sua versão preliminar para antes do fim do ano, e da versão final, no primeiro trimestre de 2022.

Invasão do Capitólio e suspensão das redes sociais de Trump

A motivação por trás da criação do grupo de mídia e da rede social remete à suspensão das contas de Trump no Twitter e Facebook, em janeiro de 2021, após a invasão do Capitólio por parte de apoiadores republicanos que não aceitaram a derrota eleitoral. Na época, Trump afirmou que as eleições haviam sido fraudadas e questionou a constitucionalidade do voto por correio. Assim, incitou uma multidão de manifestantes a interromper, no Congresso estadunidense, a sessão que confirmava a vitória de Joe Biden. Senadores e representantes da Câmara foram encurralados e tiveram de ser retirados às pressas pela segurança.

Two police officers died by suicide after responding to Capitol riotMultidão pró-Trump cerca e invade o Capitólio, em Washington, D.C., em 6 jan. 2021 (Crédito: Tayfun Coskun/Anadolu Agency via Getty Images)

O tumulto, que entrou para a história como uma afronta à democracia dos Estados Unidos, levou imediatamente à suspensão da conta de Trump no Twitter por 12 horas. A decisão foi replicada em seguida pelo Facebook. Posteriormente, o Twitter, que foi o canal preferido do ex-presidente para comunicar muitas das decisões importantes de seu governo e para atacar rivais, suspendeu permanentemente a conta, com a justificativa do risco de incitação à violência. Já o Facebook optou pela suspensão da conta até janeiro de 2023. Após os banimentos, Trump declarou que criaria seu próprio canal de comunicação.

O dilema entre censura e liberdade de expressão

Considerando-se o investimento massivo e o leque de serviços, o TMTG parece ser a última e permanente tentativa de Trump de retornar às redes. Em maio, ele lançou o blog chamado From the Desk of Donald J. Trump, que foi desativado em apenas 29 dias por baixa taxa de acessos. Poucas semanas após o lançamento do blog, Jason Miller, que foi conselheiro do ex-presidente, lançou a rede social Gettr. Apesar de contar com o apoio de republicanos e, no Brasil, de políticos bolsonaristas, não houve adesão de Trump.

No documento de apresentação do TMTG, disponibilizado no próprio site, são levantados questionamentos do porquê líderes do grupo extremista islâmico Talibã possuírem suas contas no Twitter, enquanto Trump foi banido da rede. O questionamento está se as grandes corporações estariam cometendo censura, com motivações políticas, utilizando a justificativa de que discurso de ódio e incitação à violência excedem os limites da liberdade de expressão. Na nota de imprensa de lançamento do TMTG, o ex-presidente definiu a falta de um critério objetivo para silenciá-lo como “inaceitável”.

Pretensões ambiciosas e competitividade com as Big Techs

Segundo informações da apresentação em slides, o grupo TMTG se divide em três subsidiárias, sendo elas: a Truth Social, que é a rede social; TMTG+, com material de entretenimento; e o TMTG News, um canal de notícias. No documento, não são apresentados dados que justifiquem o valor da empresa e endossem a prospecção de crescimento. Apenas utilizam de manchetes de jornais que mostram o sucesso anterior de Trump com a mídia, como com o reality show “O Aprendiz”, para reforçar a expectativa de expansão e de consolidação do grupo.

As grandes empresas consideradas suas concorrentes diretas são mencionadas nominalmente na apresentação, seja por meio de textos, seja por infográficos. As Big Techs citadas foram: Twitter, Facebook, Instagram, Amazon, Apple, Netflix, Google, Disney+, CNN, iHeart Media, Azure, Stripe e Hulu. Vale notar que algumas dessas empresas não atuam nos nichos-chave do TMTG. Isso acontecerá, caso se concretizem os planos de extensão das atividades, como a oferta de serviço de armazenamento em nuvem.

TMTG como parte da estratégia na busca por um segundo mandato

Ao mesmo tempo em que o TMTG representa a iniciativa de Trump de emprestar seu nome a grupos empresariais como forma de conferir credibilidade – prática já adotada com múltiplos hotéis e cassinos –, também pode significar uma forma de se projetar para as eleições de 2024, visto que não teve seus direitos políticos cassados com o processo de impeachment, permanecendo elegível a um segundo mandato. Muitos analistas atribuem a capacidade de sua equipe de utilizar as redes sociais como um dos principais motivos para a vitória do republicano na eleição de 2016 contra a democrata Hillary Clinton. Dessa forma, pode-se argumentar que deter o próprio grupo midiático e rede social expandiria essa capacidade.

Apesar da derrota eleitoral e de ter sofrido impeachment no último momento, Trump permanece popular entre os estadunidenses. Em pesquisa eleitoral realizada recentemente pela Redfield & Wilton Strategies, Biden apresenta vantagem de apenas dois pontos percentuais em relação ao ex-presidente. Se as eleições fossem hoje, segundo a pesquisa, Biden teria 42% dos votos, enquanto Trump teria 40%, uma diferença marginal. Enquanto a grande maioria das pessoas que afirmaram terem votado em Trump em 2020 diz pretender manter o voto, 87% do total, o número de eleitores fiéis a Biden é menor, 85%.

Joe Biden não apenas teria dificuldades de se reeleger em 2024 em um cenário que tivesse Trump como adversário, como, desde já, com menos de um ano de governo completo, vê  uma queda acentuada de sua aprovação. Ele já é o presidente que mais rápido perdeu popularidade desde 1945. Segundo pesquisa de popularidade de Biden realizada em outubro pelo site FiveThirtyEight, o democrata tem 50,7% de desaprovação. Em comparação, segundo o mesmo instituto, em outubro de 2017, com o mesmo tempo de governo de que Biden dispõe hoje, Trump tinha 56,4% de desaprovação. Apesar de o apoio de Trump com o mesmo tempo de governo ser menor, sua taxa de desaprovação se manteve quase que constante durante o mandato, com um ligeiro aumento no final de 2020 pela gestão da crise da pandemia, enquanto que Biden iniciou o governo com a desaprovação de apenas 36%.

Apesar de existirem outros nomes interessados na nomeação do Partido Republicano para candidato à presidência, de acordo com pesquisa realizada em setembro pela rede CNN, Trump permanece popular entre os eleitores republicanos. Em torno de 63% afirmam que ele deveria ser o líder do partido. Embora não declare publicamente sua pré-candidatura, segundo Trump, a única coisa que o impediria de concorrer seria “uma contraindicação médica, ou algo assim”. Como visto, Trump permanece sendo o candidato mais provável para os republicanos e, caso o TMTG se consolide, é inevitável que alavanque sua popularidade com o público já fiel e com os eleitores centristas descontentes com a administração Biden.

 

* José Paulo Silva Ferreira é graduando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador assistente do Núcleo de Estudos Globais (NEG). Entre 2020 e 2021, foi bolsista do CNPq via INCT-INEU. Contato: josepaulosilvaferreira@gmail.com.

** Recebido em 15 nov. 2021 e publicado com revisão e supervisão da editora do Opeu e professora colaboradora do IRID/UFRJ, Tatiana Teixeira. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

 

 

Assine nossa Newsletter e receba o conteúdo do OPEU por e-mail.

Siga o OPEU no Instagram, Twitter, Linkedin, Flipboard e Facebook e acompanhe nossas postagens diárias.

Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.

Realização:
Apoio:

Conheça o projeto OPEU

O OPEU é um portal de notícias e um banco de dados dedicado ao acompanhamento da política doméstica e internacional dos EUA.

Ler mais