Economia e Finanças

Biden e o fenômeno da ‘Grande Renúncia’

Escritórios vazios e empresas com dificuldades para contratar nos EUA (Crédito: Nick Dolding/Getty Images)

Por Cristina Pacheco*

Em maio de 2021, Anthony Klotz, professor da Universidade de Administração e Marketing do Texas, identificou um movimento curioso que ocorria nos Estados Unidos naquele momento. Após o início da vacinação em massa dos trabalhadores, em janeiro, o retorno ao trabalho estava ocorrendo ao mesmo tempo em que vários pediam demissão de seus empregos anteriores. Ele atribuiu a este comportamento a alcunha de Grande Renúncia, ou Resignação. Mas do que se trata a Grande Renúncia?

Com a chegada do democrata Joe Biden à Casa Branca em janeiro de 2021, começou um processo de vacinação em massa contra a covid-19 que avançou rapidamente. Os 5% com esquema completo de imunização por ocasião de sua posse se tornaram 34% da população em fins de abril, quando os dados acima foram divulgados. Se a cobertura vacinal estava seguindo seu curso, provocando menor circulação do coronavírus e permitindo um retorno gradual ao trabalho, o que provocava, então, uma das mais altas taxas de renúncia ao emprego dos últimos 20 anos?

A renúncia geralmente ocorre quando os custos de trabalhar são mais altos que os custos de deixar o emprego. Portanto, uma primeira explicação seria que a pandemia provocou uma mudança no comportamento dos trabalhadores, que passaram a ver o emprego como um custo alto, seja em razão do desgaste sofrido pela pandemia, mais comumente conhecido como Síndrome de Burnout, seja por perceber que, ao ficar em casa, reduzem seus gastos, pagam suas dívidas e guardam dinheiro. No caso em questão, e até mesmo em razão dos efeitos que a pandemia provocou no mundo nestes últimos dois anos, Klotz levantou a possibilidade de se estar diante de uma mudança de valores do próprio individuo. O isolamento prolongado e os novos hábitos adquiridos durante esse período tão extenso permitiram ao indivíduo repensar sua função na sociedade e seguir novos caminhos, como voltar a estudar, montar um negócio próprio, ficar em casa com a família, ou se aposentar mais cedo.

Síndrome de Burnout seria um dos fatores para esta mudança (Crédito: Moment/Getty Images)

Alguns estudos foram desenvolvidos, visando a entender tal comportamento. A Harvard Business School, por exemplo, voltou-se para os registros de mais de 9 milhões de empregados de mais de 4 mil empresas para analisar melhor esse fenômeno. Conduzida por Ian Cook e tendo como base dados de fevereiro de 2020 a julho de 2021, essa pesquisa revelou duas tendências principais: 1. Que as taxas de renúncia são mais altas entre empregados no meio da carreira; e 2. Que as taxas de renúncia ao emprego são mais altas nos setores de tecnologia e de assistência médica.

É comum que taxas de renúncia ocorram na faixa de 20 a 25 anos, e não no perfil identificado, que atingiu, no referido intervalo, mais de 20% dos empregados entre 30 e 35 anos. Talvez o aumento possa ser explicado por um represamento na concentração de renúncias, nos meses anteriores, a qual se viu aumentada agora, com o retorno do emprego e das ofertas de trabalho. A segunda tendência identificada está relacionada diretamente com a pandemia, já que esses dois setores (tecnologia e assistência médica) foram os que sofreram maior demanda provocada pela crise sanitária global. Com o aumento e acúmulo da carga de trabalho, o resultado direto foi o desenvolvimento da Síndrome de Burnout. Condições desgastantes no ambiente de trabalho, como carga excessiva de trabalho, pressão, ou excesso de competitividade provocam esse distúrbio psíquico.

Os dados divulgados em novembro de 2021pelo Escritório de Estatísticas sobre o Trabalho (Bureau of Labor Statistics) mostram algumas particularidades. Os setores com índices bem altos de pedidos de demissão foram os trabalhos presenciais e com baixo salário. Setores voltados para turismo e lazer, que englobam desde restaurantes e hotéis, artes e entretenimento, até transporte de pessoas, além do setor de serviços e varejo, foram os mais atingidos pelos pedidos feitos. Lazer e turismo foi, de longe, o que mais teve renúncias, aproximadamente 1 milhão delas. O perfil deste trabalhador é de alguém que completou o Ensino Médio, tem baixo nível de qualificação e recebe um salário também baixo. No lockdown de 2020, foram os primeiros a serem demitidos, por desempenharem atividades essencialmente presenciais. O retorno às atividades presenciais colocou-os na linha de frente da contaminação. E, mais adiante, a retomada das atividades “normais” aumentou a oferta de empregos, trazendo uma sensação de otimismo para os trabalhadores do setor que, agora, buscam melhores contratos.

O setor de manufatura obteve taxas de demissão que chegaram a até 78% desde fevereiro de 2020. No mesmo período, lazer e hotelaria atingiram 43%.

Martha Maznevski, da Universidade de Western, no Canadá, afirma que é provável que duas categorias de pessoas estejam participando desse fenômeno: profissionais que escolhem entre o que é bom e o que pode ser melhor; e outros, entre algo que é realmente terrível, prejudicial e tóxico, e sua sobrevivência. São duas dinâmicas bem distintas. No primeiro caso, a pessoa desiste em razão do tédio e do desejo de crescimento; no último, desiste por causa das péssimas condições de trabalho, ou porque precisava cuidar das crianças, enquanto as escolas estavam fechadas. São duas narrativas bem diferentes de pessoas que deixam seus trabalhos.

Estudiosos veem fenômeno multifatorial

Ainda que o aumento de 20% na taxa de renúncia tenha sido o maior dos últimos 20 anos, é um número considerado pequeno, avalia Jay Zagorsky, professor da Boston University. Maior do que o normal, sem dúvida, os dados ainda são insuficientes para compreender essa escala de renúncia, por terem um prazo ainda curto de coleta. Seu início se deu em 2000. Um olhar mais atento identifica um número significativo de renúncia já em 2019, antes da pandemia, o que pode se tornar um indicador de que a covid-19 talvez não seja o propulsor desse fenômeno. Zagorsky sustenta que demissões geralmente atingem altas taxas quando as economias estão fortes, como era o caso dos EUA no contexto de pré-pandemia, por possibilitarem a escolha. O mesmo ocorreu no pós-recessão da crise financeira global de 2009.

Os motivos apresentados até agora revelam não apenas perfis de renúncia distintos, mas também explicações variadas para o fenômeno. Klotz concorda que a ausência de dados mais sólidos dificulta a análise de quais grupos específicos estão deixando o emprego. Em suas pesquisas, já encontrou estudos que englobam pedidos de demissão dos profissionais de meio de carreira; outros, mais voltados para a Geração Z; e há casos específicos de setores que envolvem renúncia apenas dos Baby Boomers. A Geração Z inclui pessoas nascidas entre a segunda metade dos anos 1990, até o início do ano 2010, e os Baby Boomers se referem aos nascidos entre 1945 e 1964, momento caracterizado por uma grande explosão demográfica nos EUA, daí o nome.

Embora já tenha sua própria alcunha, a Grande Renúncia aponta causas multifacetadas que se manifestam de formas tão distintas quanto o próprio coronavírus. Tudo indica que não se trata de um fenômeno simples e que, pelo que as análises têm demonstrado, ficará cada vez mais complexo.

 

* Cristina Pacheco é pesquisadora do INCT-INEU e professora da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).

** Recebido em 7 dez. 2021. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

 

Assine nossa Newsletter e receba o conteúdo do OPEU por e-mail.

Siga o OPEU no Instagram, Twitter, Linkedin, Flipboard e Facebook e acompanhe nossas postagens diárias.

Comente, compartilhe, envie sugestões, faça parte da nossa comunidade.

Realização:
Apoio:

Conheça o projeto OPEU

O OPEU é um portal de notícias e um banco de dados dedicado ao acompanhamento da política doméstica e internacional dos EUA.

Ler mais