China, pandemia e ciberataques russos: o ‘retorno’ dos EUA ao G7
Boris Johnson, Joe Biden, Justin Trudeau, Mario Draghi, Ursula von der Leyen, Charles Michel, Yoshihide Suga, Angela Merkel e Emmanuel Macron, na cúpula do G7 em Carbis Bay, Cornwall, em 11 jun. 2021 (Crédito: Reuters pool)
Por João Bernardo Quintanilha Chagas*
A Cúpula do G7 deste ano se concentrou em três temas principais: a competição com a China, a vacinação contra a pandemia da covid-19 e os ciberataques que teriam sido cometidos pela Rússia contra as nações ocidentais. Ou seja, as principais bases da política externa no governo Biden até agora. Dessa forma, a reunião das maiores economias democráticas do mundo marcou, não somente o retorno das conferências diplomáticas presenciais, mas o retorno da “liderança americana” ao panorama internacional.
Composto por França, Japão, Reino Unido, Canadá, Alemanha, Itália e os Estados Unidos (EUA), o G7 é um grupo que envolve as democracias economicamente mais avançadas do mundo. Desde sua formação, em 1975, esses países se reúnem todos os anos para debater desafios e questões do âmbito internacional. Os EUA sempre tiveram um papel de liderança no grupo, negociando com seus aliados a defesa de seus interesses.
No governo Donald Trump, porém, essa característica americana se enfraqueceu, inclusive nos encontros do G7. Com sua política de “America First”, as últimas reuniões do grupo foram marcadas pelo atrito e pela indisposição entre as democracias ocidentais com a política externa unilateral americana. A falta de cooperação e o diálogo rarefeito definiram negativamente as relações transatlânticas no período, sobretudo, com um bloco europeu ainda se ajustando ao impacto do processo do Brexit. Apenas para lembrar, o então presidente Trump foi um dos entusiastas da saída do Reino Unido da UE.
A chegada de Joe Biden à Casa Branca mudou a direção da política externa americana. Sob a repetida frase “America is back”, o democrata prometeu retornar à política multilateral de coordenação de seus aliados para a defesa dos “valores americanos”. A Cúpula do G7 em Cornwall, Reino Unido, foi um dos primeiros passos desse retorno. Nela, foram debatidas questões energéticas e ambientais, econômicas e geoestratégicas, essenciais para a recuperação e para a manutenção da liderança americana no cenário internacional atual.
Como falado anteriormente, a vacinação foi um assunto amplamente discutido na cúpula. Delimitou-se um plano para a distribuição de um bilhão de doses para países pobres e em desenvolvimento, ligado ao consórcio COVAX Faccility, que atualmente não tem nem as doses, nem o orçamento necessário para um projeto desta escala. Também se renovou o pedido de cooperação chinesa para uma investigação “transparente”, ligada à Organização Mundial da Saúde (OMS), sobre a origem da covid-19.
Além disso, foi criado o “Build Back Better World” (B3W), um enorme plano de US$ 40 trilhões, para financiar projetos de infraestrutura em países pobres e em desenvolvimento, de acordo com as normas internacionais de condições ambientais e trabalhistas. Esse projeto tem como finalidade rivalizar com o projeto chinês de construir a “Nova Rota da Seda”, um gigantesco plano de investimento em infraestrutura em países asiáticos e africanos. De imediato, foram levantadas dúvidas em relação à implementação do plano B3W, já que o financiamento ainda não foi definido de forma definitiva, e o plano chinês para os países pobres e em desenvolvimento se encontra em estágio avançado.
Em evento de campanha em Wilmington, Delaware, em jul. 2020, Biden fala sobre seu plano ‘Build Back Better’ (Crédito: Olivier Douliery/AFP)
China e Rússia, as constantes das reuniões multilaterais do Ocidente
Na cúpula, os Estados Unidos de Biden conseguiram que o principal ponto de sua política externa (contenção da China) e seus planos para alcançar esse objetivo fossem vistos como prioridade por seus aliados. A perspectiva americana não é, porém, incontestável dentro do grupo. Reino Unido, Canadá, França e Japão são a favor de um posicionamento público de oposição conjunta à China, o que é apoiado pelos EUA. Alemanha, Itália e União Europeia (UE) – a qual, apesar de não ser membro do G7 como bloco, conta com uma representação no grupo – têm uma perspectiva mais diplomática e unilateral, discordando de um posicionamento conjunto em relação à China. Essa indisposição europeia vem da assinatura recente de um acordo comercial entre o bloco europeu e o governo de Pequim, que facilita os investimentos e o comércio de bens e serviços entre os signatários, além de diversos outros tipos de cooperação tecnológica entre as partes.
Cibersegurança e ciberataques também estiveram na pauta do G7. Nesse assunto, a Rússia foi o alvo, depois de diversas invasões do tipo ransomware, procedentes do território russo, terem afetado diferentes setores e empresas americanas e europeias. As potências ocidentais pressionaram o governo de Moscou a tomar medidas contra esses ataques cibernéticos. Também defenderam uma investigação sobre o uso de armas químicas na Rússia, depois de o caso de Alexei Navalny, opositor de Vladimir Putin, ter alcançado a mídia internacional.
As discussões sobre cibersegurança reavivaram as tensões entre Rússia e EUA, que tiveram, na última quarta-feira, dia 16, a primeira reunião bilateral entre seus líderes. O encontro foi dedicado à tentativa de dissolução dessas tensões, que vinham crescendo desde a posse de Biden. Classificada como “construtiva e sem hostilidades” pelo presidente russo, a cúpula se concentrou nas questões do ciberataque e na elaboração de um novo acordo nuclear entre as potências. Também foi acertado o retorno de oficiais diplomáticos aos seus respectivos países, após a expulsão dos mesmos pouco tempo depois do discurso dos 100 dias de Joe Biden.
Outros tópicos abordados foram: a criação de um imposto global de 15% concentrado nas grandes corporações, como forma de evitar a evasão fiscal para paraísos fiscais; o reforço da meta de zerar as emissões de gases causadores do efeito estufa até 2050; o apoio ao território de Hong Kong; e a rejeição às violações dos direitos humanos nos territórios chinês e etíope.
* João Bernardo Quintanilha Chagas é pesquisador voluntário do Opeu e graduando do curso de Relações Internacionais do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ). Contato: joaobernardoqchagas@gmail.com.
** Recebido em 16 jun. 2021. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
Edição e revisão final: Tatiana Teixeira.
Assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti. Contato: tcarlotti@gmail.com.
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