Ajuda de US$ 4 bi para Israel associa EUA a violações em Gaza
Colunas de fumaça sobem do complexo de Hanadi, na Cidade de Gaza, após ataques aéreos israelenses, em 11 de maio de 2021 (Crédito: Mohammed Abed/AFP)
Por Isabelle C. Somma de Castro*
O presidente Joe Biden bem que tentou se esquivar do conflito entre Israel, o aliado mais íntimo dos Estados Unidos, e os palestinos. Ignorou os desmandos de seu antecessor em relação ao país, especialmente a mudança da embaixada dos EUA para Jerusalém. Manteve-se distante das eleições israelenses e fez cara de paisagem quando instado a se envolver em futuros acordos de paz para a questão. Contudo, a expulsão de famílias palestinas de Sheikh Jarrah, a repressão de fiéis muçulmanos na mesquita de Al Aqsa e, por que não mencionar, as décadas de ocupação israelense atrapalharam os planos do novo presidente.
O leitor mais desavisado poderia se perguntar: o que os Estados Unidos têm a ver com tudo isso? A resposta mais simples está na cifra de US$ 3,8 bilhões em ajuda militar anual que o país fornece a Israel. Tal subsídio à indústria bélica de seu próprio país e, obviamente, às forças armadas israelenses, faz com que uma digital americana esteja em cada bomba que cai no berço de uma criança palestina. Além disso, o país está ajudando Israel a promover punição coletiva, que vai contra o Artigo 33 da Quarta Convenção de Genebra.
O financiamento bélico também é contraproducente para o discurso de grande defensor dos direitos humanos, eloquente entre os próprios democratas, e reavivado recentemente por Biden ao mencionar a repressão do Estado chinês contra uigures e de Myanmar contra os rohingya. Afinal, se os Estados Unidos não impedem seu maior aliado de promover um banho de sangue em seu quintal, qual a moral para fazer isso em relação ao restante do mundo? Como o país pode mediar qualquer acordo com ambas as partes, se tem um viés claro?
Primeiras reações
Logo que as tensões se iniciaram em Jerusalém, a administração americana acendeu o sinal de alerta, mas não houve manifestação específica da Casa Branca. Quando surgiram os mísseis em Israel e o bombardeio contra Gaza se iniciou, Biden ligou para o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e condenou “os ataques do Hamas e outros grupos terroristas” e expressou seu “firme apoio à segurança de Israel e ao direito legítimo de Israel de se autodefender e de defender seu povo”. Nenhuma palavra foi dita sobre a segurança dos civis palestinos. Não houve um esforço da administração americana por um cessar-fogo.
Antes de ser eleito, Biden afirmou inúmeras vezes que era contrário aos assentamentos judaicos em áreas reconhecidas internacionalmente como palestinas. Suas afirmações não foram, porém, acompanhadas por ações. Sheikh Jarrah está localizada na parte leste de Jerusalém, não estando, portanto, sob jurisdição israelense. E poderia se enquadrar no que o presidente americano entende por um esforço para criar um assentamento judaico no local. Sabe-se, contudo, que desde a primeira visita de Biden a Israel, em 1973, quando se encontrou com Golda Meir, e em suas demais viagens ao país, o democrata sempre demonstrou apoio claro à política em relação aos palestinos seguida pelos diversos governos israelenses.
(Arquivo) O premiê israelense, Benjamin Netanyahu, recebe o então vice-presidente dos EUA, Joe Biden, em Israel, em 2016 (Crédito: Debbie Hill, Pool/AFP)
Dentro do cenário político interno americano, o assunto Israel é delicado, em especial dentro do Partido Democrata. De um lado, há, tradicionalmente, a ala que defende um apoio irrestrito a qualquer política israelense de repressão aos palestinos. De outro, está a ala progressista, encabeçada pela congressista de origem palestina Rashida Tlaib (D-MI) e Ilhan Omar (D-MN), que tem sido apoiada por um grupo cada vez maior na Câmara de Representantes, que vai além do Squad, como Betty McCollum (D-MN), Mark Pocan (D-WI), Andre Carson (D-IN), Chuy Garcia (D-IL) e Joaquin Castro (D-TX). Um esforço para impedir um novo carregamento de armas americanas para Israel foi promovido por Tlaib, Cortez e Pocan quando os bombardeios a Gaza já haviam se iniciado.
No Senado, a crítica mais enfática à ajuda militar americana a Israel veio do independente Bernie Sanders, que preside a Comissão de Orçamento da casa. Até o presidente do Comitê de Relações Internacionais do Senado, Robert Menendez (D-NJ), um antigo aliado de Israel, fez críticas aos bombardeios a civis e aos escritórios de veículos de imprensa em Gaza. Do lado republicano, a pressão foi maciçamente em favor de um apoio “inequívoco” a Israel, como era de se esperar. Esse tom dominou uma carta ao presidente assinada por 44 dos 50 senadores do partido de oposição, que também tratou de outros assuntos caros ao atual governo de Israel, como o eventual restabelecimento do acordo nuclear com o Irã.
Mudança de posição
Mas a pressão por um fim imediato dos ataques foi mais efetiva, mesmo que tenha sido depois de uma semana de bombardeios israelenses a Gaza que resultou em mais de 200 mortos, sendo pelo menos um quarto deles eram crianças, e 58 mil desabrigados. O ataque israelense ao prédio de 12 andares que abrigava agências de notícias internacionais em Gaza também pode ter ajudado Biden a mudar seu discurso. A Associated Press divulgou nota dizendo que a ação foi “chocante e aterrorizante”. Biden, então, finalmente manifestou a Netanyahu que esperava “uma significativa desescalada” do conflito, a fim de se abrir o caminho para um cessar-fogo. As palavras, que parecem bastante anódinas, não deixam de ser vistas como uma pequena vitória, um dia após ele ter sido visto em uma tensa conversa de oito minutos com a deputada Rashida Tlaib em uma pista de pouso em Detroit. De qualquer forma, o comunicado da Casa Branca à imprensa que menciona o contato com Netanyahu não deixou de citar “o Hamas e demais elementos terroristas” – um sinal claro de que o apoio às ações de Israel continua sólido.
A falta de esforços americanos na ONU para cessar o conflito também é notável. Tradicionalmente, o país usa o poder de veto que tem no Conselho de Segurança para favorecer as posições israelenses. Os EUA exerceram esse direito 82 vezes, sendo que 44 desses vetos serviram para que Israel fosse beneficiado em questões relacionadas a crimes de guerra e violações de direitos humanos, tanto nos territórios palestinos como no Líbano. Biden parece que manterá essa tradição, que mostra que, nessa questão específica, ele está bem mais próximo a Donald Trump do que muitos gostariam, comprometendo qualquer esforço futuro de seu governo para patrocinar uma reaproximação entre dois lados em conflito.
* Isabelle Christine Somma de Castro é pesquisadora do INCT-INEU e do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (Nupri-USP) e do Grupo de Pesquisa Tríplice Fronteira (GTF/Unila). Concluiu pós-doutorado em Ciência Política (USP) e Universidade de Columbia e doutorado em História Social (USP). Contato: isasomma@hotmail.com.
** Recebido em 20 de maio de 2021. Este trabalho não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.
Edição e revisão final: Tatiana Teixeira.
Assessora de Imprensa do OPEU e do INCT-INEU, editora das Newsletters OPEU e Diálogos INEU e editora de conteúdo audiovisual: Tatiana Carlotti. Contato: tcarlotti@gmail.com.
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