Internacional

Relações Rússia-EUA sofrem escalada no governo Biden

Os presidentes Joe Biden e Vladimir Putin (Fonte da imagem: Vanguard News)

Por Ingrid Cagy Marra*

No último dia 15 de abril, o Departamento do Tesouro dos Estados Unidos anunciou uma série de sanções contra a Rússia, além da expulsão de dez funcionários da embaixada russa em Washington, que terão 30 dias para sair do país. Algumas das justificativas são a suposta intervenção nas eleições presidenciais de 2020, ataques cibernéticos contra a companhia SolarWinds e a ocupação da Crimeia em 2014. Essa leva de sanções ocorre menos de um mês após a expansão da rodada de ações que os Estados Unidos, junto com a União Europeia (UE) e a Grã-Bretanha, tomaram após o envenenamento do líder da oposição russa Alexei Navalny.

A ordem executiva impõe sanções diretamente a algumas companhias de tecnologia envolvidas em supostos ataques cibernéticos contra os Estados Unidos, como a ERA Technopolis, o Federal State Autonomous Scientific Establishment Scientific Research Institute Specialized Security Computing Devices and Automation e a Pozitiv Teknolodzhiz, AO. Embora a maior parte das empresas seja estatal, algumas companhias são privadas e têm na cartela de principais clientes entidades do governo russo. De acordo com a conselheira de Segurança Nacional adjunta para tecnologias emergentes e cibernéticas, Anne Neuberger, a operação cibernética teve como alvo pelo menos nove agências federais, além de mais de 100 negócios privados. Aproximadamente 18 mil clientes da SolarWinds foram afetados pela quebra de segurança do software, mas ainda não está claro qual o tipo de informação acessada pelos hackers.

 

Suspected Russian hack fuels new US action on cybersecurity | News 4 Buffalo

Atual conselheira de Segurança Nacional adjunta para tecnologias emergentes e cibernéticas, Anne Neuberger (Crédito: AP)

Além disso, proíbe algumas negociações e compras de títulos da dívida pública da Federação Russa por parte de instituições financeiras estadunidenses no mercado primário. Isso impede que corporações financeiras realizem compras das principais instituições russas, como o Ministério da Economia, ou o Banco Central russo. As restrições de venda de títulos da dívida pública afetam a capacidade do país de vender títulos denominados em dólar, os chamados dólar-denominated bonds, ou em rublos. Como o país possui um pequeno número de títulos denominados em dólar, é possível que a tática não seja tão eficiente quanto o esperado por Washington. Segundo Gary Haufbauer, pesquisador sênior do Peterson Institute for International Economics e ex-secretário-assistente do Tesouro americano, o movimento aumentaria as taxas de juros dos bonds e diminuiria seus preços. Essa movimentação dificulta as transações e o aquecimento da economia russa.

Acúmulo de sanções

No início de março, os Estados Unidos anunciaram uma série de sanções a funcionários de alto escalão do governo russo pela prisão e pelo suposto uso de armas químicas contra Alexei Navalny. No mês anterior, UE e Grã-Bretanha haviam decidido aumentar as já existentes sanções à Rússia, presentes desde 2014. A decisão implica o impedimento do acesso desses funcionários a seus ativos financeiros, além de estar vedada sua entrada no bloco, ou nos Estados Unidos. Embora não atinja diretamente o presidente da Rússia, Vladimir Putin, a lista negativa envolve vice-ministros da Defesa, o procurador-geral e o chefe do comitê de investigação da Federação Russa.

Em entrevista à rede norte-americana CNN, o conselheiro de Segurança Nacional, Jake Sullivan, disse que os Estados Unidos não têm a intenção de aumentar as tensões entre os países, somente gerar uma resposta “crível e significativa” da Presidência russa, com base no equilíbrio de forças. Como as últimas sanções não haviam impactado o Kremlin, ainda não há certeza de que essa rodada alterará a política externa russa em relação aos interesses estadunidenses. A administração da Casa Branca mantém, no entanto, um canal diplomático aberto com o presidente russo, preservando o embaixador estadunidense em Moscou, além de convidar Putin para uma conferência sobre clima e uma cúpula para discutir as relações entre Estados Unidos e Rússia. Em resposta, o porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, disse que estudará a ideia, embora seja cedo para discutir as especificidades do encontro.

A execução também afeta oito suspeitos e entidades que estariam conectados à ocupação da Crimeia de 2014, que envolveu forças separatistas apoiadas pela Rússia e forças governamentais ucranianas. O comandante-chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Ruslan Khomchak, reporta tropas de aproximadamente 50 mil militares ao longo da fronteira e estima em cerca de 35 mil o número de separatistas em áreas tomadas por rebeldes. As tropas militares chegam a 18% das forças terrestres russas, aumentando de forma significativa as tensões na região.

A saída do presidente Donald Trump da Casa Branca trouxe uma reaproximação do bloco europeu com os Estados Unidos. Com o pedido de suporte da Ucrânia a seus aliados, é possível pontuar a movimentação de Biden como um aceno à defesa de um perímetro livre de interferências russas no tabuleiro europeu, diferentemente da política “isolacionista” defendida por Trump.

Histórico de atritos

Desde que Biden era vice-presidente de Obama, as relações entre Moscou e Washington passaram por momentos de tensão, como no conflito entre Geórgia e Rússia, em 2008, e na ocupação da Crimeia, em 2014. Durante as tensões referentes à anexação da península, Biden acusa Putin de apropriação de terras e de violar o direito internacional. À época, em reunião com o então primeiro-ministro da Polônia, Donald Tusk, afirmou o comprometimento estadunidense de criar um sistema de defesa na Polônia, como uma forma de demonstrar apoio aos aliados na região. Já Putin defendeu a anexação da área como uma retomada histórica, com base nas similaridades culturais, além da quantidade de pessoas russas na Crimeia.

Um outro grande ponto de preocupação no histórico de atritos é o ataque químico à cidade de Douma, na Síria, ocorrido em 2018. O posicionamento do governo sírio foi negar veementemente o uso de armas químicas, com o apoio do governo russo, aliado de Bashar Al-Assad. Além disso, haviam ameaçado responder, caso houvesse interferência militar estadunidense na região. À data, o então presidente Donald Trump postou em suas redes sociais (hoje banidas) que a Rússia “se preparasse”, pois “eles [os mísseis] virão, bons e novos e ‘espertos’” [tradução livre]. A região em que ocorreu o ataque, Ghouta Oriental, é a última ainda sob controle dos opositores ao governo sírio. O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas não conseguiu aprovar a resolução necessária para a criação de uma investigação sobre o caso.

Trump taunts Russia on Syria strikes, but calls for end to arms race - Axios

Tuíte de Donald Trump em sua antiga conta, agora banida (Fonte da imagem em cache: Axios)

Em março de 2021, a representante oficial do Ministério das Relações Exteriores da Rússia denunciou que existe uma demonização do país por parte dos Estados Unidos e afirmou que Biden deve se comprometer a mudar a agenda ideológica estadunidense. Considerando-se o histórico turbulento entre os dois países e as movimentações mais recentes no tabuleiro internacional, não existem expectativas – nem no curto, nem no médio prazo – de uma normalização das relações bilaterais entre Rússia e Estados Unidos.

 

* Ingrid Cagy Marra é graduanda do curso de Relações Internacionais da UFRJ (IRID-UFRJ) e integrante do Laboratório Orti Oricellari de Economia Política Internacional, onde pesquisa moeda enquanto instrumento de pressão política em países não-alinhados à hegemonia estadunidense, hierarquia monetária internacional e criptomoedas. Participa, desde 2020, do Grupo de Estudos em Neurociências da Universidade Estadual do Norte do Paraná. Seu último trabalho foi o artigo As sanções econômicas estadunidenses ao Irã à luz do COVID-19, publicado em 2020 na Revista Diálogos Internacionais (IRID/UFRJ). Contato: Linkedin.

** Recebido em 21 abr. 2021 e publicado sob a supervisão da editora do OPEU, Tatiana Teixeira. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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