Reuniões indiretas em Viena devem levar à retomada do acordo com Irã
Representantes da União Europeia e do Irã participam das conversações nucleares iranianas no Grand Hotel, em 6 abr. 2021, em Viena, Áustria (Crédito: Delegação da União Europeia em Viena/Getty Images)
Por Solange Reis*
Durante a campanha presidencial, Joe Biden anunciou que pretendia recolocar os Estados Unidos no Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA, na sigla em inglês). Esse acordo de 2015 foi negociado entre as principais potências mundiais e o Irã para definir os limites do programa nuclear iraniano. Em troca da suspensão de sanções vigentes na época, o Irã aceitou limitar seu desenvolvimento nuclear a níveis básicos.
Três anos depois, o então presidente Donald Trump renunciou ao acordo, sob a alegação de que o Irã violava o combinado. A decisão unilateral de Trump não teve apoio dos demais signatários – China, Rússia, Reino Unido, França e Alemanha – nem foi corroborada pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), encarregada até hoje de fiscalizar as instalações nucleares iranianas. Mesmo assim, a Casa Branca seguiu com o rompimento e adotou a política de “pressão máxima”. Retomou antigas sanções econômicas contra o Irã e impôs 1.500 novas.
Quando era vice-presidente, Biden foi uma peça-chave na negociação do JCPOA, um dos poucos feitos positivos do governo Obama em política internacional. Eleito como presidente, não há dúvida de que planeja voltar para o acordo. Mas o democrata precisa receber do Irã alguma coisa em troca. Sem isso, terá dificuldade para conseguir que o Congresso suspenda as sanções. É por isso que sua equipe participa neste momento, em Viena, de reuniões indiretas com o Irã.
Parágrafo 36
Sob qualquer perspectiva que se veja a situação, quem violou o JCPOA foram os Estados Unidos, pois não havia qualquer prova de que o Irã descumprisse as normas. Mesmo depois da saída unilateral dos americanos, o governo iraniano ficou em conformidade por alguns meses depois disso.
O descumprimento parcial aconteceu somente a partir do ano seguinte, sobretudo, após os assassinatos de duas figuras nacionais de relevância. No início de 2020, um ataque com drone dos Estados Unidos matou o general Qasei Soleimani, maior autoridade militar do Irã, quando ele desembarcava no aeroporto de Bagdá. Segundo um relatório da ONU sobre assassinatos extrajudiciais, o ataque foi ilegal. Outro atentado posterior, cuja autoria é atribuída pelo Irã a Israel, causou a morte do principal engenheiro nuclear iraniano, Mohsen Fakhrizadeh.
Recentemente, o Irã reduziu os acessos da AIEA às instalações nucleares em seu território, descumprindo o Protocolo Adicional do JCPOA. Todas as quebras de contrato por parte do Irã estão, no entanto, amparadas no parágrafo 36 do JCPOA, ao passo que as dos Estados Unidos se baseiam apenas em sua capacidade de agir unilateralmente sem ser punido pela chamada “comunidade internacional”.
Biden tem pressa
Para retomar o JCPOA, Biden exige que o Irã volte a cumprir todas as normas e aceite novas contrapartidas. E o democrata tem urgência. A pressão para que isso aconteça é grande por parte dos aliados europeus, assim como de alguns integrantes do Partido Democrata. Neste mês, 27 senadores democratas enviaram uma carta ao presidente, defendendo a retomada das negociações. O objetivo não foi pressionar Biden, mas mostrar aos democratas e republicanos contrários ao acordo que o presidente tem suporte no Senado.
Outro motivo é não prejudicar alguns políticos iranianos na próxima eleição de junho. É o caso do atual presidente, Hassan Rohani, e do ministro das Relações Exteriores, Mohammad Javad Zarif. Embora não sejam da oposição iraniana, a qual os Estados Unidos preferiam ver no poder, eles são vistos pelos americanos como moderados. O fracasso em renegociar o acordo e a manutenção das sanções poderiam favorecer candidatos menos conciliadores, o que tenderia a agravar a tensão entre os dois países e a situação no Oriente Médio.
Os Estados Unidos não têm apenas uma visão de curto prazo. Visam a negociar novas cláusulas para quando algumas das atuais caducarem, no que seria a moeda de troca com o Irã para que Biden convença o Congresso a suspender as sanções. O problema é que as propostas para o JCPOA 2.0 não se limitam aos tópicos do programa nuclear, estendendo-se à estratégia militar iraniana no Oriente Médio. O Irã alega que as sanções de Trump não estão relacionadas com o JCPOA, mas com a contenção dos interesses iranianos na região, algo quase impossível de se negociar no âmbito doméstico.
O lado iraniano
O Irã quer a suspensão imediata de todas as sanções e a liberação de fundos bloqueados internacionalmente, assim como o fim do boicote às suas exportações de petróleo. Desde que as sanções voltaram a vigorar, a venda de petróleo para o exterior caiu 80%, e a economia sofreu uma queda de 12%.
Esses entraves foram especialmente trágicos com a pandemia, pois o Irã tem dificuldades para financiar e transacionar a compra de equipamentos médicos e remédios. Especificamente para solucionar isso, o país demanda o descongelamento imediato de US$ 7 bilhões em bancos sul-coreanos. A Coreia do Sul diz que o fará somente com a autorização do Fed, o banco central americano.
Outra exigência iraniana é a de que o JCPOA inclua uma cláusula prevenindo que qualquer presidente dos Estados Unidos possa renunciar ao acordo de forma unilateral no futuro.
Conversas indiretas
Com o objetivo de acelerar o processo de retomada, negociadores americanos participam das atuais reuniões, em Viena, para tentar chegar a um consenso entre todos os signatários do JCPOA. Irã e Estados Unidos, que não têm relações diplomáticas desde 1980, negociam de forma indireta com a ajuda de Reino Unido, França e Alemanha.
As perspectivas são boas, mas há desafios. Em meados de abril, um ataque atingiu Natanz, a principal instalação nuclear em Teerã. Para o governo iraniano, Israel foi responsável pelo ataque, acusação que não foi rejeitada pelo governo israelense. A imprensa israelense e internacional já começa, porém, a divulgar testemunhos de que o Mossad, agência de Inteligência israelense, teria sido realmente responsável pela explosão. Coincidentemente, ou não, o secretário de Defesa dos EUA, Lloyd Austin, estava em visita oficial a Israel naquele dia.
Quem quer que tenha planejado o ataque, imaginou que o Irã responderia de alguma forma e, com isso, inviabilizaria as negociações indiretas. De fato, menos de 24 horas depois, o Irã anunciou que enriquecerá urânio a 60%. Esse percentual está bem longe dos 3,7% definidos no JCPOA e muito próximo dos 90% necessários para desenvolver uma bomba nuclear. Em termos práticos, em menos de um ano o Irã estaria apto a desenvolver uma bomba nuclear.
Até o momento, o governo Biden apenas criticou a notícia do aumento do enriquecimento de urânio, não tomando qualquer atitude mais assertiva. Isso é um bom sinal para o desdobramento das negociações em Viena e um péssimo presságio para os detratores do acordo. Segundo o site de notícias Axios, agências de Inteligência israelense consideram muito provável que as atuais conversas na Áustria resultem em retomada do JCPOA pelos Estados Unidos. O desafio para os europeus é convencer um dos lados a ceder.
* Solange Reis é doutora em Ciência Política pela Unicamp, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu). Contato: reissolange@gmail.com.
** Recebido em 18. abr. 2021. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.