Eleições

O primeiro voto para presidente nos EUA

Eleitor da Flórida usa luvas para votar em meio à pandemia (Crédito: Zack Wittman/The Washington Post via Getty Images)

Crônicas de uma brasileira em NYC

Por Yedda Araújo*

Esta foi a primeira vez que votei para presidente aqui nos Estados Unidos. E não poderia ser em uma eleição mais importante.

Depois de passar pela derrota da democrata Hillary Clinton em 2016, estamos vivendo há quatro anos em um país muito diferente. Os incidentes racistas e xenófobos aumentaram exponencialmente desde que Donald Trump anunciou sua candidatura à Presidência em 2015. Sem medo de represálias e de críticas, Trump não pede desculpas, nem assume responsabilidades pelos erros de seu governo, o que ajudou a dividir ainda mais a opinião do país.

Há quatro anos, democratas e liberais se juntam para criticá-lo, e republicanos se contorcem para justificá-lo, o que transformou essa eleição presidencial em uma verdadeira batalha.

Voto pelo correio

Aqui, podemos votar antes do dia da eleição. Também temos a opção de votar pelo correio, quando pedimos que nossa cédula eleitoral seja enviada para nossa residência. Então, precisamos apenas preenchê-la e colocá-la nos correios. A cédula também pode ser depositada em uma das várias caixas eleitorais localizadas nos postos de votação.

É preciso atenção, porque cada estado tem sua própria regra de envio postal para validar o voto, o que pode gerar confusão e acabar invalidando muitos deles. Alguns estados requerem que a cédula seja colocada dentro de dois envelopes e tenha duas assinaturas e data nos envelopes (a sua e a de uma testemunha), outros, somente a sua assinatura e um envelope para a cédula.

Beatrice Lumpkin, 102-year-old former teacher, casts her vote-by-mail ballot in Chicago. Photo: Reuters
Beatrice Lumpkin, uma professora aposentada de 102 anos, vota pelo correio em Chicago (Crédito: Reuters)

Um amigo me avisou que também podemos rastrear nossa cédula (elas têm código de barra) para verificar se já foram entregues à Comissão Eleitoral e contadas. Fiz isso no início do mês e minha cédula já havia sido entregue, considerada válida e contada. Eu votei em 25 de outubro.

Devido à pandemia da covid-19, existiu desde cedo uma grande campanha para que todos os estados expandissem o acesso ao voto pelo correio, especialmente para garantir a saúde das pessoas mais vulneráveis.

Policiais e bombeiros com Trump

Aqui em NY, onde moro, engana-se quem pensa que todo mundo vota em Joe Biden. A maioria da pessoas que conheço, sim. Porém existe um grande grupo que (ainda) vota no presidente Trump. No dia seguinte do primeiro debate presidencial, vi duas bandeiras de apoio a ele erguidas na minha rua, na minha quadra, em Astoria, bairro do condado de Queens.

Tenho amigos que conhecem empresários, donos de pequenas empresas, que votaram nele porque acreditam que será melhor do ponto de vista fiscal (apesar de serem originalmente imigrantes – um grupo atacado com frequência pelo presidente).

Um casal de amigos, que votou nele em 2016, com um filho gay – que corre o risco de perder direitos agora com uma Suprema Corte ultraconservadora –, votou nele novamente. Essa mesma família também paga um plano de saúde caro e sofre de vários problemas de saúde – o que seria um grande problema com uma vitória de Trump e a potencial derrubada do plano de saúde do presidente Barack Obama. Mesmo assim, continuam acreditando em sua mensagem.

Eles moram em Long Island, uma parte de NY que não é considerada da cidade, mas do estado, embora seja perto do Queens e do Brooklyn. Essa é uma área grande, com condados predominantemente brancos. Uma outra área com um grande percentual de eleitores do presidente Trump é Staten Island, onde moram muitos policiais e bombeiros.

Amigos e conhecidos mais liberais (ou progressistas, para ficar mais claro aí no Brasil) eram os mais preocupados com a situação atual e a possibilidade de uma reeleição republicana. Estes foram os que passaram horas a fio em filas para votar antes do dia 3, ou que enviaram as cédulas pelo correio semanas antes, incluindo aqueles que votaram pela primeira vez, como duas conhecidas minhas. Eu mesma as ajudei a se registrarem para votar.

Quando fui votar, a fila no meu local de votação aqui em Astoria, Queens, virava a quadra. Ouvi falar que eram por volta de duas horas de espera. Por sorte, não esperei nada, pois já tinha preenchido minha cédula e fui até lá somente para entregá-la. Depositei o envelope com minha cédula dentro da urna, peguei meu adesivo de “I Voted Early” e fui embora.

As filas em todos os locais de votação foram gigantescas. Alguns conhecidos me contaram que esperaram 2, 3 e até 4 horas para votar, tanto em Manhattan, quanto no Brooklyn, ou no Queens. A demanda foi tão grande que a Comissão Eleitoral abriu novos postos de votação para aliviar esse fluxo.

Eleitores fazem uma longa fila para votar antecipado, no Bell Auditorium, em Augusta, Geórgia, em 12 out. 2020 (Crédito: Michael Holahan/The Augusta Chronicle via AP)

Redutos conservadores

A polarização não é tão grande aqui. NY é uma cidade, que, apesar de já ter tido um prefeito republicano (Rudolph Giuliani – que hoje é advogado do presidente), é amplamente liberal (no sentido político). É muito difícil presenciar um conflito explícito e aberto entre conservadores e liberais aqui, a não ser quando acontecem protestos e policiais e manifestantes se enfrentam, especialmente depois que o sindicato da categoria resolveu apoiar a candidatura do atual presidente à reeleição.

Historicamente, policiais e bombeiros têm uma tendência conservadora, e muitos vêm de famílias italianas e irlandesas. Apesar de terem sofrido muito preconceito quando imigraram muitas décadas e gerações atrás, estas famílias se consideram 100% americanas e não se veem mais como imigrantes, um fator que ajuda em suas visões conservadoras.

O meu bairro, Astoria, era historicamente de imigrantes italianos e gregos. Com o tempo, os brasileiros foram chegando e mudando a cara da vizinhança. Hoje, além dos restaurantes, padarias e mercadinhos gregos e italianos, também é fácil achar o comércio brasileiro. Mais tempo se passou, e vieram os latino-americanos, árabes e os “brancos”. Estes últimos são americanos que moravam em Manhattan e, finalmente, descobriram que aqui o aluguel é mais barato. Em geral, é uma turma jovem, na casa dos 20-30 anos de idade.

Quando ando por aqui, identifico com facilidade os italianos e gregos que são moradores antigos. Vários batem ponto cativo em frente à padaria, ou à associação cultural. São também aqueles que adoram sentar nos degraus de suas casas para conversar com os vizinhos. Também são os que tendem a votar nos republicanos, em função da agenda migratória. Percebi isso claramente nas poucas vezes em que tive a “ousadia” – eu, brasileira, de pele morena – de comprar pão na padaria deles. Reparei como os que estavam do lado de fora, conversando, olhavam para mim, de forma pouco amigável, ao me verem entrar.

Como eu disse: os conflitos não são explícitos.

Em toda a parte, aqui vemos pessoas com os adesivos de “I Voted Early” que ganhamos nos postos de votação, com bottons de seus candidatos (entenda-se: do Biden. Ainda não vi nenhum do Trump, já que seus eleitores criticam o voto pelo correio e insistem em falar em fraude eleitoral), com camisas fazendo alusão às eleições, ou a alguma causa social.

Crédito: Arquivo pessoal, Longa fila para votar antecipado, Museum of the Moving Image, Astoria, NYC, 25 out. 2020

É a mesma coisa nas mídias sociais. De amigos a conhecidos, passando pelos artistas locais (Patti Smith e sua filha, Jesse Paris Smith; Bruce Springsteen e Patti Scialfa, por exemplo): por todos os lados, estamos vendo mensagens de apoio aos candidatos (mais uma vez, entenda-se: Biden) e de incentivo ao voto. São poucas as “celebridades” locais que se manifestam em rede social, incentivando o voto, sem declarar publicamente em quem vão votar.

No dia das eleições, apesar de já ter votado, resolvi passar em alguns postos de votação para ver como estava o movimento. Não havia fila em lugar algum. Fui a três postos no Queens – dois em Astoria (à tarde), e um, em Forrest Hills (à noite). Duas amigas também me relataram que foram votar, e não havia fila. Imagino que isso tenha acontecido pela grande campanha para que votássemos pelo correio, ou antecipado.

Quatro dias. Foram necessários quatro dias até termos com certeza o nome do candidato vencedor da eleição presidencial. Logo que Joe Biden foi declarado vencedor, as ruas de NY foram tomadas por pessoas comemorando. Em Manhattan, Queens, Brooklyn… Quem estava nas ruas celebrava o mesmo que eu: a esperança de alguma mudança depois de quatro anos de medo. Medo de perder planos de saúde, medo de ser deportado, medo de ser preso sem motivo, medo de ser discriminado e seu governo não proteger você.

 

* Yedda Araújo é tradutora e intérprete. Brasileira, vive há 22 anos nos EUA. Contato: yedda@sugarloaftranslations.com, pelo Twitter, ou LinkedIn.

** Recebido em 7 nov. 2020. Este relato não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

Realização:
Apoio:

Conheça o projeto OPEU

O OPEU é um portal de notícias e um banco de dados dedicado ao acompanhamento da política doméstica e internacional dos EUA.

Ler mais