Israel, Irã e Palestina no apagar das luzes do governo Donald Trump
Patrick Semansky/AP
Por Robson Coelho Cardoch Valdez*
A abordagem da administração Trump para o Oriente Médio parece gravitar, realmente, sobre o papel de Israel na região. Nesse sentido, destaca-se o Plano Trump para a resolução da questão palestina que conta com o apoio político do Conselho de Cooperação do Golfo (Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Kuwait, Omã, Bahrein e Catar) no sentido de criar as condições para a normalização das relações entre árabes e israelenses. Partindo-se dessa perspectiva, é possível identificar a operacionalização dos acordos de normalização das relações Israel-Emirados e Israel e Bahrein, firmados em setembro. Ambos os pactos foram assinados de modo a consolidar o Peace to Prosperity como um recomeço das relações de Israel com o Oriente Médio.
Passadas as eleições, e ainda sem reconhecer sua derrota nas urnas, a administração Trump parece querer tratar seu relacionamento com Israel como se nada importante tivesse acontecido.
Além de contar com um sólido suporte de democratas e republicanos, que garantiu a Israel décadas de importante ajuda financeira ao seu desenvolvimento econômico e militar, é possível dizer que a administração Trump fez movimentos sensíveis favoráveis aos israelenses em detrimento de interesses de terceiros: Trump reconheceu Jerusalém como capital de Israel, promovendo a mudança da embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém; reconheceu a soberania de Israel sobre as Colinas de Golã; apresentou um plano de paz unilateral que traz uma série de vantagens a Israel; promoveu a normalização das relações diplomáticas de Israel com EAU e Barein; e ajudou a endurecer o cerco ao Irã. Grandes conquistas para os israelenses em apenas quatro anos.
Dessa forma, a visita do secretário de Estado americano, Mike Pompeo, a Israel, em 19 de novembro, foi marcada por simbolismos em apoio aos interesses de Israel na região. Pompeu se encontrou com o premiê Benjamin Netanyahu e com o ministro das Relações Exteriores do Bahrein, Abdellatif al-Zayani, na primeira visita oficial de uma autoridade barenita a Israel, e esteve em uma vinícola (Psagot) em um assentamento israelense ilegal na Cisjordânia. Demonstrações inequívocas de apoio americano a Israel.
É importante lembrar que, há um ano, os Estados Unidos não consideram que os assentamentos israelenses na Cisjordânia estejam em desacordo com o direito internacional. Não por acaso, um dos vinhos comercializados pela vinícola Psagot, cujos proprietários constam na lista de principais doadores da campanha de Trump, recebeu o nome de Pompeo.
Ao lado de Netanyahu, Mike Pompeo afirmou que os Estados Unidos veem a campanha internacional Boycott, Divestment, Sanctions (BDS) como uma política antissemita. Nesse sentido, os EUA cortarão o apoio a qualquer organização que demonstre respaldo ao BDS, uma forma de coagir governos e ONGs a não aderirem a qualquer espécie de movimento anti-Israel.
Palestinos protestam próximo à colônia israelense de Psagot contra visita de Pompeo, 19 nov. 2020 (Crédito: AFP)
Outro ponto de parada de Pompeu nessa visita a Israel foi em mais um assentamento ilegal em território ocupado nas Colinas de Golã – uma provocação ao Irã, principal aliado da Síria na região.
Repercussões
A viagem de Pompeo deve ser entendida dentro das sondagens recentes feitas pelo presidente Donald Trump a assessores sobre a possibilidade de atacar o Irã. Trump foi convencido do contrário por seus conselheiros, entre eles o próprio Mike Pompeo. Outras medidas, como novas sanções econômicas ao Irã, parecem, no entanto, estar sendo avaliadas. Soma-se a isso o fato de a visita de Pompeo a Israel ter acontecido na mesma semana em que a Força Aérea israelense anunciou ataques a alvos das forças iranianas e das Forças Armadas sírias na região das Colinas de Golã.
Ainda que esteja ciente dos efeitos de um eventual ataque americano ao Irã sobre todo o Oriente Médio, o presidente Trump tem-se notabilizado por seu temperamento impulsivo. A recusa em aceitar sua derrota nas eleições do último dia 3 de novembro, assim como sua recusa de permitir a criação de uma equipe de transição para a transmissão do poder a Joe Biden, apenas reforçam as preocupações sobre os últimos dias do republicano na Casa Branca.
Nesse sentido, é preciso lembrar que Trump, diferentemente de Biden, sempre se opôs ao acordo nuclear com o Irã e cumpriu sua promessa de campanha de retirar os Estados Unidos do Plano Conjunto de Ação Abrangente (JCPOA, na sigla em inglês) de 2015, além de reforçar as sanções americanas contra o país persa. Assim, é possível cogitar que a recente retomada do enriquecimento de urânio por parte do Irã seja vista por Trump como uma provocação que não possa ficar sem uma resposta por parte de sua administração.
Caso o presidente Trump tenha sido efetivamente convencido a abandonar a ideia de atacar o Irã, é possível que vejamos o endurecimento do cerco político a esse país nos últimos 60 dias da administração Trump. Da mesma forma que o Acordo do Século e os Acordos de Abrão criaram as condições para aglutinar países do CCG e Israel no sentido de isolar o Irã, é possível que o governo Trump busque medidas para enfraquecer seus aliados no Oriente Médio, como a Irmandade Muçulmana no Egito e os rebeldes huthis no Iêmen, rotulando-os oficialmente de terroristas.
Por fim, Mike Pompeo é um dos personagens da administração Trump que deve ser observado. O secretário de Estado se tornou o rosto da política externa de Donald Trump que tem tido um apelo muito forte junto ao eleitorado conservador nos Estados Unidos: apoio irrestrito a Israel; condenação às restrições à liberdade religiosa; contrariedade explícita à política chinesa para Taiwan e Hong Kong; agenda global antiaborto; e uma série de investidas conservadoras na tentativa de frear pautas progressistas em acordos internacionais. Assim, especula-se que Pompeo possa ressurgir como um forte candidato republicano para disputar a presidência dos Estados Unidos em 2024.
Biden e os Palestinos
As autoridades palestinas consideraram a visita de Mike Pompeo ao assentamento israelense na Cisjordânia mais um ato de provocação. Especialmente em se tratando de uma ação que acontece, praticamente, no apagar das luzes do governo Trump. Em todo caso, ainda que os palestinos já conheçam as impressões de Biden sobre a Questão Palestina, mais alinhada ao consenso da comunidade internacional, é pouco provável que o novo presidente dos Estados Unidos promova grandes mudanças. Espera-se, contudo, que a próxima administração busque corrigir os rumos da política externa americana naquilo que seja politicamente viável.
O então presidente Barack Obama e seu vice, Joe Biden, com o presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, no Salão Oval da Casa Branca, Washington, D.C., 28 maio 2009 (Crédito: Pete Souza/Fotógrafo oficial da Presidência na gestão Obama)
Biden já declarou, por exemplo, ainda durante a campanha eleitoral, que não irá reverter a decisão de Donald Trump de mudar a embaixada americana de Tel Aviv para Jerusalém. Sinalizou, no entanto, que reabriria o consulado americano em Jerusalém Oriental como forma de manter os palestinos na mesa de negociações. É importante ressaltar que, como senador pelo estado de Delaware, Joe Biden votou favoravelmente a essa medida quando ela foi posta em plenária no Congresso norte-americano, em 1995. Biden avalia, porém, que Trump deu essa vantagem a Israel sem qualquer compromisso, por parte dos israelenses, com a resolução do conflito Israel-Palestina.
Quanto à anexação de territórios palestinos na Cisjordânia, Biden os vê como um obstáculo à paz, da mesma forma que o ex-presidente Barack Obama. Para os palestinos, uma solução de compromisso dos israelenses com o fim de seus assentamentos ilegais é condição necessária para o retorno das autoridades palestinas ao diálogo. Nesse sentido, a maior dificuldade recai na visão do presidente eleito de que, embora defenda uma solução de dois Estados com base nas linhas territoriais pré-1967, ele endossa a ideia de que israelenses retenham os assentamentos mais antigos na Cisjordânia.
Quanto ao Acordo do Século, Biden já havia demonstrado sua contrariedade. Dessa forma, é provável que ele seja retirado da mesa de negociações, muito embora esse acordo já tenha tido o efeito prático de enfraquecer o tradicional consenso da comunidade dos países árabes em torno de demandas palestinas no âmbito de suas negociações com Israel, como, por exemplo, a criação de um Estado palestino que respeite as linhas territoriais pré-1967.
Por fim, espera-se que a administração Biden retome os canais oficiais de relações diplomáticas com as autoridades palestinas, reabrindo o escritório da Organização para Libertação da Palestina (OLP), em Washington. O local foi fechado meses após Trump anunciar a mudança da embaixada americana para Jerusalém. Dessa forma, o retorno dos democratas à Casa Branca é o ponto final de um período de importantes adversidades para os palestinos, que testemunharam a deterioração de sua capacidade de negociação frente a uma sucessão de vitórias políticas israelenses que impedem a criação de um Estado palestino minimamente próximo daquilo que a comunidade internacional e os palestinos desejam há tanto tempo.
* Robson Coelho Cardoch Valdez é pós-doutorando em Relações Internacionais IREL/UnB, doutor em Estudos Estratégicos Internacionais (UFRGS) e pesquisador do Núcleo de Estudos Latino-Americanos/IREL-UnB. Autor dos livros Política Externa e a Inserção Internacional do BNDES no Governo Lula (Appris, 2019) e Subindo a Escada – a internacionalização de empresas nacionais no Governo Lula (Appris, 2019). Contato: robsonvaldez@hotmail.com.
** Recebido em 19 nov. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.