Integrantes do The Squad obtêm vitórias expressivas
(Da esq. para dir.) Em entrevista coletiva em Washington, D.C., em 15 jul. 2019, as representantes Ayanna Pressley, Alexandria Ocasio-Cortez, Rashida Tlaib e Ilhan Omar reagem aos ataques do presidente Trump no Twitter (Crédito: Jim Lo Scalzo/EPA)
Por Isabelle C. Somma de Castro*
Eram os primeiros dias da legislatura que começava em 2019. Quatro recém-eleitas congressistas do Partido Democrata foram convidadas a tirar uma foto juntas. Além de serem mulheres e novatas no Congresso, todas tinham em comum serem “person of colour” com menos de 50 anos. Logo foram apelidadas de “The Squad”. A alcunha pegou, principalmente por descrever adequadamente o posterior engajamento delas em pautas identificadas como progressistas. Isso também as tornou alvos preferenciais de ataques do presidente Donald Trump, muitos deles racistas.
A mais famosa entre as quatro é Alexandria Ocasio-Cortez. Filha de imigrantes porto-riquenhos, AOC, como é mais conhecida, era uma bartender antes de desbancar um dos maiores nomes do Partido Democrata em Nova York nas primárias de 2018. Conseguiu, em sua primeira tentativa, ser eleita pelo distrito 14, que representa partes do Queens e do Bronx. Aos 29 anos, foi a representante do sexo feminino mais jovem a assumir como congressista. Na época, muitos consideraram sorte de iniciante.
AOC foi bastante atuante durante seu primeiro mandato e se destacou pela defesa de pautas como o investimento em energia renovável, plano de saúde abrangente a todos, taxação sobre grandes fortunas e ampliação de direitos para os trabalhadores. Fez campanha incansável contra o projeto da gigante Amazon de instalar um grande depósito no Queens – os críticos previam a gentrificação do bairro, expulsando milhares de moradores. O governador de Nova York, o democrata Andrew Cuomo, defendia a companhia, pois acreditava que criaria 25 mil empregos. A pressão deu certo, e a Amazon desistiu do plano.
A briga com Cuomo e com outros democratas mais conservadores fez de AOC um alvo preferencial para críticos, dentro e fora do partido. Nas primárias democratas deste ano, AOC enfrentou uma oponente mulher e latina: Michelle Caruso-Cabrera. Mas as semelhanças paravam por aí: Michelle era uma ex-republicana que morou em um dos vários prédios de Manhattan com o nome de Trump Tower antes de se mudar para o Queens e trabalhava na CNBC. Ganhou o apoio de grandes doadores, especialmente de Wall Street, e houve quem achasse que a própria sigla investia contra ela. Resultado: AOC amealhou mais de 70% dos votos das primárias e 65,5% na eleição de 3 de novembro.
AOC ainda colecionou inúmeros ataques de republicanos. Trump, via Twiter, não se cansou de ser deselegante com a nova-iorquina. Um congressista republicano chegou a chamá-la de “nojenta” e usar palavrões em referência à colega. Por um lado, muitas vezes, os ataques estão relacionados a sua origem humilde, que é usada de forma desqualificadora. Por outro, a escolha de sua família de se mudar para um subúrbio mais abastado quando ela tinha 5 anos, a fim de buscar uma escola melhor, é usada para acusá-la de elitista. AOC se formou na Universidade de Boston.
Cori Bush, em um dos protestos contra a violência policial (Crédito: Michael B. Thomas/Getty Images)
Outra integrante do Squad que venceu em 2018 as primárias de um democrata que servia há muitos como congressista foi Ayanna Pressley. Ela fez história ainda por ser a primeira mulher negra a ser eleita para ocupar um assento no Congresso pelo estado de Massachusetts. Pressley já havia trabalhado para grandes nomes democratas como Joseph Kennedy II e John Kerry. Em 2020, foi reeleita de forma incontestável, com mais de 85% dos votos.
Pressley é a menos alinhada ao grupo: já disse que o Squad não é um monólito, apesar de sempre se mostrar solidária com as demais integrantes do grupo. Foi a única das quatro a não apoiar Bernie Sanders à Presidência. Preferiu a senadora pelo seu estado, Elizabeth Warren, que também é considerada progressista. Pressley foi a única do grupo a votar a favor de uma resolução do Congresso condenando o movimento Boycott, Divestment and Sanctions (BDS), que luta contra a ocupação israelense em territórios reconhecidos por inúmeras decisões da ONU como sendo pertencentes aos palestinos.
A questão palestina, aliás, também une as demais integrantes. Rashida Tlaib é de origem palestina e foi reeleita em 2020 como representante de um distrito de Michigan, com mais de 65% dos votos. Assim como Rashida, Ilhan Omar também é muçulmana, mas ao contrário da colega, usa o véu, o que a fez entrar para a história como a primeira congressista a se apresentar cobrindo os cabelos, devido a sua fé. Omar é uma refugiada da Somália, de onde veio com 12 anos com os pais e irmãos. Ambas são engajadas na luta em favor da autodeterminação palestina.
Já tentaram visitar a avó de Rashida, mas o governo israelense barrou a entrada de ambas as congressistas americanas. Qualquer outro governo, que não fosse o de Donald Trump, protestaria. Mas o republicano chegou a dizer que seria uma demonstração “de grande fraqueza”, se elas fossem admitidas por Israel. Trump chegou ainda a tuitar que os EUA não era o país de Ilhan, apesar de ela ser cidadã americana. Os eleitores de Minnesota a reelegeram com 64% dos votos.
As quatro também são alvo de hostilidade dentro do próprio partido. AOC, Ayanna, Ilhan e Rashida entraram em rota de colisão com a liderança democrata ao serem as únicas do partido a votarem contra um projeto de lei que previa um investimento extra de US$ 4,5 bilhões para alimentação e abrigo de imigrantes ilegais detidos por patrulhas da fronteira. Elas consideraram o orçamento modesto e foram duramente criticadas pela presidente da Câmara de Representantes e líder democrata, Nancy Pelosi (D-CA).
Mas o sucesso, e por que não dizer, a resiliência das integrantes do Squad provavelmente inspiraram outros novatos. As quatro receberam ajuda do grupo Justice Democrats, que promove o financiamento de candidaturas progressistas com dinheiro de pequenos doadores, em 2018 e no último pleito.
Agora, além das quatro, o grupo conseguiu eleger pelo menos mais seis congressistas (entre figuras novatas e reeleitas). Entre elas, está Cori Bush, uma das líderes dos protestos em Ferguson (Missouri), após o assassinato de um menino negro em 2014 por um policial. E Jamaal Bowman, da cidade de Nova York, que tem uma plataforma baseada em reforma da justiça criminal, moradia popular, educação pública de qualidade, além de apoiar o Green New Deal e o Medicare for All. Bowman, assim como AOC, que o apoiou, é filiado ao Democratic Socialists of America. Parafraseando uma das frases em destaque no site do Justice Democrats, parece que “The Squad is growing” (o Squad está crescendo).
* Isabelle C. Somma de Castro é bolsista Fapesp de pós-doutorado no Departamento de Ciência Política da Universidade de São Paulo e pesquisadora do Núcleo de Pesquisas em Relações Internacionais (Nupri-USP). Faz parte do Grupo de Pesquisa Tríplice Fronteira e Relações Internacionais (GTF/Unila) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU). Foi Visiting Scholar 2018-2019 no Arnold A. Saltzman Institute of War and Peace Studies, Universidade de Columbia, com bolsa Fapesp. Contato: isasomma@hotmail.com.
** Recebido em 11 nov. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.