Há vantagem ou novidade no Protocolo Comercial entre Brasil e Estados Unidos?
Subsecretário de Estado americano para Crescimento Econômico, Energia e Meio Ambiente, Keith Krach, em encontro com empresários, economistas e jornalistas para discutira exclusão da chinesa Huawei do mercado brasileiro do 5G, em Brasília, 11 nov. 2020 (Crédito: Adriano Machado/Reuters)
Por Elisa Ferreira e Laís Thomaz*
No dia 19 de outubro, Brasil e Estados Unidos assinaram um chamado Protocolo que atualiza o Acordo de Comércio e Cooperação Econômica bilateral de 2011 conhecido como ATEC. A iniciativa versa sobre três assuntos: regras comerciais de facilitação de comércio, boas práticas regulatórias e medidas anticorrupção. Em outras palavras, o protocolo não trata de tarifas, então qual a vantagem?
O gesto aparentemente pode representar um aprimoramento da relação entre os dois países. Entretanto, é preciso compreender que, desde 2017, está em vigor um Acordo de Facilitação de Comércio (TFA, em inglês), dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC), que trata justamente desses temas. O TFA foi assinado na Conferência de Bali, em 2013. Ou seja, esses temas há pelo menos sete anos já são objeto deste acordo multilateral.
O Brasil ratificou o TFA em março de 2016, ainda no governo Rousseff e, desde então, medidas como single window, conhecida na versão brasileira como Portal Único, têm sido implementadas para justamente pôr em efetividade os compromissos assumidos.
Inclusive, a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil nº 1.598, de 2015, portanto no governo Rousseff, estabelece as medidas para a implantação do Programa Operador Econômico Autorizado (OEA) no Brasil, que atende o TFA. Em estudo de 2018, a CNI prevê que esse Programa multilateral pode adicionar “US$ 50,2 bilhões ao Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro até 2030”.
Desde 2015, representantes do Programa Brasileiro de OEA e do U.S. Customs and Border Protection’s (CBP) and Customs Trade Partnership Against Terrorism (CTPAT) dos Estados Unidos têm buscado avançar nos trabalhos para o reconhecimento mútuo de seus programas, tendo realizado a primeira reunião presencial em 2016.
Percebe-se, desta forma, na intervenção do lado norte-americano, a capacidade de somar interesse econômico com os outros de sua agenda estratégica. Do ponto de vista dos governos brasileiros, como os de qualquer Estado no mundo, vale indicar que o interesse pela expansão do comércio e dos investimentos existiu inclusive nos governos Rousseff, Temer e outros.
Embaixador brasileiro Nestor Forster Jr. e o USTR, Robert Lighthizer, na cerimônia de assinatura do Protocolo, em 19 out. 2020, em Washington, D.C. (Crédito: foto oficial)
O Anexo I do Protocolo recém-assinado inclui justamente previsões sobre a single window e Operadores Econômicos Autorizados. Afirmam eles próprios que expandem as regras do acordo assinado na OMC. Já o Anexo II do protocolo versa sobre boas práticas, buscando fazer referência ao que foi imposto no USMCA, acordo entre Estados Unidos, México e Canadá que substituiu o NAFTA.
Existem alguns pontos que chamam atenção da análise de risco regulatório que prevê cálculo dos custos e benefícios, de questões ambientais e sociais (trabalhistas) — temas que são sensíveis ao Partido Democrata nos Estados Unidos e alvo de críticas em vários acordos de livre-comércio que foram negociados previamente naquele país. Nesse quesito, também se abre uma brecha, ao mencionar que dados qualitativos podem ser utilizados quando há dificuldade de quantificar os dados por seu custo, ou por informações inadequadas.
No que tange ao Anexo III, há uma sobreposição da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção (2003), da Convenção Interamericana contra a Corrupção (1996) e da Convenção da OCDE sobre Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais (1997), ou seja, acordos que já deveriam também ser cumpridos por ambos os países em âmbito multilateral.
O que ajudava mesmo os exportadores brasileiros eram os benefícios do Sistema Geral de Preferências, mas em fevereiro de 2020, os EUA retiraram o Brasil dos benefícios de seu programa. O Departamento de Comércio dos Estados Unidos anunciou também que fará uso de medida antidumping sobre Folhas de Alumínio de liga comum para 18 países, incluindo o Brasil, que terá seus produtos taxados de 49,48% para 136,78%. Isso depois que o governo Bolsonaro atendeu, contrariamente aos interesses nacionais da bancada ruralista, à renovação da cota de importação do etanol americano, para favorecer os interesses eleitoreiros de Trump.
Ainda essa semana, o Export-Import Bank (EXIM) dos EUA, por meio de um Memorando de Entendimento, anunciou um financiamento de até US$ 1 bilhão (R$ 5,6 bilhões). Esta agência de crédito à exportação atua para atender aos interesses dos exportadores dos Estados Unidos. Nesse último anúncio, foram identificados que a utilização do recurso será para empresas das áreas de telecomunicações (incluindo 5G), energia (nuclear, petróleo e gás e renováveis), infraestrutura, logística, mineração e manufatura (incluindo aeronaves). Setores extremamente estratégicos. Em 1994, vale lembrar, o mesmo EXIM concedeu um financiamento de US$ 1,3 bilhão para a empresa americana Raytheon Corp. fornecer um Sistema de Vigilância da Amazônia. Em 2010, US$ 2 bilhões foram financiados destinados a atender exportadores de equipamentos americanos para a Petrobras.
Apesar dos discursos de afinidade entre o Planalto e a Casa Branca, as relações bilaterais fecharam o acumulado de janeiro a setembro em US$ 33,4 bilhões — o menor volume de comércio bilateral nos últimos 11 anos. Isso representa uma queda de 25% em relação ao mesmo período 2019. Se, por um lado, podem ser considerados os problemas da pandemia, do outro, no comércio com a China, não é observada essa tendência, tendo um aumento de 14,1% quando comparado com janeiro a setembro de 2019, segundo dados do ComexVis (Ministério da Economia).
Dessa forma, pelos dados, é factível que a vantagem desse protocolo pesa para o lado dos Estados Unidos. O candidato democrata Joe Biden tem sinalizado o quanto se importa com a questão da preservação da Amazônia em sua campanha, o que coloca esse tipo de protocolo suscetível a risco de não ter nenhum efeito, se ele conquistar o pleito.
* Elisa Ferreira é graduanda, e Laís Thomaz, docente, do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Goiás. Ambas são pesquisadoras do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).
** Publicado originalmente no blog Gestão, Política & Sociedade, do jornal Estadão, em 22 out. 2020. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.