Eleições

Último debate: Trump tenta recuperar aprovação e Biden defende economia dos ‘democratic socialists’

O presidente Trump e o candidato democrata, Joe Biden, no último debate, 22 out. 2020 (Crédito: AFP/Getty Images)

Este artigo é uma parceria do OPEU com o LAPPCOM-UFRJ

Por Samuel Braun*

Pandemia, sistema de saúde, migração, racismo, plano de socorro aos estados, salário mínimo, empregos, New Green Deal, mudanças climáticas e indústria do petróleo: temas que marcaram a disputa entre republicanos e democratas. Diferentemente do ocorrido em 29 de setembro, o debate entre o presidente Donald Trump e o ex-vice-presidente Joe Biden, no último 22 de outubro, teve confronto de ideias e clara diferenciação das propostas de cada candidato. Com os microfones cortados durante a resposta inicial do oponente, os candidatos eram levados a contrapor com argumentos, e não com interrupções, e isto fez toda diferença.

Acusações mútuas, pandemia e economia

Ainda assim, Trump falou praticamente cinco minutos a mais que Biden, pressionando a moderadora por alguns segundos ao final de cada disputa, buscando ficar com a última palavra em todos os temas. Biden, por sua vez, pressionou Trump pelo ônus da responsabilidade no longo primeiro bloco sobre a pandemia.

Trump buscou defender sua atuação, alegando que a pandemia atingiu países do mundo todo, e que a Europa está enfrentando nova onda de contágios mesmo tendo adotado o isolamento radical. Insistiu em uma promessa bombástica (e escorregadia) de que a vacina estará disponível em poucas semanas. Joe Biden centrou, por sua vez, ataques na negligência governamental com a chegada e com o avanço do vírus no país, lembrando incisivamente que Trump se negou à atitude simples e fundamental de usar máscaras – momento em que exibiu a sua, com a qual entrou no estúdio, ao contrário do rival republicano.

Biden seguiu criticando a demora de Trump em tomar as atitudes preventivas que os demais países tomaram e mencionou a recorrente fala do presidente de que o fim da pandemia estaria próximo, destacando que nenhum cientista do mundo faz esta afirmação. Aparentemente acuado, Trump apenas dizia que 99% das pessoas se curaram e que ele fechou as fronteiras do país — o que supostamente teria retardado a contaminação —, e que Biden foi publicamente contra essa medida. Em um mea-culpa, Trump tentou transparecer humildade, dizendo que estava aprendendo a conviver com o vírus. O ex-vice-presidente então respondeu que, enquanto Trump aprendia a conviver com o vírus, as pessoas morriam com o vírus e que, em janeiro, quando dizia para as pessoas não se preocuparem, o republicano já sabia da gravidade da pandemia. O próprio presidente reconheceu, em entrevista recente, ter conhecimento desse quadro.

Trump buscou girar o assunto para sua zona de conforto, a economia, dizendo que Biden e os democratas adotaram os shutdowns que destruíram empresas e empregos nos estados onde governam. Aos eleitores, afirmou que se Biden fosse o presidente, teria feito isso em todo país, levando as pessoas ao suicídio e à quebradeira geral. Trump ainda concluiu com uma hipérbole: “vejam Nova York, negócios fechando, um estado fantasma!”.

O ex-vice-presidente rebateu, afirmando que manteria os negócios abertos “com segurança”, provendo testes em massa e recursos financeiros necessários para os protocolos sanitários. Também criticou o fato de Trump não respeitar sequer os conselhos do prestigioso imunologista Anthony Fauci, responsável pela força-tarefa do governo federal contra a covid-19, e parodiou o republicano: “vejam Nova York, vejam a infecção caindo!”. Trump ainda conseguiu, no entanto, encaixar uma resposta apressada citando vários estados governados por democratas como exemplos de por onde a pandemia se alastrou, e a economia desandou.

Acusações mútuas, política externa e finanças pessoais

Após esse longo bloco, onde Biden acuou Trump, o debate seguiu para as relações externas. O presidente se apressou a “pessoalizar” o assunto, acusando Biden e sua família de receberem milhões de dólares da Rússia e de ser leniente com o avanço dos russos, enquanto foi vice-presidente de Barack Obama. Biden respondeu que, diferentemente de Trump, liberou seu sigilo bancário, o que comprovaria que não recebeu nada do exterior, ao passo que Trump teria uma conta bancária na China e negócios lucrativos neste país concorrente, enfatizando que Trump paga mais impostos pra China que para o próprio país que preside.

Trump tentou minimizar, dizendo que irá mostrar suas contas (sem dizer quando), que pagou “muito, muito dinheiro em impostos”, que tem contas em vários países — não apenas na China, pois é um homem de negócios — que os democratas usaram o FBI (a Polícia Federal americana) para espionar sua campanha e suas contas na eleição e não descobriram nada de irregular. Partiu, então, para o ataque contra o irmão de Biden, que estaria desempregado até Biden ser eleito e que, desde então, passou a “fazer milhões em negócios com o Iraque”.

Biden lembrou que, há quatro anos, Trump promete mostrar suas contas e não o faz e que chegou a dizer, certa vez, que não paga impostos porque é “esperto”. Em sua defesa, Biden afirmou ainda nunca ter feito nada antiético, ou inapropriado, e que no malsucedido processo de impeachment contra Trump, funcionários do governo relataram terem sido ameaçados pelo presidente para acusá-lo — e ainda assim estes agentes públicos testemunharam sua inocência. O democrata terminou com uma frase de efeito, olhando para a câmera: “não é sobre a minha família, ou a dele, mas sobre a sua!”.

Biden (à esq.) e Trump participam do segundo e último debate da corrida presidencial, mediado por Kristen Welker, na Belmont University, em 22 out. 2020, em Nashville, Tennessee (Crédito: Jim Bourg/Pool/Getty Images)

Após essa troca de acusações, a mediadora, Kristen Welker, buscou trazê-los para questões econômicas e políticas internacionais de interesse nacional. Biden então afirmou que, durante a gestão do republicano, a dívida americana na mão dos chineses cresceu. Trump não rebateu, mas factualmente esta dívida decresceu. Biden retomou um ataque feito no primeiro debate, sobre Trump ter abandonado os tradicionais aliados americanos para abraçar o presidente russo, Vladimir Putin, e que os Estados Unidos, como donos de ¼ da economia global, precisam ter estes aliados ao seu lado para ditar as regras aos chineses.

Já Trump ressaltou sua guerra comercial com a China, com a imposição de taxas sobre os produtos chineses, e buscou relacionar isso com os ganhos dos produtores nacionais americanos. Aproveitou para introduzir outro sensível tema internacional: a Coreia do Norte. Disse que Obama teria-lhe dito, na transição de governo, que estava prestes a entrar em guerra com o país asiático, porque eles não aceitavam sequer sentar para negociar. Trump emendou que os norte-coreanos não dialogavam com Obama, pois não confiavam nele. Apontou, como uma de suas conquistas diplomáticas, que retomou o diálogo com os norte-coreanos logo que chegou à Casa Branca, evitando uma guerra nuclear que custaria milhões de vidas.

Biden respondeu que a Coreia do Norte é um problema de segurança nacional e um perigo mundial e, por isso, os Estados Unidos precisam ter mísseis capazes de neutralizá-los. Negou que a falta de diálogo fosse culpa de Obama, já que, segundo ele, os governantes democratas conseguiram ter boa relação até mesmo com Adolf Hitler antes da Segunda Guerra Mundial. Na verdade, acrescentou, o rompimento das negociações se deu pela enfática posição dele e de Obama pela desnuclearização da Coreia do Norte. Essa citação do democrata ao líder nazista foi bastante explorada pelas mídias conservadoras durante e após o debate.

Acusações mútuas, Obamacare e pandemia

O terceiro bloco se concentrou no tema da saúde, sobretudo, na Affordable Care Act.

Trump atacou o Obamacare, dizendo que o melhorou como pôde, mas que a solução ideal é encerrá-lo e criar um novo modelo, que atenda as pessoas com problemas preexistentes. Acusou o Obamacare de estar acabando com os planos de saúde privados de 180 milhões de americanos e denunciou que os democratas querem fazer um “sistema de saúde socialista” – sem explicar o que isso significa exatamente.

Biden prontamente rebateu, dizendo que seu plano é o Obamacare com uma opção pública, o que vai reduzir o valor das mensalidades, inclusive dos demais planos de saúde, e que ele, diferentemente dos demais pré-candidatos democratas, apoia os planos privados de saúde, assim como os dos sindicatos. Lembrou ainda que, em quatro anos de governo, Trump não apresentou um plano concreto para a área de saúde.

Trump retrucou que Biden esteve no Congresso por 47 anos, e ainda na Casa Branca, como vice-presidente, por oito anos, e nada fez nesse sentido. E repetiu que a chapa de Biden é socialista. Para Trump, a senadora Kamala Harris está “à esquerda de Bernie Sanders [senador por Vermont e pré-candidato na atual disputa eleitoral]” e quer transformar a saúde dos EUA em um modelo socialista, “assim como querem fazer com o fracking”. Esta foi a primeira tentativa de Trump de inserir o tema da energia fóssil.

O presidente disse ainda que Sanders teria tentado fazer “uma saúde socialista” em seu estado – o que teria dado errado – e que, nacionalmente, isto destruiria a Seguridade Social. Biden o interrompeu para dizer que o candidato era ele, não Sanders, e que ele discorda dessas ideias “socialistas”, ao que Trump devolveu, referindo-se ao período de Biden no Congresso: “Ele tentou acabar com a Previdência. Olhem a história, olhem os registros. Se for eleito, o mercado de ações vai afundar!”.

Essa discussão sobre as ações levou o debate para o plano de incentivos à economia para se recuperar dos efeitos da pandemia. Trump acusou Nanci Pelosi, democrata que preside a Câmara de Representantes, de atrasar a aprovação do plano para prejudicá-lo, afirmando que ela pretende colocá-lo em votação somente após a eleição. Biden disse que esta alegação não era verdadeira e explicou: desde junho, os democratas tentam aprovar este plano, que não sai do papel porque o próprio líder republicano no Senado [Mitch McConnel] diz que Trump não tem os votos necessários. O vice de Obama completou, afirmando que já liderou um plano de socorro com sucesso, enquanto Trump prefere ver as pessoas padecerem.

Donald Trump disse, por sua vez, que o plano de Biden e dos democratas foi passar recursos financeiros para os estados em que eles mesmos governam e trazer pessoas de fora do país, roubando os postos dos americanos. Disse ainda que Biden está totalmente errado em querer ajudar os pequenos negócios, promovendo um aumento impositivo do salário mínimo nacional, o que, segundo Trump, vai quebrar todos estes negócios. O presidente propõe que o valor do salário mínimo fique a critério de cada estado.

Biden enfatizou, por sua vez, que os estados precisam de socorro financeiro urgente e que, sem isso, uma nova onda de demissões vai-se espalhar pelo país. Lembrou ainda que os profissionais que cuidam dos adoecidos na pandemia, a quem todos aplaudem, merecem um salário mínimo de US$ 15 por hora e que é preciso, portanto, elevar o salário mínimo nacional. Biden passou ao largo de dizer como isto não teria um impacto econômico negativo, mas positivo, sobre a demanda efetiva. Esta é uma das políticas dos democratas mais à esquerda, como Alexandria Ocasio-Cortez e Bernie Sanders. Embora a tenha criticado na pré-campanha, o ex-vice-presidente a adotou para gerar alguma coesão no partido.

Acusações mútuas, migração e desigualdade racial

O debate, então, fluiu para a questão da migração.

Primeiro, a separação das famílias de imigrantes ganhou destaque especial. Biden centrou todo seu arsenal para destacar que Trump separou crianças de seus pais e agora não é capaz de reuni-las, dando todas as conotações dramáticas que o assunto poderia ter. Trump fugiu de uma resposta direta, dizendo que as gaiolas onde essas crianças foram confinadas teriam sido construídas por Biden e Obama, na gestão antes dele. O diálogo ficou abrupto, com interrupções, com Biden inquirindo Trump pela separação das mais de 500 crianças, e Trump cobrando de Biden sobre ter criado gaiolas para prender as crianças.

Enfim, o candidato democrata adotou a estratégia de reconhecer ter errado, junto de Barack Obama, ao tratar da questão dos Dreamers. Prometeu enviar ao Congresso um plano para lhes conceder cidadania nos seus primeiros 100 dias de mandato e enfatizou que são pessoas sem quaisquer condições de serem enviadas para seus países de origem. A isso, Trump não respondeu com nenhuma proposta nova, mas com outro ataque: Biden nada teria feito em oito anos como vice-presidente, o que poderia sugerir que agora faria diferente? Segundo o republicano, Biden teria feito somente duas coisas: construído jaulas para prender as crianças migrantes (estas mesmas jaulas que ele vem usando) e praticar a política de “pegar e soltar”, onde “criminosos” migrantes eram soltos com a marcação de uma audiência judicial para até três anos depois e, então, nunca mais apareciam.

Crianças imigrantes separadas de seus pais e mantidas em jaulas, em McAllen, Texas, 2018 (Crédito: Customs and Border Protection, CBP)

Biden defendeu que é preciso que o governo ofereça oportunidades de trabalho, de negócios, boa educação e crédito para que possam abrir empresas, já aproximando os temas de imigração e desigualdade racial. Trump o interrompeu para repetir que, em oito anos como vice-presidente, Biden nada fez nesse sentido, tendo, inclusive, chamado os negros de “superpredadores”, na década de 1990. Biden suscintamente respondeu que jamais fez essa acusação, e que Trump, sim, era o presidente mais racista da história. De sua torre em Nova York, acrescentou, o presidente defende política discriminatória contra os negros, chamando-os de gangues. Trump rejeitou a pecha, dizendo que aprovou uma reforma na Justiça criminal, e tentou parecer amigo da comunidade negra ao sustentar que, em seu mandato, direcionou mais verbas que Obama para as universidades tradicionalmente negras, e ao contrário do presidente democrata, com financiamento de longo prazo.

Agora totalmente no tema das questões raciais, Biden disse que Trump reduziu a pena de apenas cinco pessoas negras, enquanto ele e Obama reduziram de centenas, que o eleitor conhece o caráter de cada um, sabe quem está dizendo a verdade, e que Trump era contra o movimento Black Lives Matter. Trump se defendeu: na primeira vez que viu o movimento, eles chamavam os policiais de “porcos”. Além disso, na prática, ele ajudou mais a comunidade negra que Obama, mais do que qualquer outro presidente, excetuando, “talvez”, Abraham Lincoln. Ao se declarar a pessoa menos racista no auditório, recorreu a uma piada racista, rapidamente identificada nas redes sociais. Biden ironizou as duas afirmações e lembrou a fala de Trump para os “Proud Boys”: “stand back, stand by”, no debate anterior.

A moderação questionou Joe Biden sobre a lei de drogas, apoiada por ele quando congressista, uma legislação que, até os dias atuais, mantém muitos negros americanos presos. Mais uma vez, o candidato democrata fez um mea-culpa e admitiu ter mudado sua visão, mas disse que não errou sozinho: fez o mesmo que “100% dos demais congressistas” e que iria mudar a partir de agora, defendendo a descriminalização do uso de drogas. Trump se limitou a repetir que Biden teve décadas no Congresso e oito anos na Casa Branca, como vice-presidente, e não fez nada disso, e estaria dizendo essas coisas agora apenas para ser eleito. O republicano tentou carregar de emoção a pergunta da moderadora, dizendo que mulheres e jovens negros sofrem até hoje pela ação de Biden. Entretanto, não condenou a lei de drogas nem propôs qualquer mudança.

Acusações mútuas, agenda ambiental e recursos energéticos

O debate se encaminhava para o fim quando o tema das mudanças climáticas surgiu. Trump sequer repetiu a expressão “mudanças climáticas”, falando apenas que o meio ambiente americano era ótimo, que teria a água mais limpa do mundo, o ar mais limpo do mundo e que seu governo tem a menor emissão de gás carbônico, diferentemente da China, da Rússia, da Índia, etc. Também atacou o Acordo de Paris, que seria injusto e sacrificaria milhões de trabalhadores americanos, e que ele alcançou o mesmo resultado ambiental sem destruir a economia. Biden destacou que enfrentar as mudanças climáticas é um imperativo moral e que os cientistas são unânimes em dizer que há pouco tempo para se tomar medidas radicais que tenham algum impacto efetivo.

A partir disso, o ex-vice-presidente descreveu com entusiasmo elementos do New Green Deal, em especial a criação de milhares (depois milhões) de empregos bem pagos para construir casas e prédios com baixa emissão, e que Wall Street teria avalizado seu plano como capaz de gerar até 18 milhões de empregos e US$ 1 trilhão. Típicas dos socialistas democráticos, como Ilhan Omar e Alexandria Ocasio-Cortez, na pré-campanha, essas propostas foram defendidas por Bernie Sanders e duramente criticadas por Biden. Trump, então, desferiu ataques semelhantes, dizendo que Wall Street, na verdade, afirmara que o New Green Deal tiraria bilhões de dólares da economia americana, e que o custo total do projeto seria de dezenas de trilhões de dólares. “Até 100 trilhões”, aumentou Trump, “para reconstruir as casas com janelas pequenininhas e fazer prédios baixinhos”.

Biden fez uma tímida defesa do projeto, alegando ter o apoio de grupos ambientais e trabalhistas, e logo destacou o potencial da energia alimpa, eólica e solar, que seriam as empresas de energia que mais crescem nos EUA, apesar de Trump descriminá-las por achar que causam câncer. Trump esnobou a capacidade da energia eólica, assim como a escala da energia solar. Destacou que, em seu governo, o país pela primeira vez se tornou independente em energia, com o setor do petróleo, salvo por ele. Trump viu então a oportunidade ideal para retomar o tema do fracking.

Representative Alexandria Ocasio-Cortez of New York and Senator Edward J. Markey of Massachusetts, right, announcing the resolution on Feb. 7.
Crédito da imagem: Pete Marovich/The New York Times)

Esse ponto suscitou uma troca de desafios de parte a parte: Biden negou ter dito que acabaria com o fracking e cobrou que Trump postasse um vídeo como prova, Trump respondeu que faria isso em seu site nos dias seguintes, ao que Biden ponderou que suas críticas seriam ao fracking apenas em solo americano. Trump então rebateu dizendo que as famílias de negros, mulheres, latinos e tantos outros americanos estariam ganhando muito dinheiro com o fracking sendo explorado em solo americano. Biden ponderou que estas pessoas estão cercadas por refinarias e que não importa o quanto ganhem, não estão seguras assim, e que ele, ao longo do tempo, substituiria a indústria do petróleo.

Trump então acreditou ter achado uma bala de prata no fim do debate e passou a cobrar de Biden que assumisse ter acabado de dizer que acabaria com a indústria do petróleo. Falou para as câmeras, com o telespectador, olhou em volta, como quem chama a atenção para uma grande denúncia. Passou a recitar o nome dos estados pêndulo e dos produtores de petróleo, pedindo que lembrassem disso na hora do voto.

A moderação fez então uma última pergunta, que consistia no que cada candidato diria, se eleito, àqueles que não votaram nele.

Trump usou esse tempo para um resumo de seu argumento de campanha: “tínhamos um sucesso total antes da ‘praga chinesa’, com os melhores números de desemprego, negros, asiáticos, mulheres. Estávamos todos em união, reduzindo os impostos. Podemos retomar isso, mas ele quer aumentar os impostos, quebrar a Previdência e destruir a economia”. Biden se ateve mais à pergunta: “Eu represento todos os americanos, tenham votado em mim, ou não. Por isso, vamos escolher a esperança e fazer a economia crescer por meio da energia limpa, criando milhões de novos empregos bem remunerados. A decisão na urna é sobre caráter, decência”.

O fim do debate deixou a nítida impressão de que Donald Trump tentou se aproximar mais dos negros, das mulheres e principalmente dos latinos, buscando o voto dos conservadores entre estes que foram importantes para sua eleição há quatro anos. Enfatizou os aspectos econômicos, até mesmo em sua defesa no ponto mais fraco, a gestão da pandemia. E repetiu à exaustão a estratégia de dizer que Biden já teve a chance dele por longos anos e nada fez. Trump aparentemente insistiu na questão do petróleo, pensando em garantir a vitória no Texas, estado que é um tradicional reduto republicano. Este ano, porém, as pesquisas apontam praticamente um empate entre ele e Biden, o mesmo acontecendo no swing-state da Pensilvânia, outro produtor da commodity, que, segundo analistas, pode ser o definidor da maioria no colégio eleitoral nesta eleição.

Joe Biden, por sua vez, tentou dar conta do seu ponto de maior fragilidade, a questão econômica. Adotou o plano que tanto criticou, dos socialistas democráticos, e o repetiu diversas vezes no mantra de “milhões de empregos” e “empregos bem remunerados”, além do aumento do salário mínimo. Evitou, contudo, detalhar sua efetivação e como ele se choca com todo o restante de seu discurso fiscal. Trump tampouco soube questioná-lo sobre isso. No mais, buscou explorar a pandemia como ônus para Trump, assim como garantir a máxima adesão dos negros, latinos e mulheres. Como em 2016 houve um recuo do comparecimento dos eleitores destes segmentos, a campanha do democrata deseja mantê-los mobilizados, como já estão pelos protestos do Black Lives Matter, até o dia da eleição, assim como incentivar que votem pelo correio, como já havia feito até o dia do debate o número recorde de 47 milhões de americanos.

Quem venceu o debate?

Curiosamente, conforme levantamento de órgãos de imprensa, desta vez quem mais interrompeu o adversário foi o democrata, e não Trump, embora este último tenha desferido cerca de 1/3 a mais de ataques. Não teve espaço desta vez a discussão sobre a aceitação, ou não, do resultado da eleição – assunto que esteve presente no debate anterior e no dos candidatos a vice. Com a possibilidade de questionamento de votações de diversos estados, não está afastado o risco de se repetir em muitos deles a polêmica em torno da Flórida na eleição entre Bush e Al Gore, em 2000. A maioria dos governadores é republicana, assim como a maioria da Suprema Corte é conservadora, e ainda a distribuição das representações na Câmara para um voto por estado reverte a maioria democrata para republicana.

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Espectadores acompanham o segundo e último debate entre Trump e Biden, no Fort Mason Center, San Francisco, em 22 de outubro de 2020 (Crédito: Jeff Chiu/AP Foto)

Os órgãos de imprensa se dividiram quanto ao ganhador do debate. No Brasil, a CNN enxergou um empate, e a GloboNews ficou entre um empate e uma ligeira vitória de Trump. Nos Estados Unidos, a emissora ABC deu vitória de 51 a 49 para Trump, assim como a Fox News, tradicional canal à direita. A CNN, por sua vez, fez pesquisa e encontrou resposta de 53% a favor de Biden, assim como a NBC, que forneceu a excelente mediadora, Kristen Welker, enxergou leve vantagem para Biden. Todos concordaram, entretanto, que Trump ganhou muito em evoluir da performance anterior para esta, mais civilizada.

Os principais temas desta eleição são espinhosos para Trump: a gestão sanitária da pandemia, a queda econômica ocasionada pela mesma pandemia e a questão racial, reforçada pela notícia da semana sobre as crianças separadas de seus pais pelo departamento federal de emigração. A campanha democrata tem colocado os republicanos na defensiva nestes temas considerados de interesse público, e Trump tem conseguido contra-atacar apenas com questões relativas à moral de Biden e de sua família.

Se Trump vinha bem no embalo da economia até o início do ano, precisa agora enfrentar os constrangimentos de uma administração terrível da crise de saúde. Os democratas, por sua vez, não conseguem elevar o tom dos ataques por terem optado por um candidato moderado e ligado ao establishment. Isso os impede de criar melhor conexão com os anseios dos afetados pela crise econômica e defender com vigor a plataforma econômica do Green New Deal, e ainda dá ao adversário algumas brechas para golpes parecidos com os que utilizou contra Hillary Clinton e suas ligações com Wall Street na eleição passada.

Dificilmente este debate será o definidor do resultado da eleição, mas é pacífico que Trump ao menos conseguiu estancar a sangria que abriu em sua campanha após o primeiro debate. É difícil mensurar a eficácia de seus ataques ao filho de Joe Biden, assim como a caracterização deste como alguém que já teve sua chance e nada fez e que pretende destruir a economia do petróleo. Sua campanha parece contar com a ideia de recuperar os eleitores pré-pandemia, enquanto Biden conta com os dividendos políticos de um acontecimento histórico global.

 

* Samuel Braun é mestrando em Ciências Sociais e pesquisador do LEPPEM/UFRRJ. Conduz pesquisa sobre o Partido Democrata e as eleições americanas de 2020. Contato: lattes.cnpq.br/1514487380489079.

** Recebido em 29 out. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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