Eleições

Eleições 2020: como mulheres brancas dos subúrbios se transformaram em força política contra Trump

Movimento Black Lives Matter em Kirkwood, Missouri, subúrbio de St. Louis, em 6 jun. 2020 (Crédito da foto: Whitney Curtis/The New York Times)

Este artigo é uma parceria do OPEU com o LAPPCOM-UFRJ

Por Laura Barbosa e Giulia Gouveia*

Recentemente, ganhou destaque na mídia dos Estados Unidos uma fala do presidente Donald Trump, em sua corrida pela reeleição, na qual ele clama pelo apoio de mulheres brancas moradoras dos subúrbios daquele país. Em discurso proferido na cidade de Johnstown, no estado da Pensilvânia, que é considerado um swing state — estado indeciso —, o presidente implorou: “Por favor, gostem de mim… Eu salvei sua maldita vizinhança!”.

Muitos consideram que esta é uma reviravolta interessante no cenário de preferências eleitorais estadunidense, já que, nas eleições de 2016, essas mesmas mulheres exerceram papel decisivo na vitória de Trump contra a democrata Hillary Clinton. No momento atual, porém, o grupo conhecido como “Mulheres dos subúrbios contra Trump” (S.W.A.T., na sigla em inglês) vem ganhando notoriedade ao despontar como uma crescente força política contra o republicano.

Mas… do que estamos falando quando falamos em mulheres dos subúrbios?

Criados nos anos 1950, no Pós-Guerra, em um contexto de acelerado crescimento urbano e consequente deterioração da qualidade de vida nas grandes cidades, os subúrbios estadunidenses se tornaram a melhor expressão do chamado “American way of life” (ou estilo de vida americano, em tradução livre). Tratam-se de espaços bem planejados, com casas grandes e jardins pomposos, que buscam oferecer conforto, lazer e segurança a seus moradores. Em geral, têm como características marcantes, ainda nos dias de hoje, o forte senso de família nuclear tradicional (pai, mãe e filhos) e a segregação racial. A imagem que se tem desses locais, como se vê nas produções cinematográficas hollywoodianas, é a de uma vida idílica, distante dos problemas que afligem os grandes centros urbanos.

A neighborhood near Salt Lake City.
Subúrbio perto de Salt Lake City (Crédito da foto: Rick Bowmer/AP)

Embora sejam ocupados, desde seu surgimento, predominantemente por famílias brancas de classe média a alta, a composição demográfica dos subúrbios vem-se alterando ao longo do tempo, tornando-se mais plural e diversificada. Ainda assim, as mulheres suburbanas seguem se constituindo como um importante nicho eleitoral, alvo de disputa entre republicanos e democratas, uma vez que suas taxas de comparecimento nas votações tendem a ser mais altas em comparação com outros grupos.

Quando se fala na figura quase arquetípica de “mulheres do subúrbio”, estamos nos referindo a mulheres brancas altamente escolarizadas, de classe média alta, quase sempre casadas e mães. Embora seu padrão de votação nas eleições presidenciais seja, historicamente, de inclinação republicana, a preferência por candidatos democratas vem aumentando ao longo do tempo. O tom quase desesperado de Donald Trump ao implorar pelo apoio dessas mulheres se explica porque, nesta parcela da população, o candidato democrata Joe Biden se tornou favorito na corrida presidencial.

S.W.A.T.: Mulheres dos subúrbios contra Trump

A baixa adesão das mulheres suburbanas ao Partido Republicano e, sobretudo, à figura de Trump, dá-se em um momento de baixa popularidade do atual presidente dos EUA. Desde 20 de outubro, cerca de meio milhão de estadunidenses testaram positivo para a covid-19, somando mais de nove milhões de casos de contágio no país, de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins. No dia 23 do mesmo mês, foi ultrapassada pela primeira vez, desde o início da pandemia, a marca de 80 mil confirmados em apenas um dia. Para muitos, esse resultado é fruto do posicionamento negacionista do presidente, que sempre pareceu abrandar e subestimar os efeitos da doença.

Soma-se a isso uma série de manifestações contrárias à sua candidatura à reeleição, ocorridas em diversas partes do país, com forte engajamento e participação feminina. Além disso, a morte da juíza Ruth Bader Ginsburg, importante figura na luta pelos direitos das mulheres estadunidenses, e a posterior indicação, por Donald Trump, da juíza conservadora Amy Coney Barrett para assumir seu lugar, acendeu o alerta para a possibilidade de retrocessos, como a revisão da lei que garante o direito ao aborto. Também está em jogo a revogação da Affordable Care Act — conhecida como “Obamacare” —, o que poderia impedir, ou restringir, o acesso da população a um seguro saúde, sujeitando-a, por exemplo, a arcar com os custos do tratamento hospitalar, em caso de infecção pelo novo coronavírus.

Inicialmente desencadeada pelo assassinato de George Floyd em 25 de maio passado — e que reacendeu nos últimos dias na Filadélfia —, a onda de protestos envolvendo o movimento Black Lives Matter também contribuiu para o desgaste da imagem do presidente diante da opinião pública. Naquele momento, os protestos, que denunciavam a violência policial contra a população negra, foram hostilizados por Trump, que confessou publicamente sua satisfação em assistir às multidões oprimidas por agentes de segurança, ameaçando empregar até mesmo as Forças Armadas na tarefa de contenção.

Reagindo à ascensão do debate acerca da violência policial durante o período eleitoral, e na tentativa de garantir o apoio das mulheres brancas dos subúrbios, os republicanos passaram a direcionar a elas uma campanha no âmbito da Lei & Ordem. Nela, destacaram-se, com conotação negativa, as distinções raciais existentes entre os habitantes desses bairros, sugerindo que os não-brancos detinham poder aquisitivo inferior e, portanto, representavam uma ameaça à segurança. Em Michigan, Donald Trump declarou que teria “salvado” os subúrbios, ao revogar uma política habitacional do governo Barack Obama e, por isso, deveria ser amado por essas mulheres. Segundo ele, o plano dos democratas era torná-las vizinhas de refugiados procedentes de países como Somália, Síria e Iêmen: “Por favor, votem em mim. Eu estou salvando suas casas. Eu estou salvando sua comunidade. Eu as estou mantendo a salvo da criminalidade”.

Em oposição às declarações sobre a suposta ameaça representada por Biden ao “sonho americano”, nasceu, em agosto, o grupo “Mulheres dos subúrbios contra Trump”. A cofundadora do movimento, Brook Manewal, uma advogada de 43 anos e mãe de quatro filhos, disse ter-se incomodado com a suposição do presidente de que as mulheres dos subúrbios compactuariam com ideias intolerantes, especialmente no que se refere à questão racial. A partir daí, ela sugeriu a uma vizinha, Shira Tarantino, de 49 anos e mãe de dois filhos, a criação de uma organização a fim de persuadir mulheres “suburbanas” a votarem no Partido Democrata.

Foto do perfil da conta do S.W.A.T no Facebook

Inicialmente um grupo no Facebook, o S.W.A.T. conta agora com mais de nove mil integrantes em 35 estados norte-americanos. Uma das empreitadas do grupo consiste em telefonar diariamente para potenciais eleitores, destacando a importância do voto e arrecadando fundos para a campanha de Joe Biden.

Quando recortadas por gênero, as últimas pesquisas de intenção de voto demonstram que o candidato democrata detém vantagem. Até mesmo o levantamento de outubro da Fox News, tradicionalmente alinhada ao republicano, atesta que Biden está 19 pontos à frente de Trump entre as mulheres. Ainda no mesmo mês, de acordo com a pesquisa do Pew Research Center, a diferença cresce entre as mulheres latinas e negras: nestes grupos, os democratas estão com 44 e 85 pontos na dianteira, respectivamente.

Embora boa parte das mulheres dos subúrbios tenha votado contra Hillary Clinton em 2016, tendo Trump vencido nestes locais por uma diferença de 4 pontos percentuais – recebeu 49% dos votos, enquanto Clinton obteve 45% -, os discursos e as ações do republicano desencadearam uma revisão de suas escolhas políticas, até então influenciadas pela religião e herdadas de suas famílias — tradicionais, em sua maioria. Ao que parece, o governo Trump e, mais especificamente, a retórica quase sempre enérgica e agressiva do presidente, as levou a questionar seu próprio senso de moralidade, bem como os valores que desejavam passar adiante para seus filhos e filhas, contrapostos aos ideais defendidos pelo governante.

Longe de ser um movimento de tendências transformadoras, capaz de empregar mudanças radicais na sociedade norte-americana, a inesperada preferência dessas mulheres pelo candidato democrata é um evento importante na conjuntura atual, sobretudo, se levarmos em conta a participação crucial que elas tiveram no resultado eleitoral de 2016. E pode contribuir para levar à derrota de Donald Trump nas eleições de 3 de novembro.

 

* Laura Barbosa é graduada e mestra em Ciências Sociais e especialista em Relações de Gênero e Sexualidades pela UFJF. É integrante do LAPPCOM e do grupo de pesquisa Mulheres Eleitas. Contato: lauragb.barbosa@gmail.com.

Giulia Gouveia é graduanda em Relações Internacionais pela UFRRJ e coordenadora adjunta do LAPPCOM e do grupo Mulheres Eleitas. Contato: giuliagou@hotmail.com.

** Recebido em 30 out. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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