China e Rússia

Investimentos sino-americanos registram refluxos assimétricos

Funcionários arrumam bandeiras de China e EUA antes da sessão de negociação entre os representantes comerciais de ambos os países, em Pequim, em 14 fev. 2019 (Crédito da imagem: Mark Schiefelbein/AP)

Por Mateus de Paula Narciso Rocha* e Rúbia Marcussi Pontes**

Desde as eleições de 2016, as tensões entre as duas maiores economias do planeta cresceram de modo inédito. A guerra comercial, aventada por Donald Trump na corrida eleitoral e iniciada em 2018, é um dos projetos da ofensiva estadunidense contra a China – ofensiva composta por outras iniciativas, como: a retórica de Guerra Fria; a campanha diplomática contra a empresa Huawei na tecnologia 5G; as restrições no investimento chinês nos Estados Unidos (EUA); e as vendas recordes de armas para Taiwan.

Foi nesse contexto que, por razões eleitorais, o presidente Trump iniciou uma distensão em janeiro de 2020, com a Fase Um do acordo comercial. Com seu impacto econômico e sanitário, a pandemia da covid-19 reforçou, porém, a lógica de enfrentamento, culminando com o fechamento do consulado chinês em Seattle e do consulado americano em Chengdu. A combinação de tensões políticas, pandemia e recessão econômica gerou, na primeira metade de 2020, o pior semestre nas relações de investimento sino-americanas desde 2011, conformando investimentos na ordem de US$ 10,9 bilhões, segundo o relatório “Two-Way Street: 1H 2020 update”, do Rhodium Group e do National Committee on United States-China Relations. Este último documento atualiza o relatório publicado em maio.

Abalos assimétricos

Conforme os dados desses relatórios, o refluxo nas relações de investimento é anterior a 2020 e está associado diretamente ao período Trump, sendo o quadro de pandemia com recessão econômica um agravante, mas não o “primeiro movimento”. O principal fato gerador da retração nos últimos semestres foi a forte redução nos fluxos de investimento de longo prazo (FDI) da China para os EUA nos últimos anos. Esse processo, iniciado no final de 2017, foi acompanhado, desde 2018, de redução no investimento de risco dos EUA para a China, gerando o atual cenário.

A queda nas aquisições chinesas de ativos dos EUA também foi acompanhada, desde 2018, por um sistemático desinvestimento chinês nos EUA. Esses processos estão associados a iniciativas regulatórias americanas que bloqueiam aquisições por parte da China e, indiretamente, geram um horizonte negativo, fazendo com que a própria China e suas empresas desistam das inversões. Isso é fruto, em grande medida, da atuação do Committee on Foreign Investments in the United States (CFIUS), grupo interagência que, na administração Trump, teve seu poder regulatório ampliado e passou a escrutinar os investimentos chineses e a reavaliar negócios passados, com base na Foreign Investment Risk Review Modernization Act (FIRRMA), legislação aprovada em 2018.

O principal exemplo nesse sentido é a disputa em torno do TikTok e da Bytedance, empresa chinesa detentora do aplicativo. Segundo os Estados Unidos, a aquisição de uma antiga plataforma, a Musical.ly (que posteriormente se tornaria o TikTok) pela Bytedance, em 2017, não teria sido completada de acordo com as leis americanas. Esse status justificaria uma revisão do acordo, no marco do FIRRMA, perante preocupações com a segurança nacional.

Já os abalos nos fluxos de investimento dos EUA para a China são mais sutis. Há quase uma década, o FDI semestral está na faixa entre US$ 5 bilhões e US$ 7 bilhões. No primeiro semestre de 2020, porém, o FDI caiu para US$ 4,1 bilhões, um resultado no contexto da recessão econômica que ainda não pode ser considerado uma nova tendência. Como ilustra a Figura 1, há uma queda acentuada nos investimentos de FDI da China para os EUA, nos últimos anos, e uma relativa estabilidade nos FDI dos EUA para a China.

Além do exposto, o relatório de atualização sugere a tendência de baixa nos investimentos bilaterais no segundo semestre de 2020, em vista do ambiente político e do ambiente de negócios, bem como do enforcement promovido pelas regras do FIRRMA – como demonstrado na proposta de banimento do TikTok e do WeChat pelos EUA. Ademais, ele indica que o desacoplamento (decoupling) entre as economias dos EUA e da China ainda não é um cenário provável, citando os profundos impactos econômicos decorrentes dessa situação. A Apple, por exemplo, registra quase 25% de seus lucros no mercado chinês.

Uma fotografia da dinâmica política

Considerando-se esses dados, pode-se observar uma estabilidade/resiliência nos fluxos de FDI dos EUA para a China, pari passu a uma redução nos fluxos de FDI da China para os EUA. Essa disparidade é um resultado multicausal. A redução nos fluxos da China para os EUA decorre, entre outros processos, de regulações chinesas e da desaceleração econômica no país asiático. Um elemento fundamental neste quadro, porém, são as distintas estratégias desses Estados em seu enfrentamento comercial e tecnológico.

A Casa Branca procura escalar a tensão bilateral e restringir os fluxos, sobretudo os associados à alta tecnologia. Em contrapartida, a atuação chinesa, no momento, é contida. Busca manter a atração de capitais internacionais, enviando mensagens aos investidores americanos sobre o apreço da relação.

Isso gera custos de oportunidade importantes para a China e para os EUA; sobretudo para o primeiro país que, com as tarifas, perde atratividade perante os investidores internacionais e, com as regulações duras, perde oportunidades de investimento nos EUA. Nesse sentido, os dados recentes dos investimentos sino-americanos são uma fotografia da dinâmica política competitiva entre os dois países e das respostas diferenciadas de cada país – a ofensiva americana e a defensiva chinesa.

Esse processo, porém, é dinâmico e, a depender das ações americanas, a China afirma que retaliará, conforme sinalizações em seus canais oficiais. Nesse contexto, é fundamental acompanhar as relações políticas, condição necessária para o desenvolvimento dos laços econômicos. É ímpar, também, seguir observando os dados de investimento sino-americanos para analisar a validade da ideia de desacoplamento das economias americana e chinesa. Se entendida como uma ruptura total, essa disjunção ainda parece um processo distante, mas se for entendida como ruptura localizada – como nos fluxos de investimento da China para os EUA – já parece um fenômeno a ser considerado.

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* Mateus de Paula Narciso Rocha é mestre em Relações Internacionais pela UFU. Contato: mateusdepaula@outlook.com.

** Rúbia Marcussi Pontes é doutoranda e mestra em Ciência Política pelo Programa de Pós-Graduação em Ciência Política (PPGCP-IFCH), da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pesquisadora do INCT-INEU e bolsista CAPES. Contato: rubiamarcussi@gmail.com.

** Recebido em 27 de set. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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