Com Amy Barrett para Suprema Corte, Trump quer voto das conservadoras indecisas
Presidente Donald Trump e a juíza Amy Coney Barrett, antes da entrevista coletiva sobre sua indicação oficial à Suprema Corte (Crédito da imagem: Alex Brandon/AP)
Donald Trump confirmou, em 25 de setembro, a indicação da juíza federal conservadora Amy Coney Barrett para ocupar a vaga da juíza Ruth Bader Ginsburg, falecida em 18 de setembro passado, na Suprema Corte dos Estados Unidos. A decisão tem recebido críticas por parte de setores da população e de lideranças democratas, que questionam a escolha de uma nova ocupante para este cargo crucial e vitalício, a menos de 40 dias da eleição presidencial.
Pesquisa realizada pela rede CNN aponta que 59% da população defende que o presidente eleito em novembro de 2020 deve ser aquele capaz de indicar a/o novo candidata/o à Corte, enquanto 41% defendem que Trump deve optar pela nomeação antes da eleição.
A indicação de Amy Barrett é parte de uma estratégia mais ampla do Partido Republicano que tem contribuído para fortalecer a ala mais conservadora da Corte e deve prejudicar avanços importantes conquistados nos Estados Unidos em temas fundamentais como direitos reprodutivos, imigração e saúde. Estas pautas contaram com o apoio histórico da juíza Ginsburg, reconhecida por sua postura progressista e defensora dos direitos das mulheres e minorias.
A juíza Ruth Bader Ginsburg é sempre lembrada como um ícone feminista no país, com um legado importante na garantia de direitos das minorias. Como exemplos da atuação da juíza na Suprema Corte podemos citar a aprovação do casamento gay, as medidas voltadas ao enfrentamento da segregação por sexo nas escolas públicas no país, o fortalecimento das medidas de proteção para pessoas com deficiência e a luta da juíza contra as leis de discriminação baseadas no sexo.
Amy Coney Barrett é o oposto de Ginsburg. Considerada uma discípula do falecido juiz conservador Antonin Scalia, Barrett tem em seu histórico uma série de posições conservadoras. Seu voto será decisivo em questões-chave como sistema de saúde, imigração, controle de armas, aborto e direito de minorias. Em breve, por exemplo, a Suprema Corte terá de se manifestar sobre o Affordable Care Act (ACA), o chamado Obamacare, revogado em junho por Donald Trump. O ato, que beneficia milhões de estadunidenses, estabelece uma série de garantias à saúde das mulheres, incluindo a exigência para que os planos de saúde cubram assistência-maternidade e forneçam anticoncepcionais. Caberá à Suprema Corte, agora com Barret, decidir se o ato administrativo é constitucional, ou não.
Uma das principais pautas do movimento conservador nos Estados Unidos é a derrubada da decisão Roe vs. Wade, que garantiu a legalidade do aborto em todo país, em 1973. Desde então, uma série de governos estaduais tem aprovado legislações para restringir o direito ao aborto e, com uma maioria conservadora na Suprema Corte, é possível que este direito seja revogado. Antes de assumir a U.S Court of Appeals for the Seventh Circuit, em 2017, Barrett foi questionada no Senado sobre como lidaria com grupos minoritários, como a comunidade LGBTQ, assim como sobre sua afirmação em um artigo de que o aborto era imoral. Em sua resposta, ela negou que participaria de programas que defendem o ódio e a discriminação contra tais grupos, incluindo pessoas LGBTQ, e garantiu que, se confirmada para a corte, suas opiniões não afetariam o desempenho de sua função como juíza.
O histórico de Barrett na Corte aponta, no entanto, para posições favoráveis às restrições ao direito ao aborto e aos direitos reprodutivos. Suas convicções religiosas já foram motivo de questionamento durante sua indicação em 2017 e têm sido objeto de críticas por parte da imprensa, que aponta vínculos entre ela e o grupo religioso fundamentalista “People of Praise”. Essa rede é conhecida pelo tratamento opressor às mulheres.
A disputa pelo voto das mulheres
A indicação de Trump também é uma aposta para agradar às eleitoras, grupo no qual Trump enfrenta maior rejeição. Ao falar sobre sua decisão de nomear Amy Barrett, o presidente republicano destacou que “era definitivamente a hora de uma mulher”. Nas pesquisas eleitorais realizadas em setembro, o democrata Joe Biden chega a abrir uma margem de até 25 pontos de vantagem em relação a Trump, quando se considera apenas o voto feminino.
As mulheres são maioria no eleitorado, correspondendo a 63,6%, contra 59,3% de homens, em 2016. O número de mulheres votantes excede o número de eleitores homens nas eleições presidenciais desde 1964. Entre a população que se inscreveu para votar em 2016, as mulheres ultrapassaram os homens, alcançando 73,7 milhões de eleitoras contra 63,8 milhões de eleitores homens.
Nas eleições de 2016, Hillary conquistou 54% do total de votos das mulheres, contra 39% dos votos de Donald Trump. Foi vitoriosa, mas não com uma diferença tão expressiva quanto previsto ao longo da campanha, alcançando uma média de 13 pontos percentuais de gender gap. E o pêndulo pesou mais para o lado de Trump, quando consideradas as eleitoras brancas. Neste segmento, o republicano obteve 47%, enquanto Hillary conquistou 45% dos votos deste grupo. Do total de eleitoras que reportaram voto nas eleições de 2016, 53,1 milhões foram brancas/não-hispânicas; 6,9 milhões, hispânicas; 10,1 milhões, negras; e 2,7 milhões, asiáticas. Se considerarmos a identificação partidária entre as mulheres brancas, 47% manifestaram sua preferência pelo Partido Republicano.
O cenário tem sido, porém, mais complicado para Trump desde 2016. Durante as eleições de meio de mandato em 2018, as mulheres brancas já apontavam uma tendência de afastamento de Donald Trump, uma vez que 49% deste grupo votou no Partido Democrata. O distanciamento é maior entre as mulheres brancas com formação universitária. Neste grupo, 59% delas votaram em candidaturas democratas na Câmara de Representantes, contra 49% nas eleições de 2016.
Reportagem do jornal The Washington Post aponta um aumento no número de mulheres brancas que demonstraram arrependimento no voto em Trump nas eleições de 2016 e que planejam votar em Biden. Levantamento do jornal The New York Times também apontou maior vantagem de Biden entre as mulheres brancas com formação universitária, com uma diferença de 39 pontos percentuais. Em 2016, a diferença de apoio deste grupo foi de 7 pontos percentuais para Hillary. A mesma pesquisa também apontou que Biden tem vantagem mesmo entre as mulheres brancas menos escolarizadas. Em 2016, elas aderiram em peso a Donald Trump, que conquistou 61% dos votos deste grupo. Entre as causas para a rejeição, estão as medidas adotadas durante a pandemia do novo coronavírus, o debate sobre saúde pública, a política de separação de famílias adotada por ele e os recorrentes insultos de Trump às mulheres.
Em suma, Donald Trump possui um cenário mais difícil na corrida eleitoral deste ano. É improvável que a escolha de Barrett consiga trazer novas eleitoras para além daquelas que optaram por ele em 2016. Pesquisa feita pela CNN, por exemplo, aponta que 65% das mulheres são contrárias à nomeação de uma indicação de Trump antes das eleições de novembro, e 43% das entrevistadas acreditam que as escolhas de Trump “mudaram a Corte para pior”.
A estratégia dele é recuperar as eleitoras que se afastaram do partido desde 2016. E a convicção religiosa de Barrett, com o cristianismo, é um elemento relevante neste cenário. Pesquisa feita pelo Pew Research Center aponta que, para 59% das mulheres, a religião é muito importante. Elas participam com maior frequência dos encontros religiosos (40% delas disseram comparecer a serviços religiosos semanalmente, e 33%, pelo menos algumas vezes no ano) e representam 54% dos católicos e 55% da população protestante. Levantamento desse mesmo instituto de pesquisa indica que 37% dos católicos e 56% dos evangélicos se identificam com o Partido Republicano. Considerando-se o recorte de raça e etnia, 59% dos católicos e 76% dos evangélicos são brancos.
A escolha de Amy Barrett – mulher, branca, casada, mãe de sete filhos, conservadora e católica – é uma tentativa de garantir o apoio entre estas mulheres que já são mais alinhadas à sigla republicana, mas que apresentam rejeição a Donald Trump. A estratégia pode dar certo e reverter parte da desvantagem do candidato com este público, mas, conforme dito anteriormente, ela tem um limite claro de alcance.
* Débora Figueiredo Mendonça do Prado é pesquisadora do INCT-INEU, professora no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e coordenadora do Grupo de Estudos e pesquisas sobre Gênero e Relações Internacionais (GENERI). Contato: deboraprado@ie.ufu.br.
** Recebido em 29 set. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.