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Fome e pandemia nos Estados Unidos

Pessoas em situação de rua são colocadas em um estacionamento ao ar livre como ‘abrigo’ improvisado, em Las Vegas, EUA (Crédito da imagem: Steve Marcus/Reuters)

Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da UFPB (FomeRI) faz resenhas semanais sobre diversos países

Por Thiago Lima*

Estimulado pelo cenário de crise global trazida pela pandemia da covid-19, o Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais (FomeRI) da UFPB passou a acompanhar as principais notícias e relatórios de organizações internacionais sobre como a pandemia afeta a segurança alimentar e nutricional pelo mundo. Trata-se de um projeto de pesquisa realizado entre abril e setembro deste ano, no âmbito do Departamento de Relações Internacionais da UFPB, cujos resultados sintéticos serão apresentados aqui.

No blog www.fomeri.org, o leitor e a leitora poderão encontrar resenhas semanais elaboradas entre abril e setembro, com links que levam às notícias e aos relatórios originais. Aqui, traremos informações específicas sobre países de destaque e que possam contribuir para a reflexão sobre as relações entre sistemas de seguridade social, a produção de alimentos e a fome em diversos países. A expectativa é a de que conhecer outros países nos ajude a entender melhor o Brasil também.

A pandemia da covid-19 vai provocar retrocessos históricos nos Estados Unidos. A queda de 32,9% no PIB, entre abril e junho, mostram que a recessão econômica pode chegar a números maiores do que a da grave crise de 1929. A paralisação das atividades também contribuiu para os números recordes em desemprego, as altas quantidades de pedido de seguro-desemprego e maiores demandas de bancos de alimentos ao redor do país. A fome nos Estados Unidos é um sinal de que a superpotência está se enfraquecendo por dentro.

Os EUA possuem as maiores taxas de pobreza dentre os países desenvolvidos do mundo. Cerca de 40 milhões de estadunidenses estão abaixo da linha de pobreza. Na pandemia, o aumento das políticas de combate à pobreza ainda é insuficiente e limitado, quando comparada com a de outros países. Além disso, a desigualdade racial incide fortemente sobre a questão. Enquanto cerca de 11% de crianças brancas vivem na pobreza, esse dado duplica para crianças latinas e triplica para as crianças negras. A pandemia está apenas intensificando essas desigualdades: as minorias, negros e latinos estão sofrendo de forma desproporcional no país.

A pandemia também prejudicou milhões de crianças que, por causa do fechamento das escolas, ficaram sem a merenda escolar. O programa “Pandemic-EBT’, que busca ajudar as crianças ao redor país e minimizar a insegurança alimentar, distribuiu US$ 300 para cerca de 30 milhões de crianças, o equivalente a US$ 5,70 de cada dia escolar perdido. Essa estratégia provocou a redução de 30% da insegurança alimentar infantil, retirando dessa vulnerabilidade cerca de 2,7 milhões de crianças ao redor do país. No país em que as taxas da fome são maiores em famílias com crianças, 56 milhões de pessoas com filhos menores de 18 anos perderam a renda desde o final de março, e a ausência de alimentação escolar aumenta os danos sociais. Além do aumento do uso do banco de alimentos, a procura nos bancos de fraldas também cresceu 300% em comparação com o ano passado.

Devido à pressão social, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos permitiu que as escolas forneçam café da manhã e almoço grátis para qualquer criança, ou adolescente, até o final de 2020, desde que o Governo Federal mantenha o financiamento. Antes disso, o entendimento era de que, com o retorno das aulas, as escolas passariam a distribuir merenda apenas para os alunos matriculados nos respectivos distritos. Cerca de 20 milhões de crianças estadunidenses recebem refeições gratuitas na escola, e mais dois milhões recebem refeições a preços inferiores. O programa de merenda escolar é o segundo maior programa de assistência nutricional do país, depois do vale-refeição.

A fome entre as crianças em idade escolar não é uma exclusividade dos Estados Unidos. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), o fechamento das escolas devido à pandemia afetou cerca de 1,5 bilhão de crianças no mundo, com consequências para as economias que vão ser vistas ao longo das próximas décadas. Ver as crianças da superpotência neste estado de vulnerabilidade é sinal, porém, de que provavelmente o poder dos Estados Unidos está enfraquecido agora, com impactos possíveis para a próxima geração. Este é um sistema em que devemos nos espelhar?

 

* Thiago Lima é é professor de Relações Internacionais da UFPB e pesquisador do INCT-INEU. Contato: tlima@ccsa.ufpb.br.

** O Grupo de Pesquisa sobre Fome e Relações Internacionais da UFPB é formado por: prof. Thiago Lima; Ellen Maria Oliveira Chaves; Marcelly Thaís Marques Ribeiro; e Paola Aparecida Azevedo de Souza.

*** Publicado originalmente no site Brasil de Fato, em 15 set. 2020. Este artigo não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

 

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