Eleições

Biden, Kamala Harris e o voto das mulheres na corrida presidencial de 2020

Biden e Kamala durante evento de campanha em Detroit, Michigan, em 9 mar. 2020 (Crédito: Brendan McDermid/Reuters)

Por Débora Figueiredo M. do Prado*

A senadora da Califórnia Kamala Harris (D-CA) foi a escolhida como vice na chapa democrata para a atual disputa eleitoral para a Casa Branca. Esta é a primeira vez que uma mulher negra e filha de imigrantes concorre à vice-presidência no país.

A decisão representa um aceno à população negra e às mulheres nos Estados Unidos e uma tentativa de apresentar algum sinal de renovação dentro do partido. O anúncio sela uma promessa feita anteriormente por Joe Biden de nomear uma mulher para a vice-presidência. A escolha de Kamala repercutiu na imprensa como uma resposta ao momento crucial que o país enfrenta com os protestos antirracismo, após o assassinato de George Floyd no final de maio.

A entrada de Harris na disputa é ainda uma tentativa de reduzir os impactos das denúncias de assédio sexual enfrentadas por Biden, feitas por sua ex-assessora Tara Reade. Também tem como objetivo amenizar o desgaste sofrido nos debates entre os pré-candidatos democratas pelas acusações feitas, inclusive por Harris, de comportamento omisso em relação a ex-colegas senadores que teriam apoiado a segregação racial.

Ataques sexistas e racistas

Kamala Harris é senadora desde 2017, foi procuradora da Califórnia e concorreu pela nomeação democrata para as eleições deste ano. Tem atuado em favor dos protestos antirracistas ocorridos recentemente no país, defendendo uma legislação de justiça racial após o assassinato de George Floyd. Apesar disto, ela é vista com ceticismo por movimentos mais progressistas no país por sua atuação como procuradora e também por ter retirado o apoio à proposta de saúde pública universal no país.

Além das contradições que ela deverá enfrentar em decorrência destas questões, outro desafio está relacionado a um problema estrutural no país e que vem à tona quando uma mulher assume uma posição de destaque, mesmo considerando-se as limitações de uma vice-presidente: os ataques sexistas, machistas e misóginos de Donald Trump e de outros políticos, assim como da imprensa.

Logo após o anúncio, Trump reagiu com vários insultos que reforçam os estereótipos racistas sexistas sobre as mulheres negras, chamando-a de falsa, desrespeitosa, desagradável. Os ataques foram imediatamente seguidos pela Fox News, com destaque para o âncora Tucker Carlson que partiu para ofensiva. Os ataques seguem um comportamento recorrente de Trump que, ao longo de toda corrida presidencial de 2016, agiu desta maneira, insultando tanto a candidata Hillary Clinton como outras mulheres que o enfrentaram.

Muitos grupos organizados por mulheres já se posicionaram favoráveis a Kamala e deixaram claro que enfrentarão os ataques machistas e misóginos feitos contra ela. Uma das campanhas, intitulada “We Have her Back”, buscará combater a desinformação e os ataques sexistas contra a candidata. Há uma iniciativa de coalizão de grupos voltados para o direito das mulheres que pretende apoiar a candidata, incluindo o movimento Women’s March. Este último ganhou destaque nas manifestações contrárias a Trump e já levou milhões de pessoas às ruas desde que o empresário nova-iorquino foi eleito.

A heterogeneidade do voto feminino

O voto das mulheres é um terreno em disputa. Elas representam 55% do eleitorado americano. Além disso, a atuação de movimentos organizados por mulheres, como o Women’s March, demonstra uma força importante de resistência deste grupo ao atual governo republicano.

Biden está à frente de Trump entre as mulheres, com 57% de intenção de voto, e há uma tendência (sobretudo nas eleições presidenciais a partir dos anos 1980) de as mulheres escolherem candidaturas democratas. As mulheres não representam um grupo coeso, porém, e as previsões que levaram em consideração apenas o gênero para determinar a escolha por um candidato erraram por não considerarem esta heterogeneidade.

Este foi o caso das eleições de 2016 em que a expectativa era a de que as mulheres apoiariam em peso a candidata Hillary Clinton, alcançando assim níveis recordes de gender gap (diferença na escolha de mulheres e homens para determinado candidato, ou candidata). Hillary obteve a maioria entre o eleitorado feminino, mas Trump conquistou um apoio expressivo de 41% das mulheres, tendo alcançado a maioria de votos quando considerado o grupo das mulheres brancas (52% de votos).

Donald Trump certamente usará isso a seu favor. Em um tuíte recente, Trump afirmou que “A ‘dona de casa suburbana’ vai votar em mim. Elas querem segurança e estão entusiasmados por eu ter encerrado o programa de longa duração em que moradias de baixa renda invadiriam sua vizinhança”. Este tipo de estratégia servirá para cristalizar esta base de apoio entre as mulheres brancas, algo que influenciará o pleito.

Outras categorias para além do gênero são importantes e devem ser consideradas para analisar a escolha das mulheres. O voto das mulheres negras e latinas foi bem diferente daquele das mulheres brancas. Além da raça, outras categorias, tais como classe social, escolaridade, estado civil e religião, são importantes para a compreensão deste processo. Hillary, por exemplo, obteve apoio da maioria das mulheres latinas (69%) e negras (94%), mas recebeu menos votos, se compararmos com os votos das latinas (76%) e negras (96%) para Barack Obama.

A corrida presidencial de 2016 trouxe alguns aprendizados para o Partido Democrata. Um deles é o de que não se pode considerar como garantida uma vitória esmagadora do partido entre as eleitoras. A elaboração de propostas que atendam aos interesses da população negra e imigrante no país será um elemento crucial para uma possível vitória.

A posição centrista de Biden e de Harris também gera desconfiança em parte do eleitorado democrata, principalmente na ala mais à esquerda. O partido deu um primeiro passo para se aproximar do eleitorado mais jovem, buscando, de alguma maneira, responder às recentes demandas da sociedade com o convite a Harris. Ainda assim, o foco da sigla continua a ser a busca pelo eleitorado moderado e independente. Resta saber se esta estratégia será bem-sucedida.

 

* Débora Figueiredo Mendonça do Prado é pesquisadora do INCT-INEU, professora no curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e coordenadora do Grupo de Estudos e pesquisas sobre Gênero e Relações Internacionais (GENERI).

** Recebido em 13 ago. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.

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