As ameaças de Trump ao TPI e o histórico da tensa relação do tribunal com os EUA
Soldado americano da 82a Divisão Aerotransportada monitora afegãos, durante Operação ‘Resolute Strike’, na província de Helmand, no Afeganistão, em 8 abr. 2003 (Crédito: Jim Wagner/Pool/Getty Images)
Por Marrielle Maia*
Em 11 de junho de 2020, o presidente Donald Trump se valeu de normas que permitem medidas em situações de emergência nacional – como a International Emergency Economic Powers Act (IEEPA – 50 U.S.C.1701 et seq), a National Emergencies Act (NEA – 50 U.S.C. 1601 et seq.), a seção 212 (f) da Immigration and National Act 1952 (INA 1952 – 8 U.S.C. 1182 (f) e a seção 301 do título 3 do United States Code) – para poder aplicar sanções a funcionários do Tribunal Penal Internacional (TPI) e a quaisquer pessoas que estejam diretamente engajadas em esforços desta organização internacional de investigar, prender, ou processar pessoal dos Estados Unidos sem o consentimento do governo americano. Também autoriza a adoção das mesmas medidas em situações de investigação e de processamento que envolvam cidadãos de países aliados que também não aceitam a jurisdição do TPI.
Essa ação precisa ser compreendida no contexto de um conjunto de iniciativas do governo Trump de redefinição da ordem internacional que inclui a própria redefinição dos direitos humanos. Também é iniciativa com finalidade específica de impedir a continuidade das investigações do TPI no caso do Afeganistão.
É verdade que, desde o processo de criação do órgão de Justiça internacional, os Estados Unidos têm expressado desacordo com a amplitude de sua jurisdição e tem adotado medidas para limitar o alcance do mesmo, no que se refere aos seus cidadãos. Entre os governos Clinton (1993-2000), George W. Bush (2001-2008) e Obama (2009-2017), foi possível observar diferentes abordagens para o mecanismo: nos governos democratas, uma oposição branda com colaboração seletiva; nos republicanos, enfrentamento direto e oposição branda com convivência pacífica. Ainda assim, as ações guardavam alguma continuidade no que se refere ao “double standard” da política para os instrumentos de Justiça internacional. Até então, o apoio à Justiça internacional, desde que para os outros, vinculava-se à estratégia de promoção dos valores norte-americanos, entre os quais a democracia.
Apesar de recordar as medidas anteriormente adotadas no governo W. Bush, a política do governo Trump para o TPI ganha novo significado e eleva o patamar do combate ao mecanismo de justiça, uma vez que as retaliações passam a ser dirigidas aos funcionários do TPI por meio da evocação de emergência nacional em conexão com a ameaça à segurança nacional e à política externa dos Estados Unidos.
Antecedentes da relação entre os EUA e o TPI
Estudos sobre a política externa dos Estados Unidos para os direitos humanos e instrumentos de Justiça internacional identificam uma linha de continuidade entre as políticas de governos democratas e republicanos do pós-Guerra Fria que se rompeu na gestão Trump. A política que Ignatieff (2015) nomeia “double standard”, ou seja, de interferência na agenda, mandato e instrumentos das instituições internacionais de direitos humanos ao mesmo tempo que rechaçam suas recomendações, ou decisões, também era marcada por uma postura resultante da posição privilegiada que o país ocupa no sistema internacional.
O papel de potência garantidora da paz e da segurança internacional evocado como desculpa para as ações que isentavam o país de seus compromissos internacionais, em razão da necessária autonomia decisória, não constitui a única explicação para a relação dos EUA com as cortes de Justiça internacional. É também fruto da “autocompreensão política e cultural da singularidade do país”, com instituições superiores e o dever de promover os valores de democracia e dos direitos humanos no mundo como forma de promoção da ordem internacional liberal (Maia, Koerner e Maciel, 2017).
O TPI foi negociado entre os anos de 1996 e 1998, portanto, durante o governo Clinton. A atuação da diplomacia norte-americana buscou alcançar a criação de um tribunal penal internacional vinculado ao Conselho de Segurança, semelhante aos tribunais de exceção e mistos para julgar crimes de guerra, de genocídio e contra a humanidade (a exemplo dos tribunais criados entre 1993 e 1994 para a ex-Iugoslávia e Ruanda, com competência temporal e geográfica limitadas). As negociações acabaram por criar um tribunal bem diferente das expectativas dos EUA. Segundo Maia e Dias (2019):
O Estatuto de Roma criou um mecanismo permanente e independente do Conselho de Segurança da ONU, com jurisdição complementar às domésticas para os crimes de agressão, de guerra, contra a humanidade e de genocídio. Diferentemente dos tribunais de exceção e híbridos, o TPI pode iniciar investigações de crimes ocorridos e indiciar cidadãos de Estados não membros, conforme a sua normativa. Essa característica é potencial ameaça aos interesses dos Estados Unidos, especialmente em razão da forte atuação militar no mundo, assim como confere ao mecanismo uma característica de supranacionalidade que é de difícil aceitação, visto que concebem as próprias instituições domésticas como superiores e modelos para outras nações.
Por essa razão, ao final de seu mandato, Clinton assina o tratado do TPI, mas deixa a recomendação de que o documento não seja ratificado por seu sucessor, em razão de “falhas graves” no seu Estatuto – características acima descritas sobre a estrutura e o funcionamento do tribunal que permitiam que integrantes das Forças Armadas e de Inteligência fossem alcançados pela jurisdição do TPI. Em documentos que sustentam a atuação do governo Clinton nas negociações e na decisão da assinatura do Estatuto do tribunal, é possível identificar uma estratégia que buscava isentar os Estados Unidos da jurisdição do TPI por meio da não ratificação. No entanto, a assinatura do documento, que não obriga o país ao cumprimento do tratado, permite que os EUA atuem de forma a buscar revisões no tratado constitutivo, bem como a acionar o instrumento quando convier aos interesses do país (Maia, 2018).
O governo W. Bush foi caracterizado por uma política de forte oposição ao TPI, considerado como uma “ameaça aos interesses dos EUA” (The White House, 2002). Medidas legislativas e diplomáticas foram adotadas com vistas a minar as possibilidades de atuação do mecanismo. Alguns analistas, inclusive, interpretam a política de Trump como uma retomada da abordagem para o TPI do primeiro e de parte do segundo mandato de W. Bush.
As medidas intituladas anti-TPI do governo W. Bush consistiam em ações diplomáticas voltadas para a aprovação de resoluções no Conselho de Segurança da ONU para garantir imunidade ao pessoal norte-americano envolvido em missões de paz; negociações de acordos bilaterais de não entrega de cidadãos norte-americanos eventualmente processados pelo TPI; aprovação de legislação doméstica que autorizou o presidente dos Estados Unidos a usar força militar para obstruir eventuais operações do TPI e a retirar a ajuda financeira e militar para países-membros do Tribunal, ou que se recusassem a firmar os acordos de não entrega – a American Service-Members’ Protection Act (ASPA), de 2002, e a Emenda Nethercutt, de 2004.
A referida legislação acabou gerando muitos problemas no desenvolvimento de políticas e ações dos Estados Unidos no campo estratégico e militar. Não era incomum a publicação de inúmeras exceções de financiamento para os países membros do TPI, especialmente os aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte – OTAN (Maia, 2012).
No segundo mandato, em resposta às fortes críticas em relação à sua política unilateral e aos efeitos colaterais da lei anti-TPI, o governo W. Bush abrandou a hostilidade e passou a adotar uma estratégia “pragmática”, inclusive com a inclusão na ASPA de dispositivo que permitia a colaboração dos EUA com o TPI em situações que envolvessem seus inimigos (Bellinger, 2018). Merece mencionar que, em 2006, os EUA se abstiveram na votação no Conselho de Segurança de encaminhamento ao TPI da situação em Darfur – o que pode ser considerado como aquiescência para que o TPI processasse os crimes de genocídio ocorridos no Sudão.
‘Engajamento positivo’ de Obama
A ascensão de Obama como presidente dos Estados Unidos trouxe uma expectativa de que o país viesse a fazer parte do TPI. Ainda na corrida eleitoral, Obama afirmava o compromisso com a Justiça internacional como forma estabilizadora das relações internacionais. Quanto ao tribunal, especificamente, concordava, porém, com a necessária isenção de seus cidadãos com relação à jurisdição do órgão.
O primeiro relatório de Estratégia de Segurança Nacional (The White House, 2015) deixa clara a abordagem do governo Obama para o TPI na afirmação que revela o interesse de colaborar com a comunidade internacional para prevenir e punir os responsáveis por crimes de direitos humanos, inclusive em cooperação com o TPI, desde que as ações sejam consistentes com a legislação doméstica dos Estados Unidos e com o compromisso de proteção de seu pessoal.
Na administração Obama, os cortes de ajuda econômica em função das Leis Anti-TPI permaneceram suspensas, não foram buscados novos acordos bilaterais de imunidade, mas também não houve a anulação deles. A forma Obama de relacionamento com o TPI foi chamada por Koh (2015), assessor jurídico à época, de engajamento positivo. Entre as ações desse engajamento, destacam-se o apoio, inclusive orçamentário, para a prisão e entrega de indiciados ao TPI; o voto favorável ao encaminhamento do caso da Líbia, por parte do Conselho de Segurança, para o tribunal e a participação nas assembleias dos Estados-membros, apresentando declarações em todas elas.
Também foi considerado parte do engajamento positivo o fato de os Estados Unidos enviarem uma forte delegação (em termos numéricos e da qualidade de seus representantes) para a Conferência de Revisão do Estatuto de Roma em Kampala, em 2010. Com a anulação da assinatura do Estatuto de Roma realizada em W. Bush, a delegação tinha apenas o papel de observadora na negociação.
A participação dos Estados Unidos, mesmo como Estado não-membro, demonstrou o interesse de interferir na configuração do mecanismo em benefício próprio, uma vez que o escopo dos trabalhos era a definição do crime de agressão. Os representantes dos EUA atuaram nos bastidores para encaminharem, por meio de aliados, propostas de dispositivos sobre o tema. Ao final, foram contemplados em seu interesse de impedir o alcance da jurisdição sobre o referido crime para indivíduos de Estados não-membros do Tribunal.
Apesar das diferentes táticas e meios de lidar com o TPI, as estratégias dos governos Clinton, W. Bush e Obama com relação aos direitos humanos e aos instrumentos de Justiça internacional, de forma mais geral, foram alinhavadas com vistas, “sob o manto da liderança global, a expandir a democracia e o livre-mercado no mundo” (Maia e Dias, 2019).
Com sua política de “America First”, Donald Trump rompe essa tradição. As medidas unilaterais e desproporcionais contra o TPI revelam uma estratégia que, além de rejeitar o papel dos Estados Unidos como promotor da ordem internacional liberal, pretende desmontar e/ou remodelar as instituições multilaterais vigentes. No início de 2017, o republicano iniciou um processo de desengajamento das instâncias multilaterais de cooperação, além de cortes de financiamento de organizações internacionais. O TPI ficou esquecido até que sua promotora anunciou o início de investigações formais sobre os crimes de guerra e os crimes contra a humanidade no Afeganistão, envolvendo as Forças Armadas e de Inteligência dos EUA.
A tensa relação entre Trump e o TPI
Investigações preliminares do TPI sobre os crimes ocorridos no Afeganistão já ocorriam desde 2016, mas, em 2017, foi anunciado pela Promotoria o início das investigações formais voltadas a analisar as denúncias sobre supostos crimes de guerra e crimes contra a humanidade cometidos no conflito armado na República Islâmica do Afeganistão desde 1o de maio de 2003 (ICC, 2020).
Merece atenção o fato de o governo Trump, contrariando a promessa de campanha de retirada das tropas do Afeganistão, adotar uma mudança na estratégia já no início de seu mandato. Trump tornou mais agressiva a abordagem para o país. Ampliou-se o número de tropas, e foram estabelecidas novas regras de engajamento desse efetivo, o que também aumentou a exposição de civis aos efeitos colaterais dos enfrentamentos. Soldados foram autorizados a abrir fogo sem respeitar certa distância dos alvos dos ataques.
Também em 2017, iniciou-se o processo de desengajamento dos Estados Unidos das instituições internacionais. Elas foram consideradas pela administração Trump como: ineficazes no cumprimento de seus objetivos; em desacordo com os interesses dos EUA; e instrumentos de inimigos do país, portanto, nova fonte de ameaça aos interesses do Estado.
Em 2018, a nomeação de John Bolton como conselheiro de Segurança Nacional (reconhecido inimigo do TPI que também atuou no governo W. Bush) também contribuiu para o reforço das políticas de rechaço às organizações internacionais, de defesa de ações interventivas e agressivas das Forças Armadas e de forte oposição ao TPI. Em 10 de setembro do mesmo ano, o então conselheiro informou que os Estados Unidos estaria ressuscitando as medidas anti-TPI e anunciando novas formas de retaliação dirigidas não apenas à organização, mas também aos seus funcionários.
Em síntese, as medidas anunciadas foram: (a) ampliação do número de acordos bilaterais de não entrega; (b) medidas de retaliação contra funcionários do TPI (proibição de vistos para os Estados Unidos, aplicação de sanções contra seus bens no sistema financeiro americano, início de processos no sistema criminal do país); (c) medidas de retaliação contra empresas, ou Estados, que auxiliem investigações no Tribunal sobre norte-americanos; (d) cortes de assistência externa, em Inteligência e militar para países que cooperarem com as investigações do TPI; (e) medidas no Conselho de Segurança da ONU para garantir imunidade aos oficiais norte-americanos e de países aliados.
Os argumentos usados para justificar as ações anti-TPI são que a jurisdição sobre os oficiais norte-americanos ameaça os interesses de segurança nacional; que a definição dos crimes do TPI estão em disputa; que os apoiadores do TPI têm interesse em intimidar os decisores dos Estados Unidos e de outras sociedades democráticas; que o TPI não é o mecanismo apropriado para dissuadir o cometimento de crimes internacionais; que é necessário defender a superioridade das instituições domésticas norte-americanas e que o TPI tem sido abandonado por antigos apoiadores.
Em 15 de março de 2019, o secretário de Estado, Mike Pompeo, anunciou a primeira medida de retaliação aos funcionários da organização: a restrição de vistos para indivíduos diretamente responsáveis por investigações contra pessoal norte-americano e israelense (ação que atingiu a procuradora do TPI, Fatou Bensouda). Em pronunciamento, ele justificou a ação como parte de uma política que visa a promover a reforma “das instituições internacionais, reorientando-as para suas missões principais”. Também afirmou que as investigações sobre o caso do Afeganistão confirmavam o receio do uso político do TPI contra os EUA. Ao final, em tom de clara ameaça, sugeriu que o Tribunal mudasse o curso de suas ações.
Uma semana depois do cancelamento do visto de Bensouda, o TPI (Sala de questões preliminares) rejeitou o pedido de abertura formal das investigações no Afeganistão. Os juízes alegaram que o “processo não serviria aos interesses da Justiça”, uma vez que a promotoria não teria a cooperação dos investigados além de outras motivações econômicas. A decisão foi criticada por defensores dos direitos humanos e, pela administração Trump, comemorada como uma vitória.
A retomada por parte de Trump da política de retirada das tropas do Afeganistão e as novas ações pessoais de negociação com os talibãs azedaram a relação entre Bolton e Trump. A demissão do conselheiro de Segurança Nacional não alterou, contudo, o entendimento consolidado na cúpula da administração sobre o incômodo que o TPI representa. Uma organização indesejável, uma vez que sua jurisdição tem o potencial de julgar tomadores de decisão, especialmente em suas ações nos campos político e estratégico-militar.
Críticas internacionais à medida de Trump contra o TPI
Em 5 de maio de 2020, a Câmara de Apelação do TPI autorizou as investigações do caso do Afeganistão, anulando a decisão de primeira instância. Na ocasião, Pompeo considerou a decisão como “insensata”, especialmente em razão de os Estados Unidos terem anunciado, dias antes, o “acordo histórico de paz no Afeganistão” que, na opinião do secretário de Estado, “é a melhor oportunidade de paz em uma geração”. Na sequência, ameaçou o Tribunal com novas ações de retaliação.
Não tardou para as medidas se concretizarem. Em 11 de junho de 2020, Trump emitiu a ordem executiva intitulada Blocking Property of Certain Persons Associated With the International Criminal Court. A decisão introduz uma medida de emergência nacional em razão de ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos e à política externa. Esse tipo de medida, quando adotada, dá poderes excepcionais ao presidente em situações de emergência (como no caso da pandemia da COVID-19), mas também para impor sanções contra países, pessoas e organizações.
Na introdução do documento, Trump considera a investigação do TPI no caso do Afeganistão como uma ameaça a membros do atual e de antigos governos dos Estados Unidos, uma violação da soberania que impede o trabalho de funcionários do país e de aliados que atuam na segurança nacional e em política externa. A ordem rememora a Lei de Proteção de Membros do Serviço Americano (ASPA), aprovada em 2002, e que autoriza o presidente da República a usar todos os meios disponíveis para liberar uma pessoa detida, ou mantida sob custódia, pelo Tribunal.
A ordem executiva tem embasamento na IEEPA (que se enquadra nas disposições da NEA) para declarar uma ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional e política externa dos EUA e, com isso, bloquear transações e congelar ativos financeiros para lidar com a ameaça. A lei também permite o confisco de propriedades. Outro tipo de retaliação é sustentada pelo INA de 1952, que contempla a negativa, ou a revogação, de vistos para pessoas (extensivo a familiares) ligadas a investigações do TPI que envolvam norte-americanos, ou cidadãos de países aliados.
Essas sanções unilaterais contra funcionários públicos internacionais são inéditas. As medidas voltadas para a suspensão de vistos e sanções econômicas a indivíduos foram adotadas anteriormente, mas contra terroristas, pessoas vinculadas ao crime organizado, ou que cometeram alguma infração, como exposição da segurança de dados, ou violações de direitos humanos. Também já foram adotadas em situações que envolviam países específicos (Venezuela, Nicarágua, pessoas ligadas ao conflito na República Democrática do Congo, entre outros). Além disso, sequer pessoas vinculadas a grupos terroristas tiveram a negativa de vistos de entrada nos Estados Unidos estendida a membros da família.
O TPI lamentou as ameaças e ações coercitivas contra seus funcionários e declarou que permanece inabalável em seu compromisso de cumprir seu mandato com independência e imparcialidade. Em declaração oficial, considerou que os ataques dos Estados Unidos constituem ameaça inaceitável com o objetivo declarado de influenciar as ações dos funcionários da Corte e um ataque contra os interesses de vítimas de crimes, para os quais o Tribunal representa a última esperança de justiça (ICC, 2020).
As ameaças e ações contra funcionários do TPI e outras pessoas envolvidas nas investigações tiveram repercussão, ganhando o apoio de Israel, mas também a desaprovação de defensores de direitos humanos, de vários países e organizações, como a União Europeia e a Organização das Nações Unidas. Em 25 de junho de 2020, 34 especialistas independentes do Conselho de Direitos Humanos da ONU assinaram um comunicado, no qual questionam a legalidade das medidas.
Segundo esta nota, a Ordem Executiva 13.928 emite medidas que constituem violação dos privilégios e imunidades de juízes e funcionários públicos internacionais, mas também de amplo espectro de direitos dos indivíduos lesados, como, por exemplo, violação da proibição de punição por atos que não constituem ofensas criminais no momento de sua comissão, o direito a um julgamento justo, o direito à liberdade de movimento, o direito à privacidade e à vida familiar. Ademais, constituem ataque à independência do TPI com o potencial de causar impactos adversos sobre defensores de direitos humanos, organizações da sociedade civil e representantes de vítimas que podem ser desencorajados a cooperar com o TPI e, assim, dificultar a possibilidade de que vítimas de crimes atrozes acessem a Justiça (ONU, 2020).
* Marrielle Maia é doutora em Política Internacional pela Unicamp, professora do Programa de Pós Graduação em Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).
** Recebido em 30 de junho de 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.