Venezuela sob ataque: governo Trump e COVID-19
Por Renata Peixoto de Oliveira*
Nos últimos anos, a comunidade internacional acompanha aflita a situação política e econômica da Venezuela. O fluxo de refugiados e refugiadas para países vizinhos diante do colapso econômico e as articulações do principal novo líder da oposição ao governo Nicolás Maduro, Juan Guaidó, assim como sua autoproclamação como presidente interino, monopolizaram as manchetes sobre o país em 2019.
Os desdobramentos da crise política, inclusive com manifestações pró-governo e pró-oposição, levaram ao ápice da crise política e a expectativas sobre uma possível queda de Maduro diante do acirramento da posição de seus opositores, das articulações do governo Donald Trump e do posicionamento de países vizinhos, como os membros do chamado Grupo de Lima – entre eles o Brasil.
Agora, em 2020, a crise venezuelana ganha novos contornos. Depois de meses de desdobramento de seus anteriores episódios de convulsão política, qual é a situação hoje do país andino? Como a Venezuela está enfrentando a atual pandemia de coronavírus e como está reagindo às recentes ofensivas dos Estados Unidos?
Maduro lança pacote de medidas contra coronavírus
Em setembro passado, os Estados Unidos já haviam invocado o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR) diante da preocupação em torno de exercícios militares da Venezuela na região de fronteira com a Colômbia. Em fevereiro deste ano, Washington e Caracas se envolveram em outra polêmica, desta vez, sobre as sanções de Trump contra a companhia de aviação estatal venezuelana, a CONVIASA. O governo Maduro responsabiliza Juan Guaidó por articular tais medidas.
Em meados de março, os primeiros casos de coronavírus foram registrados na Venezuela. Diante da grave crise econômica dos últimos anos, o país enfrenta sérios problemas de infraestrutura em sua rede hospitalar, com falta de remédios, de equipamentos adequados e de recursos financeiros.
No dia 17 de março, o governo anunciou uma ampla quarentena e sinalizou ao Fundo Monetário Internacional (FMI) a necessidade de recursos. A Venezuela não considerava esta hipótese desde 2001. No mesmo dia, o Brasil fechou a fronteira para impedir o fluxo de imigrantes venezuelanos para o estado de Roraima, em meio à eclosão da pandemia.
Mesmo diante destes problemas, o governo venezuelano tem procurado se mostrar um dos mais ativos da região no combate à COVID-19, apoiando às restrições de circulação e o isolamento social como forma de prevenção. Também chamaram a atenção as principais medidas econômicas anunciadas pelo presidente Maduro para lidar com os efeitos econômicos e sociais da pandemia. O destaque fica para o decreto presidencial que proíbe demissões até dezembro do corrente ano, além da suspensão do pagamento de aluguel para os próximos seis meses, retroativo a março.
Outras medidas importantes são a suspensão das cobranças dos serviços de água, luz e gás, além da proibição dos bancos de cobrarem juros e de suspenderem o pagamento de financiamentos em curso. O governo também se prepara para um plano de pagamento de salários, contando com recursos públicos e privados.
Em 8 de abril, Maduro ordenou que todos as infectadas(os) sejam hospitalizadas(os) e se mantenham em isolamento. No mesmo dia, a Organização das Nações Unidas enviou um avião com 90 toneladas de donativos. A carga da ONU é composta, principalmente, de equipamentos de proteção para as equipes de saúde. O balanço oficial mais atualizado no país é de 166 casos de contágio e sete óbitos.
Em meio ao caos, a tensão entre Maduro e Guaidó registrou uma nova escalada. O líder oposicionista acusa o governo de mentir sobre os reais números de contaminados no território.
Ofensiva americana
No final do mês de março, em meio ao agravamento da pandemia nos EUA e do aumento significativo de casos de infectados na América Latina e no Caribe, a grande potência hemisférica aumentou sua presença de navios de guerra na região caribenha. O governo estadunidense alega que, durante a pandemia da COVID-19, governos corruptos e ligados ao narcotráfico – como o da Venezuela, segundo Washington – podem se aproveitar para desenvolver atividades ilícitas. Apesar das sanções unilaterais dos americanos, países como Rússia, Cuba e China se mantêm como pontos de apoio para o governo venezuelano.
Estas represálias unilaterais chegaram ao ponto de estabelecimento e defesa de um plano que garantisse a transição de regime na Venezuela com a saída de Maduro da presidência e a desistência de Guaidó de fazer parte do novo governo, – conforme anunciado pelo secretário de Estado americano, Mike Pompeo. Na proposta americana, essa mudança abriria caminho para a constituição de uma junta governamental de transição democrática. Esta seria a condição para que os Estados Unidos retirassem as sanções estabelecidas contra a Venezuela nos últimos tempos como forma de levar ao desgaste e à destituição do presidente Nicolás Maduro.
Até o momento, o governo Maduro tem conseguido resistir. Diante desse cenário, faz-se necessário agora acompanhar os desdobramentos da pandemia e como os EUA seguirão em suas articulações no sentido de fragilizar o governo do país andino e alcançar seu objetivo maior na região.
* Renata Peixoto de Oliveira é doutora em ciência política pela UFMG. Docente da UNILA. Membro dos grupos de pesquisa INCT-INEU, DALC-ALACIP e Estado, desarrollo y desigualdades territoriales da CLACSO. Líder do grupo CESPI-América do SUL (CNPQ). renata.oliveira@unila.edu.br.
** Recebido em 9 abr. 2020. Este Informe não reflete, necessariamente, a opinião do OPEU, ou do INCT-INEU.