Socorro ao setor petrolífero é desafio pré-eleitoral
Por Solange Reis*
O governo dos Estados Unidos pretende lançar um pacote de medidas para ajudar a indústria nacional de petróleo. Com o preço do barril valendo pouco mais de trinta dólares, o socorro estatal é vital para a produção nas dispendiosas reservas de xisto.
Nem todo mundo gosta da ideia, o que deve dificultar a aprovação de auxílios no Congresso. Os democratas alegam que o momento não é de privilegiar setores, mas de criar um pacote de estímulo à economia geral. Ambientalistas criticam a ajuda a uma indústria poluente que inunda o mercado global com superprodução. Com a chegada do coronavírus, os progressistas dizem que o país precisa investir em saúde pública e universal.
Algumas medidas de resgate do setor não dependem do Legislativo. Mesmo assim, será uma decisão difícil para o Executivo. Há poucos meses da eleição, socorrer o setor de petróleo de xisto pode se tornar um gesto impopular.
Pandemia e OPEP+
A queda dos preços do petróleo aconteceu depois do desalinhamento entre Rússia e Arábia Saudita sobre o nível ideal de produção. Países da OPEP+, que inclui os membros da organização e outras onze nações produtoras, se reuniram na semana passada para reagir à queda de preço devida ao coronavírus. A ideia era reduzir a produção, a fim de evitar que o valor caísse para menos de 50 dólares.
Quando a Rússia não aceitou os níveis propostos, a Arábia Saudita resolveu jogar duro e aumentar sua produção. Sauditas e russos são, respectivamente, os segundos (11,42 milhões de barris por dia—mbd) e terceiros (11,4 mbd) maiores produtores mundiais de petróleo. Os Estados Unidos lideram a produção global (17,94 mbd) desde que conseguiram produzir petróleo de xisto em larga escala, a partir de 2011.
Com a paralisação das economias diante da pandemia viral e o impasse sobre o nível de produção de petróleo, os preços declinaram rapidamente, chegando perto de vinte dólares. Foi a maior redução num espaço tão curto de tempo, desde a Guerra do Golfo. Atualmente, o valor está em torno de 33 dólares.
Ineficiência setorial
O cenário de pandemia e depressão no preço do barril derrubou as bolsas de valores no mundo e aumentou o dólar. Esses três fatores —bolsas em queda, dólar alto e barril de petróleo barato— geraram ainda mais pânico no setor petrolífero nos Estados Unidos. Como as reservas de petróleo de xisto tem um custo de produção muito alto, o patamar atual de preços é fatal. O ponto de equilíbrio varia de 23 a 70 dólares, dependendo da empresa, da complexidade do subsolo e do estágio de exploração do poço. Quanto mais explorado, mais cara se torna a produção. A maioria das empresas sobrevive de crédito privado, sobretudo de fundos hedge em contratos futuros, além de incentivos fiscais. Somente em dívidas, são estimados 90 bilhões de dólares. Números conservadores indicam que os subsídios e benefícios chegam a vinte bilhões anuais.
O medo atual dos investidores restringiu o fluxo, que já vinha mais apertado em função dos baixos lucros setoriais. Muitas empresas trabalham no prejuízo e contam massivamente com os fundos de investimento, mas esses tendem a migrar para o dólar em tempos de incerteza.
Estado-mãe
Como quase sempre acontece, o Estado tem de intervir para resgatar o mercado em risco de colapso. Para isso, o presidente Trump trabalha em um pacote de medidas emergenciais. A primeira delas já foi anunciada. O Departamento de Energia irá comprar petróleo para preencher sua capacidade de reservas estratégicas. Esse espaço de estoque físico foi criado nos anos 1970 como salvaguarda contra choques de petróleo. A intenção era simplesmente estocar o produto para uma eventual crise de abastecimento.
Desde o governo Obama, as reservas estratégicas têm sido usadas para reequilibrar os preços. Em 2011, durante o conflito na Líbia, o democrata ordenou a venda de parte das reservas para reduzir o preço do barril no mercado doméstico.
Trump faz o inverso, embora o objetivo seja colocar a mão visível num mercado apavorado. Na sexta-feira (13), anunciou que irá instruir o Departamento de Energia a encher as reservas. O propósito é comprar um pouco do volume excedente no mercado para tentar aquecer o preço. O volume atual das reserva chega a 635 milhões de barris, mas a capacidade total é 713,5 milhões.
A medida sozinha não adianta muito, razão pela qual a Casa Branca estuda algo de mais impacto. Outros gestos em vista são de natureza fiscal e financeira, como corte de impostos, outros subsídios generosos e empréstimos. Muito disso depende de aprovação no Congresso, onde a maioria democrata na Câmara não promete vida fácil ao governo republicano.
Uma provável iniciativa do presidente será a redução dos royalties pagos pelos produtores em terras federais. Nesse caso não seria necessária a anuência legislativa. Pela Lei de Expansão do Comércio (Trade Expansion Act), o Executivo pode definir os impostos unilateralmente em caso de ameaça à segurança nacional. Outra forma de assistência deverá ser por meio de garantias de empréstimos a juros baixos, sobretudo para as empresas que trabalham com reservas de xisto.
Relações de interesse
Uma das empresas mais afetadas pela queda no preço foi a Continental Resources. Seu fundador, Harold Hamm, contribuiu para a campanha do republicano, e agora é conselheiro do governo para assuntos de energia. No auge da queda de braço entre Rússia e Arábia Saudita, a empresa perdeu quase 50% em valor de mercado. Hamm, que já teria acionado os contatos na Casa Branca para sugerir o resgate, disse que a ajuda federal será bem-vinda para manter empregos.
Pouco intensivo em mão de obra, o segmento gasta muito mais com as operações de implosão das rochas de xisto e perfuração do subsolo. O custo da produção de xisto chega a ser quase 14 vezes mais alto do que no caso do petróleo convencional saudita, esse último na ordem de 2,8 dólares por barril. Algumas indústrias americanas agora ameaçam processar os sauditas pelo que consideram o dumping ilegal de petróleo cru.
Para aliviar a pressão nas empresas, o governo traz coelhos na cartola. A redução de tarifas sobre produtos chineses, principalmente maquinário, e corte de impostos sobre a folha de pagamentos estão no radar. Existe até a chance remotíssima de imposição de tarifas sobre o produto saudita, na expectativa de forçar a Arábia Saudita a reduzir sua produção. Uma medida dessa ordem teria implicações geopolíticas e econômicas enormes. Os Estados Unidos são os maiores produtores de petróleo, mas os segundos principais importadores, perdendo apenas para a China. O petróleo de xisto produzido em casa não serve para muitas refinarias domésticas. Essas importam de outros países, como a Arábia Saudita. Tarifas de importação certamente colocariam o setor de refino contra o de exploração.
Felicidade na bomba
Por outro lado, a crise do preço poderá ajudar Trump no campo eleitoral. Alguns consumidores já pagam menos de dois dólares por galão, o que será sempre um trunfo para o presidente que tentar se reeleger. Gastando menos na bomba de gasolina, sobra dinheiro para a população esquentar áreas mais produtivas da economia. Outra boa janela para um presidente em campanha.
O desafio para Trump, como para qualquer presidente, é conciliar os diferentes interesses da sociedade que governa. No caso em questão, um prato da balança tem os votos de que ele precisa para ficar mais quatro anos; no outro, o capital privado que financia sua campanha e, principalmente, a de centenas de políticos republicanos que são essenciais para convencer o eleitorado a mantê-lo na Casa Branca.
*Doutora em Ciência Política pela Unicamp, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu).