Senado de maioria republicana livra Trump do impeachment
por Solange Reis*
O Senado dos Estados Unidos considerou que o presidente Donald Trump é inocente das acusações de abuso de poder e obstrução ao Congresso. Com a decisão, o republicano continuará no cargo e disputará as eleições deste ano. A votação na Casa aconteceu um dia depois de Trump fazer o anual discurso do Estado da União.
Cinquenta e dois senadores republicanos rejeitaram o impeachment, confirmando um veredito que era dado como certo. Quando Trump disputou as primárias de 2016, o Partido Republicano quase passou por uma guerra civil. Hoje, Trump é unanimidade partidária.
A grande surpresa ficou por conta da desobediência do republicano Mitt Romney, que se juntou aos 47 senadores democratas para pedir a expulsão do presidente. Romney tornou-se o primeiro senador na história do país a votar contra o presidente eleito por seu próprio partido.
Esse foi o terceiro julgamento de impeachment presidencial nos Estados Unidos – Andrew Johnson e Bill Clinton também foram absolvidos. Richard Nixon não chegou a ser julgado, pois renunciou antes.
Se o voto de Romney não foi decisivo para o resultado (o impeachment dependia de 67 votos entre 100), significou um banho de água fria na comemoração da Casa Branca. Trump sempre disse que seria inocentado unanimemente por todos os senadores republicanos, os “guardiões da Constituição”, e condenado pelos democratas, os “caçadores de bruxas”.
Conexão Kiev
O processo de impeachment foi aberto pelos democratas na Câmara dos Representantes, em setembro do ano passado. Trump foi acusado de abuso de poder e obstrução ao Congresso quando reteve uma ajuda militar para a Ucrânia que já tinha sido aprovada pelo Legislativo.
Em troca da liberação da verba de US$ 400 milhões, Trump exigiu que o governo ucraniano desse informações comprometedoras sobre Joe Biden, pré-candidato democrata em 2020. O presidente Volodymyr Zelensky foi abordado por assessores da Casa Branca, pelo próprio Trump e por seu advogado pessoal, Rudy Giuliani.
Em 2014, Joe Biden teria usado o poder como vice-presidente dos Estados Unidos para favorecer o filho. Embora sem ter nenhuma qualificação para a função, Hunter Biden entrou para o conselho da Burisma, uma empresa privada de gás na Ucrânia. Biden (pai) exercia influência no país europeu após a crise que derrubou o governo anterior, que era favorável à Rússia e às estatais de energia.
Acusação na Câmara
A tática de Trump para obter informações sobre a família Biden veio à tona após denúncias de dois informantes da comunidade de inteligência. Um deles seria funcionário da CIA alocado na Casa Branca.
Passaram-se dois meses entre o telefonema de Trump para Zelensky – para que o ucraniano também retomasse uma ação de corrupção contra a Burisma – e a abertura do processo de impeachment. Os democratas tinham pressa em conduzir o caso para não cansar a opinião pública. Mas a estratégia esbarrou no muro de proteção erguido pelo Executivo. Pessoas do governo recusaram-se a depor, a Casa Branca reteve documentos e Trump agiu como candidato. Para ele, o sistema corrompido representado pelos democratas tentava se vingar de sua vitória em 2016.
Nancy Pelosi, líder da maioria democrata na Câmara, se viu diante de um impasse. Esticar o processo para que os democratas conseguissem o máximo de provas, mesmo que tivessem de recorrer à justiça, ou levar a acusação a toque de caixa para desgastar rapidamente a imagem do presidente. Sabendo que uma investigação demorada talvez custasse eleitoralmente para o Partido Democrata, Pelosi optou pela segunda opção. Assim, em dezembro, Trump foi considerado culpado pelos representantes da Casa.
Faz-de-conta no Senado
Enquanto a Câmara atua como promotor, cabe ao Senado o papel de juiz. Com a maioria republicana no Senado, independentemente dos evidentes crimes cometidos, o presidente sabia que seria inocentado. Dessa vez era Trump quem tinha pressa. Precisava desacreditar os democratas e afastar a sombra do impeachment para não prejudicar a chance de reeleição. Já os democratas passaram a tentar arrastar o julgamento campanha adentro.
O caso no Senado foi marcado pela disputa entre os dois partidos sobre a convocação de novas testemunhas e a análise de novos documentos. Entre as testemunhas, os democratas esperavam contar com John Bolton. Ex-conselheiro de Segurança Nacional e agora um quase desafeto de Trump, Bolton está para lançar um livro no qual conta sua experiência no atual governo e a chantagem sobre Zelensky.
Os republicanos levaram a melhor. Mitch McConnell, líder da maioria na Casa, considerou que “as numerosas testemunhas e mais de 28 mil páginas de documentos já em evidência são suficientes para julgar as acusações dos responsáveis da Câmara e encerrar este julgamento de impeachment”. Sem testemunhas a ouvir, restou aos democratas uma sucessão de discursos pro-forma no plenário contra o presidente. Para o representante Adam B. Schiff, líder democrata no processo do impeachment, “um presidente livre de responsabilidades é um perigo para o coração pulsante da nossa democracia”.
Calmaria indesejada
Essa divisão partidária se refletiu no eleitorado. No saldo médio de muitas pesquisas, metade da população concorda com Schiff, a outra metade, com McConnell. O país segue dividido quanto a amar ou odiar seu líder momentâneo, fratura esta que Trump soube alimentar o tempo todo. Mesmo que a divisão não seja tão polarizada quanto parece, o presidente sempre ameaça convocar o eleitorado fiel e barulhento contra republicanos moderados e políticos nos chamados “swing states”, que não tendem para nenhum dos dois partidos.
Depois de prender crianças estrangeiras, assassinar o general de um país contra o qual não está em guerra, apoiar supremacistas brancos e sobreviver a um impeachment, há pouco com o qual ele ainda possa chocar a nação. Seu desafio para os próximos será manter a capacidade de gerar polêmicas, o que constitui seu principal capital político.
Normalmente, o presidente que tenta a reeleição se beneficia da falta de disputa intrapartidária. Sem concorrentes no Partido Republicano, a campanha de Trump não terá a mesma agitação da que será protagonizada pela oposição. As primárias em Iowa provam que os holofotes agora estão sobre os pré-candidatos democratas. Navegar em águas calmas, no entanto, é a antítese do mito que Trump construiu para si.
*Doutora em Ciência Política pela Unicamp, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu).