Venezuela e a hegemonia estadunidense na viagem de Mike Pompeo
Juan Guaidó se reúne com Pompeo na Colômbia
Por Lívia Peres Milani*
Entre 18 e 22 de janeiro de 2020, o secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, realizou um breve périplo pelos países da América Latina, passando por Colômbia, Costa Rica e Jamaica, nessa ordem. Na Colômbia, o representante dos EUA abordou, entre outros temas, a situação política na Venezuela, país fronteiriço ao que visitava, e se encontrou com Juan Guaidó, autoproclamado presidente. Pompeo aproveitou a ocasião para reiterar antigos objetivos dos EUA relativos à mudança de regime no país caribenho e à ascensão de Guaidó.
Acontecimentos recentes mostram, no entanto, o logro de Nicolás Maduro em se manter no poder, firmando-se como um obstáculo relevante para a reconstrução e o fortalecimento da influência hemisférica da potência.
Vitórias e reveses de Guaidó
A promoção da mudança de regime, que já é buscada desde o início dos anos 2000 – quando os EUA apoiaram uma tentativa de golpe de Estado contra Hugo Chávez – intensificou-se no início de 2019, com o apoio fornecido ao pretenso presidente venezuelano. Em 23 de janeiro de 2020, Juan Guaidó completou um ano desde que se proclamou presidente interino. Nesse período, conseguiu vitórias importantes no plano internacional, tendo sido reconhecido como presidente legítimo por quase 60 países, de acordo com o jornal The Washington Post, e logrando enviar representação para a Organização dos Estados Americanos (OEA).
No front interno, no entanto, a campanha de Guaidó foi permeada por derrotas relevantes. Em primeiro lugar, os protestos em massa que antecederam e sucederam a sua autoproclamação não lograram que o mesmo ascendesse, de fato, à presidência. Uma conspiração para retirar Maduro do poder, que teve lugar em 30 de abril de 2019, fracassou quando os militares venezuelanos se recusaram a romper com o governo, rejeitando a oferta de anistia por parte dos Estados Unidos. Além disso, a ameaça de intervenção militar perdeu ímpeto, parcialmente em razão da recusa brasileira em afirmar que todas as opções estavam sobre a mesa.
No início do presente mês, uma nova derrota para Guaidó foi estampada nas páginas dos jornais ao redor do mundo. O episódio foi marcado por uma controversa sessão da Assembleia Legislativa da Venezuela, na qual Guaidó e outros opositores foram barrados de entrar no prédio. Luis Parra, sobre o qual pairam denúncias de haver sido comprado pelo governo, acabou sendo eleito como presidente do órgão legislativo.
Considerando-se que a frágil legitimidade da demanda de Guaidó se assenta em possuir o cargo de líder da Assembleia, a manobra de Maduro buscava minar seu vigor, especialmente no plano internacional. Guaidó reagiu, reelegendo-se como líder da Assembleia Nacional em uma sessão realizada fora da sede, porém com quórum importante. Além disso, deu início a um tour mundial, desafiando a proibição de sair do país emitida pela Suprema Corte venezuelana. Visitou a Colômbia, onde se encontrou com Pompeo, e seguiu para Davos.
Resistência de Maduro
Assim, passado um ano de campanha pró-Guaidó, a maior vitória de Maduro foi ter sobrevivido. Esse fato é importante o suficiente para que o mesmo se apresente como o grande ganhador em entrevista concedida ao Washington Post, na qual afirmou ter controle sobre a Venezuela e demandou uma reunião bilateral com o presidente Donald Trump. De acordo com Maduro, os assessores de Trump enganam o presidente e fazem com que o mesmo tenha uma visão equivocada sobre a Venezuela. Maduro ainda afirma que Pompeo, o ex-conselheiro de Segurança Nacional John Bolton e o enviado especial dos EUA para a Venezuela, Elliot Abrams, subestimaram-no.
Pompeo rebateu os comentários de Maduro em entrevista à agência de notícias colombiana Caracol, afirmando que, em realidade, Maduro estaria subestimando o povo venezuelano, o qual segundo ele, ama a liberdade e a democracia. Ao ser perguntado sobre se a estratégia dos EUA em relação à Venezuela estava fracassando, argumentou que muitos também não acreditavam na queda da União Soviética, mesmo no momento imediatamente anterior a sua derrocada. Cabe adicionar que muitos esperam pela queda do regime cubano desde que o mesmo se instalou, o que já dura mais de 60 anos.
Pompeo expressou apoio total a Guiadó e se uniu à estratégia do presidente autodeclarado de defender que existe relevante ameaça terrorista para toda América Latina e, especialmente, para a Venzuela. De acordo com ambos, o Hezbollah tem presença importante na Venezuela e conta com a cobertura do governo de Maduro. Trata-se de uma tentativa de securitização e de aumentar a sensação de emergência regional, incentivando a mudança de regime.
Apesar do forte apoio expressado pelo Departamento de Estado, o suporte a Guaidó parece se tornar mais frio a cada baque que o mesmo sofre. Foi o que transpareceu em Davos. De acordo com o New York Times, Guaidó falhou em conquistar a elite do poder mundial e teve de responder a uma sabatina sobre por que sua estratégia não tem garantido resultados. No Fórum Econômico, o autoproclamado presidente interino também não logrou garantir uma reunião bilateral com Trump.
O mesmo parece verdade do ponto de vista interno. Há que se reiterar que o governo de Maduro tem inúmeros problemas, podendo ser qualificado como autoritário, cometendo desrespeitos em relação aos Direitos Humanos e gerando enorme oposição entre os nacionais venezuelanos. Como afirmado por Tony Wood, porém, a oposição a Maduro não equivale a um suporte a Guaidó, sendo que suas conexões com Washington o fazem parecer como um agente do imperialismo para muitos venezuelanos. Pesa, por exemplo, o fato de Guaidó demandar novas sanções, que segundo a ONU, são prejudiciais à população local.
Pressionar os venezuelanos a escolherem entre Maduro e Washington é uma estratégia pouco produtiva. Assim, embora não seja possível afirmar com segurança que Maduro se sustentará até o final de 2020, o que lhe garantiria o controle do processo eleitoral legislativo, as chances de Guaidó também não parecem altas.
Presença da China
As dificuldades dos EUA frente à Venezuela fazem parte de uma tendência mais ampla, marcada por dificuldades de reestabelecer e fortalecer a hegemonia. Embora atores domésticos pró-EUA tenham prevalecido em países como Brasil e Bolívia, os casos de Venezuela e Nicarágua mostram a permanência de resistência contínua, mesmo que com grandes custos internos. A crescente presença econômica chinesa em toda América Latina e o contínuo apoio russo a tais regimes se adicionam a esse cenário.
Esta questão não está ausente das preocupações do Departamento de Estado. Em discurso realizado na Jamaica, Pompeo foi direto: alertou os países caribenhos a não aceitarem o “dinheiro fácil” que vem da China. Segundo a narrativa do secretário de Estado, os investimentos chineses incentivam a corrupção, degradam o império da lei, arruínam o meio ambiente e não criam empregos. Como era de se esperar, as desvantagens dos investimentos provenientes de empresas estadunidenses e de instituições multilaterais – como o Fundo Monetário Internacional (FMI) – passaram longe de seu discurso. Ao contrário, Pompeo afirmou que as empresas ocidentais promovem um ambiente marcado por qualidade de trabalho e por transparência, o que, segundo sua argumentação, fortaleceria a democracia.
Embora os EUA continuem como importante parceiro econômico para os países da região, a China tem-se mostrado uma competidora à altura, que não irá embora no curto prazo. A narrativa simplista de Washington – que aponta a China como o problema, e os investimentos ocidentais, como a solução – dificilmente convencerá os líderes políticos latino-americanos, mesmo os mais próximos às concepções estadunidenses.
Assim, ainda que os Estados Unidos tenham logrado restabelecer influência política em alguns países da região, sendo os exemplos brasileiro e boliviano os mais marcantes, também viram seus objetivos serem frustrados na Venezuela. Esses não são tempos fáceis para os progressistas e para a esquerda anti-imperialista, porém tampouco o são para a grande potência ocidental.
* Lívia Peres Milani é doutora em Relações Internacionais pelo PPG-RI “San Tiago Dantas” (UNESP/UNICAMP/PUC-SP), pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (GEDES) e do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-INEU).
** Recebido em 28 jan. 2020.