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Controle dos think tanks nos EUA e alcance global de suas redes de poder

Professor Inderjeet Parmar na Conferência do INCT-INEU, em São Paulo

Por Alessandra Monterastelli*

O INCT-INEU (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos) reuniu de 25 a 28 de novembro de 2019 diversos pesquisadores e acadêmicos para debater estudos políticos sobre os Estados Unidos. Na quarta-feira (27 nov.), o professor da Universidade de Londres e também presidente da Associação Britânica de Estudos Internacionais (British International Studies Association), Inderjeet Parmar  (foto), discursou sobre o poder global liderado pelas think tanks estadunidenses e deu uma entrevista exclusiva para a Carta Maior no final do evento.

Parmar pesquisou profundamente os mandatos de Barack Obama e, atualmente, tenta diagnosticar o projeto do governo de Donald Trump. Além disso, o professor estuda a política e a sociologia anglo-americanas dos últimos 100 anos.

O professor explicou que a crise do capitalismo liberal que vivemos hoje possui diversos fatores que se relacionam, todos eles construídos pelo que ele chama de “Elite do Conhecimento”. Essa elite seria constituída, organizada e comandada pelo poder de corporações gigantes (think tanks), como a Rockefeller, por exemplo.

É a manifestação do que sociólogo marxista italiano Antonio Gramsci, diversas vezes citado por Parmar, chamou de “americanização”: um novo modo de fazer negócios, de organizar a malha industrial e de deter o poder. “O projeto de modernização que corporações como a Rockefeller propõem está destinado a ser muito poderoso e a ter sérias consequências globais. Essas empresas usam o conhecimento como poder”, explica o professor.

Conhecimento é poder. Essa foi a premissa da apresentação dos estudos de Parmar. Ter compreensão sobre as tecnologias transforma o mundo e, por isso, o conhecimento tem sido organizado para não ser acessível, mas para ser sistêmico e programado. A rede da Elite do Conhecimento é uma ferramenta poderosa, capaz de exercer forte influência sobre as massas.

O conhecimento dessa elite, segundo Parmar, é o núcleo poderoso dos agrupamentos de corporações. O impacto no sistema internacional e nos próprios Estados Unidos é imensurável, e a ordem liberal internacional criada pelos EUA nada mais é do que a manifestação do conhecimento dessas elites. “Após o estabelecimento dessa rede, essa elite é capaz de manejar instituições e mudanças a nível global. São estruturas de ordem para manter a ordem criada por elas mesmas e para combater o intelectualismo”, explica Parmar.

Em entrevista exclusiva para a Carta Maior, o professor Inderjeet Parmar falou sobre o controle dos think tanks sobre a corrida eleitoral nos Estados Unidos. “Os think tanks estão muito enraizados nas estruturas de poder. A política, por ela mesma, é muito controlada por essas corporações em diferentes escalas. Por exemplo, na mídia, temos o financiamento de campanhas. Desde os anos 1970 e 1980, as agendas dessas empresas estão longe de um Estado Social, mas refletem o interesse no crescimento saudável de corporações, que não querem ser taxadas nem regulamentadas”, afirmou.

“Os think tanks não querem que questões sociais estejam nos planos políticos dos partidos. Então qualquer um que peça aumento das taxas, por exemplo, será imediatamente atacado por alguma das instituições comandadas por elas. O problema é que deixam milhares de pessoas que sofreram com a crise financeira de 2008 sem perspectivas de melhora de vida. Pesquisas mostram que diversas famílias americanas não possuem nem 400 dólares como fundo de emergência, e essas pessoas são trabalhadoras”, alertou.

A violência da hegemonia e os desafios de potências

Segundo Parmar, a influência dos Estados Unidos sobre outros países está em crise. Os próprios cidadãos norte-americanos não enxergam mais de forma positiva o intervencionismo de seu país em outras nações.

As ações norte-americanas em relação a questões internas de outros países e regiões se deu pela sua hegemonia, construída pelos think tanks e facilitada por mudanças nas estruturas do poder da economia e da política mundiais. A hegemonia, segundo Parmar, não é um processo completamente coeso, mas inevitavelmente violento. “Temos a tendência de ver os think tanks ganhando poder de forma não-violenta, mas essa forma ‘pacífica’ só é possível graças à ação efetiva de outros poderes, como o econômico, político e o militar”, apontou o professor. “O processo hegemônico é violento. O sistema liberal mundial é violento e privilegia poucas pessoas, deixando a maioria em total desamparo”, concluiu.

A hegemonia norte-americana é fruto do trabalho minuciosamente planejado das corporações. O conhecimento dessas elites permite a resiliência da concentração de poder, que pode se moldar em diferentes situações para superar desafios e se renovar. Se sofre com crises, a ordem constituída pelas Elites do Conhecimento renasce.

Parmar cita, novamente, a teoria gramsciana. Para o teórico italiano, os grandes poderes se dissiparão em diferentes conflitos, inclusive militares. O professor londrino discorda de Gramsci. “Muitos argumentam que o surgimento de uma potência como a China causará um inevitável conflito armado com a potência já existente, a dos EUA. Eu sou contra essa teoria. Acredito que pode surgir um panorama muito confortável para ambas as hegemonias”, sentencia. “O maior desafio dessas grandes potências será manter relações entre si, mas também como cumprir as demandas de cidadãos que começam a questionar sua posição no futuro, que foi prometida pelo liberalismo e pela globalização. Sabemos que as instituições que prometeram uma vida melhor estão falhando”, explica.

Dentro do fracasso do liberalismo global, é interessante notar como as próprias nações arquitetas desse sistema tentam renegociar sua posição nessa ordem. A Inglaterra promove o Brexit, enquanto os Estados Unidos fecham fronteiras e iniciam guerras comerciais.

Conhecimento é poder

Grandes empresas como a Rockefeller não inovaram apenas em seus negócios, mas estabeleceram como uma corporação internacional é organizada. Ajudaram a constituir a centralização do poder dentro dos EUA e inovaram as instituições e fundações norte-americanas. A pesquisa nas universidades, como a Universidade de Chicago, é financiada pela Rockefeller. “Se você quer ser um grande poder global, você precisa criar núcleos de estudos: sobre a Ásia, América Latina, África”, disse o professor.

“Uma pessoa pode compor uma carreira inteira sem nunca sair dessa rede criada pela Elite do Conhecimento. Por exemplo: um professor que se forma na universidade de Chicago, com fundos da Rockefeller, depois consegue seu PhD pela mesma instituição. Escreve quatro livros (com fundos originários da mesma corporação) que se tornam dominantes e moldam a opinião pública. Um pequeno investimento dessas instituições têm múltiplos efeitos dentro do sistema. Uma vez dentro do circuito, ele se torna casa e o local de pertencimento de um indivíduo. Os intelectuais pertencentes a essa rede querem empregar mais intelectuais que pensem como eles”, explica Parmar, abrindo o leque do planejamento da informação. O sistema escolhe, dessa forma, quem está dentro e quem está fora dele, calando aqueles que surgem com análises diferentes. Essas redes se tornam moderadoras: escolhem qual deve ser a forma de pensar. Quando nascem, seu objetivo era substituir o colonialismo e desafiar o socialismo.

Dessa forma, a Elite do Conhecimento divulga o establishment da política externa norte-americana como uma ideia a ser defendida, globalizando o liberalismo estadunidense.

O direito dentro dos EUA nesse sistema liberal não é necessariamente voltado para o internacionalismo, mas se preocupa apenas em manter a dominância global norte-americana. “Existe dentro da própria elite a dúvida de como os EUA devem exercer sua hegemonia no cenário global. De forma unilateral ou multilateral, ‘pacífica’ ou militar, ou ainda uma mistura de todas. O debate não é sobre se os EUA devem ter controle mundial, mas como exercer esse poder”, alerta Parmar.

Controle e supervisão do Estado

“Os EUA dizem ter um modelo de sociedade para todos, mas as elites poderosas formam uma hierarquia baseada na tecnocracia. Essas organizações, de forma quase secreta, tomaram os problemas do estado como seus próprios, os quais discutem minuciosamente para depois agir”. Após essa breve explicação, Inderjeet Parmar chamou os think tanks de “organizações semi-secretas em uma sociedade aberta”. Elas são construtoras do Estado. Parmar explicou que, na Europa, as funções exercidas pelas corporações nos EUA são dadas a agências do Estado. A situação nos EUA é fruto da ideologia de privatizações, que acabam por trabalhar pelo Estado e, ao mesmo tempo, influenciá-lo.

“Estamos falando de um estado anticolonial, nascido de uma revolta anticolonial, mas que promove táticas imperialistas. A ideia deles em relação ao mundo é que eles detêm as melhores e as mais desenvolvidas ideias e que estão prontos para liderar, substituindo o colonialismo, vencendo o fascismo e superando o comunismo. Para nós, isso é lido apenas como hipocrisia, mas é algo que precisa ser discutido, porque é o que faz com que as novas gerações de jovens adentrem corporações como a Rockefeller: a ideologia que promete a melhora do mundo, com o melhor sistema possível”, explicou Parmar, alertando que o problema não é uma simples hipocrisia, mas a ideia complexa de uma “missão americana”. “Quando as pessoas entram nessas instituições, elas acreditam que estão melhorando o Estado. Acreditam terem as melhores intenções e serem guardiãs da ordem”.

Essas empresas trabalham pelo Estado, mas, ao contrário deste, não precisam lidar com fatores limitantes como o voto. Elas possuem capital para falhar e não serão depostas nas próximas eleições, por assim dizer. Os governos mudam, mas os think tanks estarão sempre ali, influenciando. Essa situação desafia nossa concepção de Estado, segundo o professor.

A Elite do Conhecimento detém o fluxo de dinheiro, pessoas e ideias. Não apenas referente a um panorama mais interno, como o controle intelectual e a produção de pesquisa, mas também externo. É essa elite que vende para o resto do mundo o que Parmar chama de “conhecimento prestigiado”: os jornalistas que fazem boas análises, os experts mundiais que vão explicar uma crise e como podemos sair dela.

“Essas instituições controlam o que é a América e aonde ela tem que chegar. Controlam a política, as fronteiras. As pessoas que produzem algo fora disso são excluídas. Criticam de forma agressiva aqueles que vão contra suas ideias e são plenamente conscientes do poder que exercem”, analisou Parmar.

“Essas corporações cresceram para resolver problemas de uma nova e complexa sociedade. Surgem após a Guerra Civil, no auge do poder industrial e do movimento de pessoas do Sul para o Norte, da transferência de pessoas de outros países para os EUA. Houve o aumento da concentração de pessoas”. Essas pessoas, continuou Parmar, tinham ideias diferentes do que os Estados Unidos podiam vir a ser.

No final do século XIX, segundo Parmar, existiam nos EUA diversos movimentos socialistas que apresentavam desafios diretos ao poder corporacional. Populistas pediam a nacionalização das ferrovias, de algumas partes do setor industrial e não eram a favor do capitalismo de livre-mercado e do direito de empresas de decidirem o preço de suas mercadorias. Esses movimentos desafiavam o coro do poder industrial.

Parmar contou sobre o cenário da política norte-americana naquele momento, que nos leva a analisar uma contradição: as corporações se colocavam dentro do ramo progressista-conservador e foram importantes alavancadoras do desenvolvimentismo estadunidense.

“A ideia, naquele momento, era que o progressismo nascia do populismo. Eram duas as frentes de progressistas: os mais conservadores e os socialistas. As corporações eram vistas como progressistas e do ramo conservador. O desenvolvimento da indústria era positivo por um lado, criava desenvolvimento, empregos, grandes cidades. Por outro, poluição irreversível e condições horríveis de trabalho, além de problemas graves na área da saúde. Mas o Estado não era capaz de lidar com esses problemas modernos”, explica Parmar. Nesse contexto, as fundações fizeram o papel das agências governamentais e exercem essa função até hoje.

“Essas empresas sabiam, assim como nos dias atuais, que o futuro não é certo, sempre será contestado e que deve sempre ser protegido, desenvolvido e inovado para que elas possam continuar no poder. Essas organizações se leem como modernizadoras, aquelas responsáveis pelo andar dos Estados Unidos”, finaliza o professor.

Donald Trump e o desafio às elites

“Os Estados Unidos estão metidos em uma confusão hoje, devido a sua obsessão em promover a democracia e mudar regimes. Isso custou dinheiro e sangue, além de perpetuar crises piores do que o problema inicial”, analisou o professor Parmar.

Na tentativa de exercer o “bem” para o mundo, os EUA acabaram por ultrapassar seus próprios limites, o que Parmar diagnosticou como “arrogância imperial”: na tentativa de fazer o bem, fizeram o mal. Trump está de acordo essa ideia. Para ele, a crise é uma consequência do intervencionismo exacerbado, fator que ficou claro em seu discurso de posse: “América em primeiro lugar”. Isso não significa que Trump queira menos poder. Para seu governo, os EUA precisam apenas dar um passo para trás para conseguir manter sua dominação.

Para os think tanks, foi o sistema nacional de pensar que causou a Grande Depressão e que levou à Grande Guerra. Assim, a Elite do Conhecimento defende o sistema de empresas, corporações e instituições de segurança internacionais, onde os EUA têm participação – e comando- centrais. “O nascimento da OTAN foi uma estratégia para consolidar o liberalismo internacional, criando plataformas para o avanço da globalização baseada em instituições domesticadas”, acrescenta Parmar. As pessoas são empregadas, trabalham e produzem conteúdo dentro dessa ordem. “Existem pessoas que trabalham diariamente para o sistema liberal internacional dentro dos think tanks e das instituições. Como mudar algo que já está tão institucionalizado? É por isso que essas elites desafiam Trump hoje”, argumenta. As Elites do Conhecimento não aceitam mudanças de rota fora do que planejaram para os EUA, e Trump é um nacionalista convicto. A tentativa de culpar a Rússia por uma eleição injusta, segundo o professor, foi uma estratégia para deslegitimar o mandato de Trump. “Podemos não concordar com Trump, mas temos que enxergar que ele tem desafiado a ordem que esteve no poder por anos”, conclui.

Obviamente, isso não significa que Donald Trump esteja fazendo uma oposição coerente e plausível contra as Elites. Para a Carta Maior, o professor explicou que ocorre uma forte alienação de diversos setores da população norte-americana. “A ideia anti-imigração, a ideia de que refugiados são terroristas… O que Trump tem feito é concentrar o que é um grande descontentamento contra as elites corporativistas em um movimento que, na realidade, serve a uma elite corporativa específica, da qual o próprio presidente faz parte”.

Os verdadeiros questionamentos contra o governo Trump estão vindo, segundo a análise de Parmar, de grupos políticos locais – como, por exemplo, aquele liderado por Alexandria Ocasio-Cortez, congressista latina e socialista que venceu nas eleições internas em 2018 -, e não por parte da liderança do Partido Democrata, que segundo o pesquisador, é corporativa.

“A verdade é que existe um descontentamento profundo com políticas de partidos dominadas pelo dinheiro corporativo, que não consegue se expressar. A prova disso é que Bernie Sanders apresentou 13 milhões de votos em 2016. Isso mostra que existe um desejo por mudança. Mesmo Trump demonstra isso. Seu discurso era contra a elite corporativa, a elite de Nova York. Ele faz parte dessa corrupção, mas com seu discurso trouxe muitos votos. Eu acredito que, se fosse adotada uma agenda política focada na desigualdade econômica e no que o governo pode fazer em relação a isso, teríamos um programa progressista que poderia unificar muitos eleitores republicanos assim como os democratas”, analisou o professor para a Carta Maior.

“O maior desafio das elites que comandam os think tanks agora é parte de seu sucesso: a integração internacional de algumas economias, como por exemplo o Brics, que ameaçava mudar a estrutura do poder no Ocidente. Houve uma uma estratégia de regulação para que as decisões econômicas fossem de cunho comercial mais do que social, o que condizia melhor com o poder do liberalismo internacional”, argumenta Parmar.

Quando questionado pela Carta Maior se acredita que a ala à esquerda do Partido Democrata tem capacidade de trazer os trabalhadores brancos e conservadores do interior do país para o campo progressista, ele responde que é complicado. Explica que a polarização nos EUA também é grande e que a erosão do apoio a Trump será mais efetiva do que uma conversão para a ala progressista.

Parmar alertou que não tem certeza se vivemos uma crise final do liberalismo internacional, já que ele pode se renovar. Mas conclui sua sentença com um dado animador. “Pesquisas recentes mostram que 70% dos millenials votariam em socialistas em 2020. A questão é: de que tipo de socialismo estamos falando?”. Sabemos que a socialdemocracia não é mais aceitável como já foi anos atrás: a resposta há de ser progressista.

 

* Alessandra Monterastelli é repórter da Carta Maior.
** Este texto foi originalmente publicado na Carta Maior, em 3 dez. 2019.
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