Estados Unidos legitimam os assentamentos ilegais de Israel
por Solange Reis*
Os assentamentos ilegais feitos por Israel na Cisjordânia passaram a ser vistos com legitimidade pelos Estados Unidos. Mike Pompeo, secretário de Estado, anunciou o novo posicionamento numa entrevista coletiva, em 18 de novembro.
“Chamar o estabelecimento de assentamentos civis de inconsistentes com o direito internacional não avançou a causa da paz. A dura verdade é que nunca haverá uma resolução judicial para o conflito, e argumentos sobre quem está certo e quem está errado, em termos de direito internacional, não trarão paz”, defendeu Pompeu.
Reinterpretando a justiça
A declaração marca uma mudança em relação ao parecer jurídico de 1978, conhecido como Hansell Memorandum. Naquele ano, o governo Jimmy Carter definiu que a ocupação civil da região violava o direito internacional. Os palestinos veem a região como território de seu Estado, uma demanda que conta com o apoio da grande maioria dos países no mundo.
Segundo a Quarta Convenção de Genebra, de 1949, um país invasor não pode transferir civis para áreas ocupadas militarmente. Mas isso é exatamente o que Israel faz desde a década de 1960, impossibilitando qualquer plano de paz. Para o governo israelense, a convenção não se aplica. Os territórios seriam alvo de disputa internacional e não ocupação tradicional.
Até a guerra de 1967, vencida por Israel, nenhum judeu vivia na Cisjordânia. Hoje, eles são mais de 430 mil, distribuídos em 132 assentamentos oficiais e em 121 ainda pendentes de reconhecimento governamental. Após o anúncio de Pompeo, o governo israelense autorizou alguns destes assentamento não oficiais.
Os ocupantes judeus representam 15% da população da área, que inclui cerca de 3 milhões de palestinos. Apesar de serem maioria, os palestinos têm sua liberdade de movimento e segurança violada diariamente por forças israelenses.
Pompeo discorda da legislação internacional e do parecer legal doméstico, preferindo adotar a opinião sem embasamento jurídico de outro mandatário americano. “Concordamos com o presidente Ronald Reagan”, acrescentou Pompeo, em referência a uma entrevista de 1981 do republicano em apoio à legalidade dos assentamentos. Não é incomum que autoridades no governo Trump refiram-se a Reagan, um mito conservador, para legitimar suas ações perante a opinião pública.
O secretário de Estado também deixou claro que o objetivo é reverter a abordagem de Barack Obama em relação a Israel. Não satisfeito com a clara demonstração de imparcialidade e injustiça, Pompeo deu outra prova de anuência ao país aliado. O secretário afirmou que os assentamentos dizem respeito somente a palestinos e israelenses, cabendo aos tribunais em Israel decidir sobre a questão.
Genuflexão na política externa
Desde que Donald Trump assumiu o governo, os Estados Unidos tomaram várias medidas polêmicas e favoráveis a Israel. Em 2017, o presidente decidiu reconhecer Jerusalém como capital israelense. Em seguida, mudou a embaixada americana para a cidade, considerada sagrada por judeus, cristãos e muçulmanos.
No primeiro semestre deste ano, Trump reconheceu o direito israelense sobre as Colinas de Golã. O local pertence à Síria, mas está ocupado por Israel desde 1967. Apesar das relações estreitas com seu aliado, os Estados Unidos nunca haviam concordado com essa ocupação. Não até Trump tornar-se presidente com discurso e prática contra muçulmanos. Atualmente, toda a política dos Estados Unidos para Israel tende a normalizar qualquer ocupação civil e militar.
O mais recente gesto, em relação à Cisjordânia, foi um presente para o governo linha-dura israelense. Principalmente para Benjamin Netanyahu, o ex-primeiro ministro israelense em queda livre na popularidade e na capacidade de influência doméstica. Apesar de ter vencido duas eleições em 2019, a extrema-direita israelense não conseguiu formar coalizão para governar. Caso não haja acordo até 11 de dezembro, uma terceira eleição será convocada, o que deixa o país em situação de instabilidade política.
Reações já esperadas
Para Netanyahu, a medida dos Estados Unidos reparou um erro histórico ao mostrar que o povo judeu não é feito de “colonialistas estrangeiros”. O restante do mundo, no entanto, discorda.
Segundo o líder palestino, Mahmoud Abbas, os Estados Unidos perderam toda credibilidade para liderar qualquer negociação de paz no futuro. Saeb Erekat, negociador chefe da Palestina, disse que a decisão americana é a “última das incessantes tentativas de substituição do direito internacional pela lei da selva”.
A União Europeia criticou o posicionamento americano e voltou a pedir que Israel encerre suas “atividades de colonização, em conformidade com as suas obrigações enquanto potência ocupante”. Uma velada referência à Quarta Convenção de Genebra sobre ocupação colonialista.
Como visto ao longo dos últimos três anos, Trump não tem muito apreço pela lei e a justiça. Ademais, age sob a influência de apoiadores de Israel. Entre eles, seu próprio genro, Jared Kushner; o atual embaixador em Jerusalém, David Friedman; e o bilionário judeu americano, Sheldon Adelson. Este último foi um de seus principais doadores de campanha em 2016. A menos de um ano da eleição, o presidente também mira a sua base evangélica, o forte lobby israelense e os neoconservadores em geral.
Os interesses imediatos de Trump estão claros. Porém, o que as concessões a Israel significam para a política externa dos Estados Unidos? Teriam os americanos renunciado à sua posição de negociador de uma das mais difíceis disputas internacionais contemporâneas? Se for o caso, quem ocuparia o vácuo de poder e influência? Essas são questões que deverão pautar a década que se aproxima.
*Doutora em Ciência Política pela Unicamp, professora colaboradora do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisadora do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos (INCT-Ineu).