Clima como estratégia político-eleitoral na saída dos EUA do Acordo de Paris
‘Trump escava carvão’, diz cartaz (Crédito: Dominick Reuter/AFP/Getty Images)
Por Pedro Vasques*
Em 1º de junho de 2017, Donald Trump anunciava publicamente que os Estados Unidos sairiam do Acordo de Paris. Tratava-se de uma promessa de campanha, segundo a qual abandonaria o pacto nos 100 primeiros dias de governo. Esse posicionamento veio acompanhado de uma série de mudanças na política ambiental norte-americana (a revogação do Clean Power Plan, o retrocesso nos padrões de emissão veicular, a flexibilização das regras de poluição do ar, a revogação do 2015 Clean Water Rule, o enfraquecimento das regras sobre resíduos industriais, o atraso ou a redução das proibições sobre produtos químicos, a alteração de áreas protegidas, entre outras), percebida, em consenso, como um recuo em relação ao que vinha sendo desenvolvido no governo Obama.
Frente a tal orientação, diversos governadores (Califórnia, Colorado, Connecticut, Delaware, Havaí, Minnesota, Nova York, Oregon, Pensilvânia, Rhode Island, Virgínia e Washington, por exemplo) iniciaram articulações locais e internacionais, reiterando seu compromisso com o cumprimento das metas firmadas no pacto climático e caracterizando importante oposição em um tema altamente polarizado no território norte-americano.
Política climático-ambiental na campanha para 2020
Pouco mais de dois anos após o anúncio público e a um do próximo pleito eleitoral, Trump apresenta pedido formal de saída do Acordo de Paris junto às Nações Unidas, em 4 de novembro de 2019. Conforme as regras do tratado, a solicitação de retirada de qualquer país é possível somente três anos após sua entrada em vigor no território, demandando ainda mais um ano para sua concretização face à formalização do requerimento. Nos Estados Unidos, a conclusão desse processo coincidirá com as eleições presidenciais, previstas para ocorrerem em 3 de novembro de 2020.
Interessante observar que, no comunicado do secretário de Estado, Mike Pompeo, via Twitter, sobre a formalização do pedido, não há traços de negacionismo climático. Pelo contrário, o texto vem acompanhado de afirmações sobre redução de emissões e promoção de resiliência, ou seja, que o país estaria adotando medidas de mitigação e de adaptação às mudanças do clima, mesmo que nos seus termos.
Ainda que, em determinado momento de seu governo, Trump tenha chegado a flertar com a possibilidade de marginalizar a pauta anticlimática de sua agenda, existem poucas dúvidas sobre a convergência da retomada desse assunto com o cenário político corrente, marcado pelo processo de impeachment e pelas próximas eleições. Ou seja, a decisão de dar início ao processo de retirada do Acordo de Paris nesse momento provavelmente contribuirá de forma significativa para conferir protagonismo ao tema no curso da campanha eleitoral. De modo mais amplo, parece haver uma instrumentalização da política climático-ambiental como parte da estratégia de reeleição de Trump, e esta, por sua vez, estaria atrelada a um movimento de retorno às pautas que contribuíram para sua vitória em 2016.
Isolamento ambiental do Brasil
No contexto brasileiro, a orientação de Trump sobre o tema e o alinhamento de Bolsonaro ao republicano contribuíram para que o então candidato à presidência também prometesse a saída do Acordo de Paris, bem como a reformulação da política ambiental nacional. No Brasil, tal como nos Estados Unidos, trata-se de uma agenda que vem sendo objeto de expressivos retrocessos. Em complementação, é importante observar que a questão climática, cuja repercussão foi marginal no processo eleitoral no Brasil, foi abordada de forma distinta em relação aos Estados Unidos.
Enquanto Trump revestia o discurso anticlimático com ceticismo e com a promessa de uma pujante retomada econômica, em regra, Bolsonaro se limitava a tratar o Acordo de Paris como uma espécie de atentado conspiratório à soberania do país sobre a Amazônia. Após as eleições, a reduzida capacidade de articulação internacional do novo governo, seus posicionamentos contraditórios e retrógrados sobre o tema – que, dentre outros, culminaram na suspensão dos repasses de Alemanha e Noruega para o Fundo Amazônia –, e os desastres ambientais experimentados em 2019 (caso do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho; do “dia do fogo”, nas regiões Norte e Centro-Oeste; e do derramamento de petróleo na costa), colaboraram para que houvesse uma inflexão na disseminação das bravatas antiambientais, bem como da promessa de saída do pacto climático.
Se, por um lado, Trump e Bolsonaro – à sua moda – instrumentalizam o discurso anticlima de modo a fortalecer a relação com suas bases e a captar potenciais eleitores, por outro, no cenário internacional, mesmo ante a recente ascensão de governos de extrema-direita (e sua quase imediata adesão esse tipo de abordagem), a orientação adotada pelos referidos presidentes tem-se mostrado cada vez mais minoritária.
Pacto França-China
Imediatamente na sequência do anúncio da formalização do desembarque norte-americano do Acordo de Paris, França e China, que finalizavam tratativas comerciais, também assinaram um novo documento que reforça seu compromisso estipulando a “irreversibilidade” das metas climáticas. Esse movimento explicita tanto a progressiva adesão do governo chinês – que vem reduzindo suas emissões atmosféricas em conformidade com o plano anunciado em 2014 – como também reitera as tentativas de Macron de assumir um protagonismo internacional sobre o tema. Em 2019, esse movimento do presidente francês foi marcado por sua incidência no debate envolvendo as queimadas na região amazônica. Por fim, lembra-se de que a Rússia também ratificou o Acordo de Paris em setembro de 2019, na Cúpula do Clima, momento no qual diversos países não apenas confirmaram sua disposição para seguir reduzindo as emissões de gases causadores do efeito estufa, mas também assumiram compromissos ainda mais ambiciosos.
Não é a primeira vez que os Estados Unidos saem de um acordo internacional sobre o clima. George W. Bush, em 1997, também o fez em relação ao Protocolo de Quioto. A alternância entre democratas e republicanos vem-se caracterizando por produzir incertezas a respeito dos compromissos e regulações sobre questões ambientais e climáticas. Nesse momento, contudo, fica evidente a existência de um movimento interno que inclui prefeitos, governadores e sociedade, visando a assumir o espaço institucional marginalizado pelo governo federal, em especial, no que se refere às negociações sobre o clima (como US Climate Alliance – que, atualmente, reúne governadores de 17 estados –, US Climate Mayors e US Climate Action Center, que vem-se articulando desde a COP23, por meio do movimento “We are still in”).
Em dezembro, será realizada a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2019, a COP25, e novos desdobramentos poderão ser observados. De todo modo, as ações de Trump explicitam uma dinâmica de isolamento estratégico endereçada, a curto prazo, ao fortalecimento da relação com seu eleitorado – ao cumprir uma promessa de campanha – e, a médio, à disputa eleitoral. Resta saber se tais escolhas contribuirão para o atingimento de seus objetivos, ou se a inflexão política que o presidente vem sofrendo também será refletida nesses temas. No caso da segunda hipótese, em especial, culminando com sua não reeleição, o atual governo brasileiro perderá lastro importante que, em certa medida, contribui para garantir o vilipêndio à política ambiental nacional.
* Pedro Vasques é pós-doutorando pelo INCT-INEU, pesquisador associado do Cedec e doutor em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).