Brasil em meio à guerra comercial EUA-China: alinhamento ou pragmatismo?
Presidente Bolsonaro e o presidente chinês, Xi Jinping, no encontro do G20, em Osaka, em junho de 2019
Série ‘Relações Brasil-EUA’, parte V
Por Aline Regina Alves Martins*
Nesta quinta-feira, 24 de outubro, o presidente Jair Bolsonaro dá início à sua primeira viagem oficial à China. Esta ocasião é relevante para se compreender qual será o posicionamento do governo atual em relação aos chineses. Durante sua campanha eleitoral, assim como nos primeiros meses de governo, Bolsonaro adotou um posicionamento crítico em relação à China. O então pré-candidato visitou Taiwan em março de 2018, tocando em um dos temas mais sensíveis para a República Popular da China. Já eleito, chegou a acusar o gigante asiático de estar “comprando o Brasil”.
Após o primeiro trimestre de governo, contudo, o Brasil passou a adotar um tom mais pragmático em relação a seu maior parceiro comercial, em grande medida devido ao posicionamento mais ponderado do vice-presidente, Hamilton Mourão. Em 2018, os chineses adquiriram 26,7% de toda exportação brasileira. Ademais, o Brasil, de 2003 a 2016, foi o país latino-americano que mais recebeu investimentos diretos da China. Não é conveniente ao Brasil, portanto, qualquer mal-estar com o país asiático.
Apesar do aparente pragmatismo do atual governo brasileiro, ainda há receio de que seu alinhamento político aos Estados Unidos possa mudar as relações Brasil-China. Existem diferentes visões dentro do governo federal sobre como lidar com os chineses. Neste momento, setores mais alinhados a Donald Trump vêm perdendo espaço na alta cúpula para a ala vinculada à agricultura e à mineração – esta com suporte do vice-presidente. Mas esta situação pode não ser permanente.
Desde sua campanha eleitoral, Trump mostrou-se ferrenho crítico da China. Acusou os chineses de serem responsáveis pelo aumento do déficit comercial norte-americano, de adotarem práticas comerciais desleais, além de contribuírem para a perda de postos de trabalho em solo estadunidense para o país asiático. Neste contexto, no primeiro semestre de 2018, iniciou-se a guerra comercial entre China e Estados Unidos, com o aumento de taxas de importação de diversos produtos chineses por parte dos norte-americanos. Não obstante as dispersas tentativas de acordo entre as duas maiores economias do mundo, não se vislumbra a curto prazo um cenário benéfico para a resolução do conflito.
Um dos maiores alvos do Trump nesta guerra comercial é a empresa de tecnologia Huawei. Líder mundial no ramo de tecnologia de redes de quinta geração (5G), os Estados Unidos acusam a empresa de espionagem cibernética e de roubo de propriedade intelectual. Trump tem feito pressão para que seus aliados barrem a empresa chinesa na liderança da implementação do 5G em seus mercados nacionais. Apesar dos aspectos ligados à segurança, há o receio dos norte-americanos de perderem a concorrência no setor para os chineses. Além de muito mais veloz, a Internet 5G possibilita conexões simultâneas e maiores transferências de dados. Assim, é possível, por exemplo, suportar carros autoguiados e mesmo cidades inteligentes. A disputa, ao final, está em quem vai liderar a infraestrutura digital nas próximas décadas.
Pragmatismo no setor tecnológico
Neste contexto de ataques diretos de Trump à Huawei, o Brasil acaba no meio da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo. Como? A partir do leilão do 5G, um dos mais importantes eventos econômicos que ocorrerá no segundo semestre de 2020 no Brasil. Aguarda-se saber se o Brasil responderá às pressões de Trump e banirá a empresa chinesa do leilão. A Huawei quer liderar o desenvolvimento desta tecnologia no país. A empresa já está presente na infraestrutura de redes de telefonia móvel (cerca de um terço) e foi escolhida pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) para a realização de testes para a implantação do 5G no Brasil.
Em junho de 2019, a Huawei esteve representada oficialmente no III Diálogo de Alto Nível Brasil-China em Ciência, Tecnologia & Informação (C,T&I), presidida pelos ministros de C&T de ambos os países.
O vice-presidente brasileiro afirmou que o governo não pretende restringir a presença chinesa no leilão do 5G. A previsão é que o edital do leilão saia em 2020, e não há uma posição oficial da Anatel, até o momento, se contrária, ou a favor da participação da Huawei. Bolsonaro afirmou no Japão, porém, dois dias antes de chegar à China, que a tecnologia 5G não está em pauta em seu governo. Esta declaração e a vinda de Xi Jinping à Brasília no próximo mês para a realização da cúpula dos Brics alimentam ainda mais as expectativas sobre como o governo se posicionará diante da entrada da Huawei em tecnologia 5G no Brasil.
Embora Bolsonaro possa evitar menções à Huawei em sua visita à Ásia, a pressão de Trump para um boicote à empresa de tecnologia chinesa não tende a ter efeitos políticos concretos no Brasil. Não obstante o alinhamento ideológico ao governo Trump, o Brasil é mais propenso a adotar um tom mais ponderado e pragmático em relação à China.
* Aline Regina Alves Martins é pesquisadora do INCT-INEU e doutora em Ciência Política pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). É professora do bacharelado em Relações Internacionais e do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política da Universidade Federal de Goiás (UFG).