‘Conferência da direita brasileira não tem raízes robustas’, diz pesquisador do INEU

Na versão brasileira, Eduardo Bolsonaro imita gesto do presidente Donald Trump, no CPAC realizado em março de 2019 em Maryland, nos EUA
Por Carlos Gustavo Poggio Teixeira*
Quando cerca de 400 participantes se reuniram pela primeira vez no Conservative Political Action Conference (CPAC), em 1974, o clima do movimento conservador americano não era dos melhores.
A presidência do Republicano Richard Nixon estava afundando no escândalo de Watergate, que acabou por levar à renúncia meses depois. O vice de Nixon, um favorito entre os participantes daquele evento, havia renunciado no ano anterior em meio a denúncias de suborno. Os conservadores àquela altura estavam desmoralizados e divididos. Parte importante daquela conferência foi dominada por discussões sobre se Nixon devia ou não renunciar.
Apesar desse clima, o primeiro CPAC é um marco importante no conservadorismo americano. Marcava a transição de um movimento intelectual para um de caráter político. A palavra “action” é fundamental, pois, com o componente intelectual do conservadorismo americano já razoavelmente consolidado em 1974, o objetivo do encontro era discutir formas concretas de ocupar o poder e vencer eleições.
O primeiro convidado para abrir a conferência naquele ano era o então governador da Califórnia, Ronald Reagan, que saiu de lá convencido a disputar as primárias republicanas, desafiando o então presidente Gerald Ford. Ford acabou nomeado, perdeu a eleição para o Democrata Jimmy Carter e, alguns encontros depois, Reagan retornaria ao evento como presidente. Em seu primeiro discurso no CPAC após sua eleição, Reagan menciona nomes como Russell Kirk, Milton Friedman e Frank Meyer, deixando claro que sua eleição era fruto de um trabalho intelectual anterior.
Hoje, quando após 45 anos do CPAC original, o evento chega ao Brasil pelas mãos de lideranças bolsonaristas. O contraste é claro. Aqui, o evento ocorre sem que haja uma base intelectual minimamente consolidada para o tipo de conservadorismo defendido pela família Bolsonaro. O CPAC original é resultado de um movimento que veio de baixo para cima, de forma orgânica, ao passo que o brasileiro tenta se firmar de cima para baixo.
Ao contrário dos conservadores que se reuniam em 1974, num clima introspectivo e com poucas lideranças políticas, o CPAC tupiniquim ocorre num ambiente celebratório com a presença do presidente e de membros do alto escalão do governo.
Quando se reuniram em 1974, os conservadores americanos haviam passado duas décadas elaborando suas ideias e pensavam ser a hora de colocá-las em ação. Os brasileiros que se encontram agora já estão no poder, colocando em ação alguns pensamentos trocados via Twitter nos últimos dois anos. Sem raízes intelectuais mais robustas, é difícil imaginar uma vida muito longa para o CPAC nacional.
* Carlos Gustavo Poggio Teixeira é professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisador do INCT-INEU, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos.
** Texto originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo, em 11 out. 2019.