Política Doméstica

Racismo, economia e o voto negro para 2020

As Youtubers pró-Trump Diamond e Silk

Por Tatiana Teixeira

Na eleição presidencial de 2016, o então candidato Donald Trump venceu com o amplo apoio do eleitor branco de diferentes perfis demográficos e socioeconômicos. Do total de eleitores afro-americanos, em torno de 8% votaram no republicano e, entre as mulheres negras, esse percentual não passou de 4%. Ao mesmo tempo, 2016 foi o ano da queda, pela primeira vez em duas décadas, no índice de participação do eleitor negro – especialmente nas zonas urbanas em estados fundamentais como Michigan, Wisconsin e Pensilvânia.

Agora, em 2019, apesar do manifesto racismo de Trump e de uma tendência histórica de fidelização partidária que se mantém (no caso do eleitorado negro) desde o New Deal de Franklin Roosevelt, a ainda boa performance da economia americana acende alertas nos comitês de campanha dos pré-candidatos democratas. Com emprego e, principalmente, com a percepção de que a economia está indo bem, o fator “racial” pode não ser tão importante na decisão de votar, por que votar e em quem votar.

Assim como aconteceu na eleição passada, em 2020, mesmo uma adesão mínima do eleitor negro a Trump (ou a decisão de não votar) pode fazer a diferença em estados em que a disputa seja bastante acirrada e nos swing states (pendulares, ou indecisos). Este é um eleitorado que se mantém estável desde 2000, com uma fatia em torno de 12%.

Empregos e ressentimento democrata

Contrariando as (altas) expectativas, os oito anos do governo Barack Obama não teriam trazido melhorias significativas para a população negra. Números da Henry J Kaiser Familiy Foundation mostram que, de 2009 a 2016, houve um ligeiro recuo no percentual de afro-americanos vivendo na pobreza (de 23% para 21%), enquanto o percentual de brancos nesta condição se manteve estável no mesmo intervalo (8% nos dois governos Obama). Caiu, mas a diferença ainda é de mais do que o dobro.

A renda média das famílias afro-americanas continua sendo mais baixa do que nas famílias brancas nos EUA, negros ainda são maioria no sistema carcerário, ainda são os mais pobres e aqueles com menos acesso ao Ensino Superior e também com menos condições de conseguir sua casa própria e pagar planos de saúde.

Organizações e lideranças deste grupo vêm apontando que o primeiro presidente negro dos EUA teria proporcionado uma mudança com ganhos mais simbólicos do que materiais, sem investir amplamente em políticas específicas para a população afro-americana e sem reverter históricas disparidades socioeconômicas entre brancos e negros. Obama e os democratas estariam, há muito tempo, fazendo menos do que o esperado para amortizar os danos da escravidão, da segregação e do racismo estrutural e institucional. Esta é uma queixa que ganha cada vez mais espaço e atenção.

Uma pesquisa do Black Census Project divulgada em maio deste ano mostra que o eleitorado afro-americano continua bastante engajado politicamente e preocupado tanto com questões econômicas (baixos salários, habitação, plano de saúde, o alto custo de ir para uma universidade, entre outras) quanto com temas ligados à Justiça criminal (como abuso da força policial e impunidade destes agentes, por exemplo). Embora uma maioria tenha se identificado como democrata (60%), quase 10% disseram ver o Partido Democrata de forma “desfavorável”, e 52% acreditam que “os políticos não ligam para o povo negro e seus interesses”.

Com frequência, Trump e seus secretários citam, como um grande trunfo, o mínimo histórico no índice de desemprego entre os afro-americanos. Este é um dado crucial para um grupo que reclama das dificuldades de se recuperar da crise de 2008-2009 e que se ressente do perfil “neutro” e “arracial” adotado por Obama. Em alguma medida, este grupo se vê deixado de lado na agenda democrata, ou menos importante do que a classe trabalhadora branca, por exemplo.

Os benefícios não estariam sendo proporcionais a uma lealdade que se renova há décadas e que teve seu auge com Obama. Em 2008, 95% dos afro-americanos votaram nele. Em 2012, foram 93% – percentuais incomumente altos, mesmo para padrões democratas, em torno de 80% desde meados dos anos 1960.

De acordo com informe recente divulgado pelo Departamento do Trabalho, 130 mil empregos foram criados em agosto, mês em que o índice de desemprego permaneceu estável, em 3,7%. No caso dos afro-americanos, este percentual caiu dos 6% de julho para 5,5%, um novo piso desde que estes números começaram a ser coletados em 1972. Quando Trump assumiu, em janeiro de 2017, beirava os 7%.

Em meio a rumores de uma possível recessão, o crescimento da economia ainda segue uma tendência de recuperação que começou em 2011, na gestão Obama. Para contrabalançar o discurso vitorioso do governo atual, os democratas insistem em que o crescimento beneficiou, sobretudo, os mais ricos e que os ganhos para a população negra se deram mais de forma inercial, acompanhando o avanço geral da economia, do que por políticas específicas.

Racismo de Trump

As redes sociais continuam sendo um veículo fundamental para a campanha de Trump, sobretudo, em sua tentativa de furar o paredão democrata na comunidade negra. Segundo a empresa Bully Pulpit Interactive, desde o início de 2019, já foram gastos US$ 14,1 milhões em anúncios de campanha no Facebook e no Google. O valor é muito superior ao de qualquer outro pré-candidato democrata. Para se ter uma ideia da disparidade de investimento: o maior gasto em propaganda digital no campo adversário até agora chegou a US$ 3,2 milhões, feito pela senadora Elizabeth Warren (D-MA).

A estratégia on-line para atingir e conquistar o eleitorado negro é convencê-lo a relativizar o “estilo Trump” e sua retórica “explosiva e impulsiva” e se concentrar nos resultados na economia, no baixo índice de desemprego, na aprovação da reforma da Justiça criminal em dezembro de 2018 (First Step Act, uma iniciativa bipartidária, e não exclusivamente republicana), ou ainda na criação das chamadas “Zonas de Oportunidade” em áreas carentes.

“Sou a pessoa menos racista que existe”, “não tenho um único osso do meu corpo que seja racista”, diz Trump, ainda que evidências e pesquisas de opinião apontem em outra direção.

Há pronunciamentos ambíguos do presidente sobre episódios envolvendo ataques de supremacistas brancos e violência policial contra a população negra; tuítes contra congressistas e demais políticos democratas representantes de minorias “raciais” e étnicas, assim como contra religiosos e atletas afro-americanos; entrevistas e atuações em eventos e comícios de campanha, nos quais ou consentiu manifestações de ódio racial, ou incitou a divisão social.

Em uma pesquisa realizada em julho passado pela Universidade Quinnipiac, 51% dos entrevistados disseram considerar Trump “racista”, enquanto 45% discordam. Essa diferença se alarga amplamente, dependendo do partido: 86% dos democratas apontam o racismo de Trump, contra 91% dos republicanos, que discordam.

Esta sondagem foi feita depois de alguns polêmicos episódios. Primeiro, Trump hostilizou quatro representantes democratas (Alexandria Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Rashida Tlaib e Ayanna Pressley), mandando-as de volta para os países de onde vieram, embora sejam todas americanas. Depois, atacou outras duas reconhecidas lideranças da comunidade negra e da luta pelos direitos civis, o também representante Elijah Cummings (D-MD) e o reverendo Al Sharpton.

Em junho, uma enquete do Center for American Progress Action Fund havia apontado que a qualidade atribuída a Trump que levaria mais eleitores a votarem em um democrata seria a “ineficiência” do republicano, mais do que fazer “falsas promessas”, ou governar “para os ricos”, ou ser “polêmico”, “corrupto” e “racista”. Esta última categoria foi a menos mobilizadora, mesmo entre os eleitores negros.

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