Nos EUA, principais embaixadas são indicações políticas
Por Carlos Gustavo Poggio Teixeira*
A embaixada dos Estados Unidos no Brasil está vaga desde que o diplomata Peter Michael McKinley, indicado por Barack Obama em 2016, deixou o posto em novembro de 2018 para trabalhar como assessor da Secretaria de Estado do governo Trump. Desde então, a representação estadunidense no país tem sido chefiada interinamente pelo vice de McKinley, William Popp. Até o momento, Trump ainda não se deu sequer ao trabalho de indicar algum nome para o posto. Trata-se de caso peculiar na América Latina, dado que sua administração já nomeou embaixadores para praticamente todos os demais países da região com os quais os Estados Unidos mantêm atualmente relações diplomáticas.
Além do Brasil, apenas o Panamá não mereceu consideração por parte do atual ocupante da Casa Branca e também é atualmente chefiado por um interino desde que o último embaixador, nomeado por Obama, renunciou ruidosamente em protesto às políticas da administração Trump. É bem verdade que as embaixadas de Chile e Honduras também permanecem vagas, mas em ambos os casos ao menos o governo Trump se deu ao trabalho de pensar em um nome.
No caso hondurenho, o republicano considerou a nomeação do diplomata Francisco “Paco” Palmieri, mas acabou recuando em fevereiro desse ano, por pressões do senador Marco Rubio (R-FL), que defendia um nome mais linha-dura para a embaixada do país centro-americano. No caso chileno, Trump chegou a nomear o empresário Andrew Gellert em 2018, mas sua nomeação foi retirada após revelações dos negócios de Gellert com a família do genro do presidente, Jared Kushner.
Além de Chile, outros casos em que a nomeação teve de ser retirada, por razões semelhantes, incluem Estônia e Singapura. No primeiro caso, os estonianos se sentiram desprestigiados ao saber que Trump não nomearia um diplomata de carreira, mas alguém que tinha relações estreitas com Steve Bannon. No caso de Singapura, a indicada chegou a ser sabatinada pelo Comitê de Relações Exteriores do Senado. Após ser citada na investigação de Robert Mueller sobre a interferência da Rússia nas eleições de 2016, perdeu apoio dos democratas e teve sua nomeação inviabilizada.
A pouca atenção do presidente norte-americano com a embaixada brasileira é ainda mais extraordinária quando consideramos que a aproximação com os Estados Unidos tem sido a estratégia central da política externa do governo Bolsonaro. A recente notícia de que Trump estaria disposto a nomear seu filho para o posto não passou de um boato espalhado por um integrante do governo Bolsonaro e divulgado acriticamente pela imprensa brasileira – e apenas pela imprensa brasileira.
Doações de campanha podem render uma embaixada
É bem verdade que, ao contrário da tradição brasileira, os Estados Unidos têm uma longa tradição de nomeações políticas para cargo de embaixador, ainda que a nomeação do próprio filho de um presidente em exercício seja algo inédito. Até agora, cerca de 40% das indicações para embaixadas feitas pela administração Trump foram políticas. Nesse sentido, ele está dentro da média de 30% a 40% adotada por todos os presidentes americanos desde Truman. Barack Obama, durante sua candidatura à presidência em 2008, chegou a sugerir que acabaria com essa tradição e privilegiaria profissionais da carreira diplomática, ou indivíduos com extensa experiência em política externa. Entretanto, o ex-presidente democrata não cumpriu essa promessa e, em linha com seus antecessores, 30% das indicações para embaixadas feitas por Obama foram políticas.
Em alguns casos, essas indicações causam significativos constrangimentos. Quando o indicado por Obama para chefiar a embaixada da Noruega foi sabatinado pelo Senado em 2013, por exemplo, seu despreparo e desconhecimento sobre o país ficaram tão evidentes que ele se viu obrigado a retirar sua nomeação. Apesar de jamais ter pisado em Olso, o indicado contribuiu com US$ 1,3 milhão para a campanha de reeleição do democrata em 2012.
Quando o indicado por Bush-pai para chefiar a embaixada das Bahamas em 1989 foi perguntado sobre suas qualificações pelo Comitê de Relações Exteriores do Senado, ele citou sua experiência com cassinos em Nevada. Acrescentou ainda que via com bons olhos a possibilidade de se instalar no país caribenho, pois lá teriam muitos campos de golfe, esporte que ele apreciava. Talvez mais importante do que essas qualificações fosse o fato de que o indicado havia sido derrotado em sua campanha para reeleição no Senado pelo Partido Republicano, em 1988.
A indicada pelo mesmo Bush para a embaixada de Barbados nunca tinha tido um emprego formal nem educação universitária. Sua credencial mais importante foi ter doado US$ 180 mil para os republicanos em 1988. Isso é menos do que os US$ 250 mil que o presidente Nixon disse em 1971 ao seu chefe de gabinete, H.R. Haldeman, que seria o mínimo que qualquer um que aspirasse a uma indicação de embaixador deveria doar. Conforme registrado nas famosas “Nixon tapes”, Haldeman responde ao então presidente que contribuições abaixo de US$ 100 mil deveriam automaticamente excluir qualquer um de ser considerado para uma embaixada. Aparentemente, em se tratando de Barbados, 180 mil é suficiente. Postos mais importantes costumam exigir somas mais vultosas.
Um exame das nomeações para embaixadas americanas ao redor do mundo deixa claro um padrão. Enquanto embaixadores de carreira (em vermelho) são enviados para postos de menos prestígio, indicações políticas (azul), normalmente como premiação por contribuições de campanha, ficam com as embaixadas mais importantes, como as da Europa Ocidental, ou com aprazíveis postos no Caribe. O mapa abaixo ilustra esse ponto com clareza.
Por exemplo, a embaixada em Londres, uma das mais importantes para os Estados Unidos, é normalmente ocupada por indicações políticas. O atual ocupante do posto, indicado por Trump, é o dono do time de futebol americano New York Jets, que contribuiu com US$ 1 milhão para sua campanha. O caso da República Dominicana e do Haiti, países que dividem a mesma ilha, também é revelador. No pobre e violento Haiti, a embaixada é ocupada por um diplomata de carreira. Na sua vizinha mais rica, destino de muitos turistas americanos e país em que Trump pretendia construir um resort de luxo, a embaixada é ocupada por uma indicação política. Canadá e Japão, vagos atualmente porque os últimos titulares renunciaram para ocupar outros postos, são normalmente indicações políticas
A propósito, no Brasil, o posto costuma ser ocupado por diplomatas de carreira. Parece que ninguém ainda no entorno de Trump reclamou Brasília como prêmio, apesar das juras de amor do atual presidente brasileiro. Certamente, não Eric Trump, confortavelmente instalado em Manhattan, comandando as Organizações Trump junto com seus irmãos.
* Carlos Gustavo Poggio Teixeira é professor do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas e pesquisador do INCT-INEU, Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia para Estudos sobre os Estados Unidos.