Pena de morte entra no debate pré-eleitoral
Por Tatiana Teixeira
O procurador-geral Bill Barr anunciou em 25 de julho que o governo voltará a aplicar a pena de morte nos presídios federais, após uma moratória em vigor desde 2003. No nível estadual, a pena já é aplicada. Segundo Barr, o Bureau of Prisons (BOP, órgão do Departamento de Justiça responsável pelo sistema prisional) programou a execução de cinco condenados. Com a atualização do protocolo de injeção letal, no lugar do tradicional coquetel de três drogas, será usada apenas uma substância – o pentobarbital –, como acontece, por exemplo, em estados como Geórgia, Missouri e Texas.
Apesar das críticas de organizações de defesa dos direitos humanos, o governo Trump alega que o uso desse barbitúrico sintético aliviará o sofrimento dos condenados. Reduz-se a questão a uma simples querela procedimental, como se a mudança amenizasse a crueldade do método em si. Assim, como já ocorreu com outras polêmicas medidas anunciadas desde 2017, espera-se uma nova onda de batalhas judiciais.
Por enquanto, Daniel Lewis Lee, de Oklahoma; Lezmond Mitchell, da Nação Navajo; Wesley Ira Purkey, de Michigan; Alfred Bourgeois, de Louisiana; e Dustin Lee Honken, de Iowa, serão executados em dezembro e janeiro próximos, no presídio federal de Terre Haute, em Indiana.
Pregando aos convertidos
A mudança de política depois de quase duas décadas atende à orientação do presidente Trump, que colocou a restauração da pena capital em sua lista de promessas. Ainda que arriscado politicamente, tem-se mais um expediente para reforçar a fidelização da base eleitoral que garantiu a vitória do republicano em 2016: o homem-branco-mais-velho-desiludido-trabalhador-desempregado-com-baixa-formação.
Em ano pré-eleitoral, temas controversos podem ser usados de muitas maneiras, a depender de quem fala, dos objetivos e do capital político acumulado. A medida necessariamente força qualquer rival de Trump a se pronunciar sobre uma matéria que tem fronteiras com outros assuntos tão (ou mais) sensíveis quanto raça, desigualdade socioeconômica, imigração, uso (excessivo e discriminado) da força policial, (im)parcialidade do Sistema Judiciário e qualquer outro que a imaginação de Trump e sua equipe de campanha permitirem.
Com isso, o presidente-que-busca-a-reeleição consegue politizar o debate sobre a pena de morte, como fez com imigração, racismo, ou reforma da saúde, usando-o para acusar seus rivais democratas de “socialistas”, ou “esquerdistas”. Na corrida para a presidência, Trump parte com a vantagem de poder observar seus adversários democratas perdidos, apontando-se falhas e trocando acusações, quase a facilitar sua tarefa para 2020, enquanto ele se apraz em poder estabelecer os termos do debate.
Aos democratas tem cabido o papel de reagir a cada excesso, capricho e nonsense do magnata republicano. Bem farão se conseguirem aproveitar esses episódios para se unirem, e não o contrário. Até o momento, porém, os democratas não conseguiram retomar a agenda, muito menos o controle da narrativa – o que é sempre mais difícil quando se está fora da Casa Branca.
De modo que o objetivo de Trump não é fazer sentido, não é se ater a fatos, ou a estudos que apontem outras direções possíveis para políticas públicas que dizem respeito a toda sociedade – e não apenas a segmentos dela. A estratégia de campanha do republicano já foi divulgada e é bem clara: insistir na pregação aos convertidos para animá-los o suficiente para irem votar e, como um efeito secundário (esperado), terceirizar para este eleitor cativo, indignado e assustado a tarefa de conseguir novos votos e mais mobilização. Neste tema específico, o da pena de morte, Trump fala para os seus.
Terreno arenoso para democratas
Por muitos anos, os democratas se dividiram sobre o tema, buscando parecer mais eficientes e firmes na área de segurança e na luta contra o crime do que os rivais republicanos. A discussão sobre a pena de morte nunca foi um lugar muito confortável para os democratas. Foi somente na última eleição à presidência, em 2016, que o partido defendeu abertamente, pela primeira vez, o fim da pena de morte em sua plataforma política. Mesmo assim, a candidata Hillary Clinton era pessoalmente a favor, e o marido, Bill, também. Barack Obama tampouco pediu sua abolição.
Política e eleitoralmente, este sempre foi um debate considerado tóxico e difícil de administrar, porque lida com percepções, contradições, valores e preconceitos arraigados, mas nem sempre explícitos.
Agora, a reação ao anúncio do secretário da Justiça foi rápida, inequívoca e coesa, em um momento, talvez, de mudança geracional no partido, com mais representantes progressistas e oriundos de minorias. As críticas surgiram, em especial, dos pré-candidatos à presidência para 2020, que apontaram a ineficácia da pena de morte como política de contenção do crime, assim como as disparidades de raça e classe na aplicação de sentenças, ou ainda o fato de pessoas terem sido inocentadas por testes de DNA após a condenação.
A senadora e ex-procuradora do Estado Kamala Harris (D-CA) classificou a pena de morte de “imoral e profundamente falha” e pediu “moratória nacional”. Sua colega na mesma Câmara e concorrente pela indicação do partido para o ano que vem Elizabeth Warren (D-MA) também manifestou sua oposição, assim como o senador afro-americano Cory Booker (D-NJ), o senador Bernie Sanders (I-VT) e a senadora Kirsten Gillibrand (D-NY). O governador de Washington, Jay Inslee, e o ex-governador do Colorado John Hickenlooper também condenaram. Ambos suspenderam a pena de morte em seus estados.
Também defendeu o fim da pena de morte o pré-candidato ainda mais bem colocado nas primárias da legenda, o ex-vice-presidente Joe Biden. Quando ainda era senador, Biden apoiou muitas das políticas que levaram, nos anos 1990, ao endurecimento do sistema criminal nos EUA. Hoje, o vice de Obama afirma que não é possível garantir que não haverá erros.
Pobres, negros e demais minorias
Hoje, mais de 2.600 presos estão à espera da injeção letal nos 29 estados onde o procedimento é considerado legal. A esmagadora maioria é pobre, boa parte é diagnosticada como mentalmente incapaz, mais de 40% são afro-americanos e um grande número é ameríndio, latino e asiático. Segundo a American Civil Liberties Union (ACLU), desde 1976, os negros representaram 43% do total de execuções.
A pena de morte ainda é mantida no Alabama, Arizona, Arkansas, Califórnia (moratória desde 2019), Carolina do Norte, Carolina do Sul, Colorado (moratória desde 2013), Dakota do Sul, Flórida, Geórgia, Idaho, Indiana, Kansas, Kentucky, Louisiana, Mississippi, Missouri, Montana, Nebraska, Nevada, Ohio, Oklahoma, Oregon (moratória desde 2011), Pensilvânia (moratória desde 2015), Tennessee, Texas, Utah, Virgínia e Wyoming. De acordo com The Marshall Project, pelo menos 16 estados não executaram um único detento desde 1976.
Em nível federal, 62 indivíduos estão no “Corredor da Morte”. Destes últimos – relata o Death Penalty Information Center –, 26 são negros; sete, latinos; um, asiático; e um, nativo americano. O DPIC informa também que, entre 1973 e 2018, 164 pessoas foram salvas da pena capital, enquanto 1.490 foram executadas – a maioria em poucos estados. Em 2016, um relatório do Fair Punishment Project apontou que se trata de um pequeno número de condados, em geral em estados como Texas, Alabama e Flórida, e que o marcador racial e de exclusão, uma defesa precária e despreparada e uma acusação “excessivamente zelosa” são fatores onipresentes. Dos 3.143 condados (ou unidades equivalentes) americanos, apenas 16 adotaram cinco, ou mais, sentenças de pena de morte entre 2010 e 2015, diz o relatório.
A pena de morte foi considerada inconstitucional em nível federal após a apreciação da Suprema Corte do caso Furman v. Georgia, em 1972. À época, alegou-se que as legislações existentes violavam a proibição de punição cruel prevista na Oitava Emenda, assim como o respeito das garantias de proteção perante a lei, como consta na 14ª Emenda. Foi reinstituída por vários estados, por esta mesma alta corte, já em 1976 (Gregg v. Georgia).
No plano federal, foi retomada somente em 1988 para um leque bem restrito de crimes. Depois, essas categorias se ampliaram para cerca de 60 delitos passíveis de pena capital, com a Federal Death Penalty Act. Incluída na Violent Crime Control and Law Enforcement Act, ela foi sancionada pelo presidente Bill Clinton em 1994. Essa lista inclui terrorismo, espionagem, assassinato de políticos e sequestro seguido de homicídio.
Mesmo assim, essa modalidade de sentença veio perdendo espaço desde essa época. Segundo o BOP, desde 1927, o governo federal concluiu 37 execuções e, desde 1988, Washington executou três presos: Timothy McVeigh, o unabomber de Oklahoma City, em 2001; Juan Garza, também em 2001; e Louis Jones Jr., em 2003, pelo estupro e assassinato de uma soldado. Dois casos recentes ganharam notoriedade e terminaram com os réus sentenciados à pena capital: o julgamento do supremacista branco Dylann Roof, que matou nove fiéis afro-americanos à queima-roupa, em uma igreja em Charleston, na Carolina do Sul, em 2015; e Dzhokhar Tsarnaev, autor dos atentados na maratona de Boston, em 2013.
Maioria ainda aprova pena de morte
De acordo com pesquisa do Pew Research Center de junho de 2018, enquanto em 1996 o apoio à pena capital chegava a 80% dos americanos, no ano passado, esse total era de 54%. Houve um recuo significativo, mas não há como minimizar o fato de mais de 50% da população ainda ser a favor da pena de morte. Esse apoio mantém a tendência de queda entre democratas (35% em 2018), avançou entre os independentes desde 2016 (de 44% para atuais 52%) e permanece alto entre republicanos (77%).
Além da identificação partidária, os números também distinguem preferências marcadamente influenciadas por categorias como gênero, raça, nível educacional e religião.
Pelo menos 61% dos homens são a favor da pena capital, enquanto entre as mulheres o percentual cai para 46%. Os números que se referem a brancos (59% a favor), hispânicos (47%) e afro-americanos (36%) também divergem bastante. Aí, não há nenhuma surpresa, já que os negros são maioria na população carcerária no país e alvo recorrente dos excessos da força policial. Entre os evangélicos brancos, grupo que votou majoritariamente em Trump, o percentual dos que defendem a pena de morte chega a 73%. A educação é outro elemento que se destaca. A rejeição à pena capital em casos de homicídio é maior entre aqueles com pós-graduação (56%) do que entre os que chegaram ao Ensino Médio, ou menos (38%).
Barr, o True Believer
Procurador-geral na gestão de George H. W. Bush, Bill Barr foi escolhido sob medida por Donald Trump para substituir Jeff Sessions, que deixou o governo após vários confrontos com o presidente. Mesmo antes de assumir sua atual posição, Barr já defendia muitos dos pontos da agenda trumpista, como o endurecimento na política migratória e a pena de morte. Em artigo de opinião publicado no jornal The New York Times em 24 de setembro de 1991, ele dizia: “precisamos da pena de morte para conter e punir os crimes federais mais hediondos, como assassinatos terroristas. Essa sentença mandaria um recado para gangues e traficantes de drogas”. Este continua sendo o discurso de Trump. Em 2019.