Internacional

Novo Parlamento Europeu é incógnita para agenda americana

por Solange Reis

Os eleitores foram às urnas para escolher o novo Parlamento Europeu, a única instituição do bloco que permite voto popular. A eleição de maio foi marcada por um índice relativamente bom de participação e pela troca de cadeiras entre os partidos.

Um número recorde de votantes deu mais postos aos partidos verdes, à direita radical e aos liberais, tirando a maioria absoluta do bloco historicamente predominante, formado pela centro-esquerda e centro-direita.

O resultado tem importância para a política regional e para a relação da União Europeia com os Estados Unidos. Sobretudo em caso de reeleição de Donald Trump em 2020.

No radar do eleitor

O voto para o Parlamento Europeu é opcional em quase todos os países, exceto na Bélgica, Bulgária, Chipre, Grécia e Luxemburgo. Espaçado a cada cinco anos, o pleito empolga menos do que as eleições nacionais.

Por definição filosófico-política, a ideia de pertencimento cidadão se relaciona ao Estado nacional. Por outro lado, a integração regional e a supranacionalidade das instituições comunitárias são um fato material que atribuem ao indivíduo nacional uma camada adicional de direitos e deveres relacionados ao bloco. Desde o Tratado de Maastricht, em 1992, a cidadania europeia existe materialmente e, cada vez mais, no campo das ideias. Sem ser totalmente afirmada, tampouco é negada pelos indivíduos.

Quase 70 anos depois de criada a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, que foi a pedra fundamental da união, o bloco avançou a institucionalização, aprofundou as regras e cresceu espacialmente. Houve razoável sucesso no desenvolvimento de uma identidade europeia nas pessoas, mas bem menos na construção da consciência política.

Por todas essas dificuldades é que o comparecimento nas últimas eleições de maio merecem destaque. Motivados para o bem ou para o mal da integração, mais da metade dos eleitores (50,5%) depositaram seus votos. Foi a maior participação dos últimos 20 anos e a primeira vez que o número de votantes subiu em relação à eleição anterior. Desde 1979, quando aconteceu a primeira eleição, a participação declinava.

Outro fato merece destaque. Caso esta eleição tivesse acontecido dois ou três anos antes, o nível de participação e os resultados poderiam ter sido bem diferentes. Em 2016, prevalecia o receio de os ânimos de que o Brexit contaminasse o continente. A maioria achava que a saída do Reino Unido prejudicaria a União Europeia, e as lideranças não tinham certeza de que o fenômeno não se repetiria. Por outro lado, os eurocéticos comemoravam o que acreditavam ser o início do fim da supranacionalidade.

Nova correlação de forças

A primeira grande constatação da eleição recente é a perda da maioria absoluta pelos blocos de centro-esquerda e centro-direita dominantes no Parlamento nos últimos 40 anos. O Partido do Povo Europeu, (European People’s Party, EPP), de centro-direita, e a Aliança Progressista de Socialistas e Democratas (Progressive Alliance of Socialists and Democrats, S&D), de centro-esquerda, perderam juntos quase 80 cadeiras.

Esse número equivale a mais de 10% do total do Parlamento. A maior parte desses postos migrou para partidos partidos verdes, liberais e da direita conservadora. Sendo os blocos tradicionais fortemente pró-europeus, o declínio não indica necessariamente rejeição à União Europeia, mas às propostas do status quo para algumas questões contemporâneas. Entre elas, o meio ambiente, a fragilidade econômica e a imigração.

Em alguns casos, reflete o sentimento atual nas esferas nacionais. Um caso emblemático foi a Alemanha, onde a extrema-direita e os verdes também tiveram bom desempenho nas últimas eleições nacionais.

Partidos com o selo ambientalista se saíram bem, com o apoio sobretudo das gerações mais jovens. Os verdes foram responsáveis por 22 das 71 cadeiras obtidas pela European Free Alliance, que antes tinha 51 parlamentares.

A mobilização pela defesa do meio ambiente viu seu inverso ser igualmente bem-sucedido. O eleitores favoreceram os partidos negacionistas da mudança climática e eurocéticos, que rejeitam a própria União Europeia. Neste caso, os dados apurados também repetiram tendências nacionais, como na Hungria, Polônia, Itália, Áustria e em outros países que cortejam a direita radical. Partidos da direita-radical obtiveram juntos resultados históricos e agora são cerca de 8% da Casa, contra quase 5% até as eleições. Quando considerados os votos em outros populistas e nacionalistas, a margem chega a quase 25%.

Já os liberais saíram de 68 para 106 cadeiras, sendo o grupo com melhor desempenho comparado. Indubitavelmente, desempenhará um papel decisivo no pêndulo das decisões controversas sobre livre-comércio, política monetária, orçamento e segurança.

Por que o Parlamento Europeu importa?

Todos os tratados da União Europeia são ratificados pelo Parlamento Europeu, o que aconteceria para um tratado de livre-comércio com os Estados Unidos. Durante o governo Obama, discutia-se a Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento (TTIP, em inglês). Os dois maiores atores econômicos do mundo, cujo intercomércio é de US$ 5,5 trilhões anuais, passariam da prática de tarifas muito baixas, para tarifas zero.

As negociações, no entanto, não sobreviveram à eleição de Donald Trump e a sua agenda protecionista. Pouco mais de um ano depois, os humores alternavam entre a ameaça de miniguerra comercial e as promessas de laissez-faire. Trump e o atual presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, retomaram a conversa sobre eliminação de tarifas depois de momentos tensos de pré-batalha comercial. Dos Estados Unidos contra o aço e o alumínio europeus, e da União Europeia, contra vários produtos americanos.

O Parlamento recusou discutir qualquer plano de acordo bilateral, e Trump e Juncker congelaram a ideia. Pelo menos até novembro, quando o presidente americano diz que encerrará o armistício.

Os países europeus decidem em bloco, mas divergem individualmente. No que diz respeito ao tratado de livre-comércio, a Alemanha é a favor, mas a França o rejeita devido à pressão de seu setor agrícola.

Outro ponto vulnerável entre Estados Unidos e União Europeia é o acordo que regulamenta a troca de dados entre empresas nos dois lados do Atlântico. Isto porque o Parlamento Europeu pediu a sua suspensão até que os Estados Unidos cumpram com o  Regulamento Geral sobre Proteção de Dados (RGPD). Uma empresa que viole o RGPD pode ser punida pela União Europeia em até 4% de seu faturamento global, o que é uma péssima notícia para os oligopólios da comunicação como Google e Facebook.

Em relação aos assuntos de defesa, o Parlamento Europeu é responsável por aprovar o aumento do orçamento, o que vai no encontro dos interesses dos Estados Unidos. Estes acusam os países europeus de “caronistas” na OTAN ao manterem baixos os gastos nacionais com defesa. Um plenário mais eurocético, no entanto, deverá frear essa inclinação.

Cabe igualmente ao Parlamento decidir sobre o próximo presidente da Comissão Europeia, que é o principal órgão do bloco. O Conselho Europeu, que reúne os chefes de Estado e o próprio presidente da Comissão Europeia, nomeia um candidato para o órgão, cujo nome deve ser aprovado pelo Parlamento. De acordo com os tratados da União Europeia, o Conselho deve orientar a indicação para a Comissão conforme a maioria vencedora do Parlamento.

Outro posto que depende de aprovação parlamentar é o da presidência do Banco Central Europeu, importante para a política monetária e de investimentos, duas áreas nas quais a competição transatlântica é óbvia. Em 19 de junho, o atual presidente do Banco Central Europeu disse considerar adotar uma política monetária expansiva para estimular a economia regional. O anúncio fez o euro cair em 0,3% em relação ao dólar e o presidente Trump correr para o Twitter. “Há anos eles se safam com isso, junto com a China e outros”, criticou, numa incomum manifestação de um presidente americano contra a política monetária dos aliados.

Em compasso de espera

Henry Kissinger, quando ocupava o posto de secretário de Estados dos Estados Unidos, usou de muito sarcasmo para expor sua descrença em relação à integração europeia. Para quem eu ligo se quiser falar com a Europa?, perguntou o todo-poderoso estrategista.

Essa parece ser a dúvida de Wilbur Ross, atual secretário do Comércio dos Estados Unidos. “Por enquanto é complicado negociar com a União Europeia, porque acabaram de ter a eleição parlamentar, ainda não escolheram um novo presidente da Comunidade Europeia, ainda não escolheram um novo Comissário Comercial e, por isso, não há realmente ninguém com quem negociar que possa estar presente no longo prazo”, disse Ross.

Para o governo americano, a vitória da direita radical é útil, pois ajuda a enfraquecer a força negociadora do bloco. Por outro lado, não ajuda nas questões de segurança coletiva. Já a ascensão dos verdes nunca é boa para o país que se retirou do Acordo de Paris sobre Mudança Climática. Quanto aos liberais, o mundo de portas fechadas que Trump apregoa vai de encontro aos seus interesses. Em outras palavras, na extensão da competência do Parlamento Europeu, a nova composição não é a melhor para os interesses americanos.

Os Estados Unidos preferem pausar qualquer negociação em curso com a União Europeia até que o novo Parlamento assuma e dê nome aos bois. Mas o corpo parlamentar eleito só assume em julho, enquanto o próximo presidente da Comissão Europeia não deve ser empossado antes de novembro, quando termina o prazo dado por Trump para suspensão de possíveis tarifas de 25% sobre carros europeus. Pelo visto, a Casa Branca presta atenção no calendário.

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