Narrativa americana culpa Irã por explosões em petroleiros
por Solange Reis
Explosões em dois petroleiros no Golfo de Omã elevaram a temperatura política do Oriente Médio. A causa ainda é desconhecida, mas os Estados Unidos concluíram que o Irã está por trás dos episódios. Por enquanto, com muita convicção e sem provas contundentes, a Casa Branca acende o fósforo num paiol.
Localização dos petroleiros
Na quinta-feira (13), os navios Kokuka Courageous e Front Altair, respectivamente, com destino a Cingapura e Japão, foram evacuados. O primeiro é de bandeira panamenha e propriedade japonesa, enquanto o segundo tem bandeira das Ilhas Marshall e pertence a uma empresa norueguesa baseada nas Bermudas.
Ambas as tripulações, somando 43 marinheiros, tiveram o resgate feito por equipes iranianas de busca e salvamento. O Kokuka estava a cerca de 26 Km da costa do Irã, mas em águas internacionais. Já o Front Altair estaria mais longe, segundo fontes militares americanas.
Sobram convicções e faltam provas
Horas depois, os Estados Unidos afirmaram que o Irã foi o responsável. Embora sem apresentar provas claras, o secretário de Estado, Mike Pompeo, disse que a informação se baseia em dados de inteligência. O tipo de arma, a sofisticação da operação e o fato de quatro outras explosões terem acontecido no Golfo há um mês confirmam a suspeita, disse Pompeo.
“Nenhuma sanção econômica autoriza a República Islâmica a atacar civis inocentes, interromper os mercados globais de petróleo e participar de chantagem nuclear”, acrescentou. Nas palavras de Pompeo, o Irã tenta forçar os Estados Unidos a suspender as sanções econômicas por meio de atos radicais.
Segundo o porta-voz do Comando Central dos EUA, responsável pela estratégia militar americana na região, um vídeo mostra um barco iraniano colocando explosivos no casco do Kokuka Courageous. A tripulação e a empresa japonesa proprietária do navio contradizem a versão, sustentando que a embarcação foi atingida por um projétil aéreo.
Importância geopolítica do Golfo de Omã
O Golfo de Omã está na entrada do Estreito de Ormuz, sendo ambos a única saída do Golfo Pérsico para o Oceano Índico. Pelo Estreito, que fica entre o Irã e Omã, passam quase 40% do comércio global de petróleo.
Após a divulgação dos incidentes, o preço do petróleo subiu quase 4%, o que mostra a importância do Estreito de Ormuz e a vulnerabilidade dos preços diante de risco de confronto militar. Caso a tensão cresça, um efeito imediato será o aumento do preço do barril, como consequência da inflação na cadeia logística do petróleo. Trata-se de um efeito em cascata sobre valor de frete e seguro, bem como nos gastos com segurança.
Reação em Teerã
O Irã nega as acusações e diz que Washington aproveitou a visita do primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe. Autorizado por Washington, Abe foi a Teerã promover o diálogo entre o governo americano e o iraniano. Na véspera das explosões (12), o primeiro-ministro japonês pediu que o Irã evite conflitos a qualquer custo. Ali Khamenei, líder supremo iraniano, rejeitou a proposta, argumentando que nenhum dos lados estaria preparado para ceder.
De fato, a acusação americana tem pouca lógica quando observada pela ótica do cálculo racional do Irã, pois este tem pouco a se beneficiar. No curto prazo, ganharia com o aumento do preço do petróleo; no longo prazo, perderia credibilidade, comércio e, em última instância, a própria segurança nacional.
Caso estivesse por trás dos ataques, o país também arriscaria o apoio que vem recebendo de aliados dos Estados Unidos, como a União Europeia. Além de colocar seus próprios parceiros, como China e Rússia, em uma situação politicamente complicada. Apoios estes que são fundamentais na hipótese de conflito militar.
O governo iraniano tem, de fato, tentado adotar uma postura mais conciliatória com os Estados Unidos. Dias atrás, liberou da prisão um americano preso sob acusação de espionagem.
Construção da narrativa
O governo americano tenta criar um consenso externo para o que chama de “fato internacional”. Dois de seus principais aliados já embarcaram na narrativa.
No sábado (15), o governo britânico colocou lenha na fogueira ao dizer que a culpa do Irã é quase certa. Essa afirmação foi imediatamente rejeitada pelo líder trabalhista, Jeremy Corbyn. “O Reino Unido deve agir para aliviar as tensões no Golfo, não para alimentar uma escalada militar que começou com a retirada dos EUA do acordo nuclear do Irã”, retrucou.
Mohamed bin Salman, príncipe saudita, conclamou a “comunidade internacional” a adotar uma posição firme sobre a questão, seja lá o que isto signifique. Arábia Saudita e Irã são rivais no Oriente Médio. Outro país anti-Irã, os Emirados Árabes Unidos, divulgou que os ataques foram cometidos por um Estado nacional. Já a União Europeia e a China recomendaram cautela às partes, ao passo em que a Rússia apontou para a leviandade da acusação precipitada.
Os termômetros vêm subindo desde que os Estados Unidos se retiraram do acordo sobre o programa nuclear iraniano, em maio de 2018, e reativaram as sanções comerciais de lá para cá. Em maio, o Pentágono anunciou o plano de enviar ao Oriente Médio mais de 1.500 soldados e novos equipamentos, como drones e caças. O motivo seria proteger as forças americanas do risco de ataques por parte do Irã e de seus grupos associados. Segundo Pentágono, as ameaças foram identificadas por analistas de inteligências, embora não possam ser divulgadas.
No início da semana, Mike Pompeo também acusou o Irã de um ataque contra forças americanas no Afeganistão, embora a ação tenha sido assumida pelo Talibã. O mesmo Pompeo tentou ligar o Irã à Al-Qaeda, para finalmente poder aplicar contra o país a Autorização para Uso da Força Militar (AUMF) de 2001, que embasa juridicamente a Guerra ao Terror.