Visita de Trump ao Japão tem pouco efeito prático
Observado pelo premiê Shinzo Abe, Trump entrega troféu ao vencedor de torneio de sumô, em Tóquio
Por Tatiana Teixeira
Em visita de quatro dias ao Japão (25 a 28 de maio), o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deixou claro que a campanha pela reeleição em 2020 começou, será pesada e ubíqua e ele já escolheu seu principal oponente. Contrariando mais uma vez um acordo tácito da política americana de que roupa suja se lava em casa, o republicano atacou a política externa de seu antecessor Barack Obama, assim como o ex-vice-presidente e pré-candidato democrata Joe Biden.
A viagem – que se dedicaria a avançar algum item da agenda comercial entre os dois países – ainda teve Irã, Coreia do Norte, partida de golfe e selfie com o primeiro-ministro Shinzo Abe, tapete vermelho para Trump, recepção com o imperador Nahurito e campeonato de sumô. Pompa, circunstância e diversão ao gosto do magnata republicano. E um alívio em meio à perturbação doméstica causada pela ala mais progressista dos democratas, que não desiste de levar o processo de impeachment adiante.
Apesar das manifestações sobre o “vínculo inabalável” entre os dois países e da garantia de convergência em áreas delicadas, como segurança regional e comércio bilateral, o que se viu foi a dedicação ao aliado ocidental e a prudência cerimoniosa de Abe sendo novamente frustradas pelo estilo Trump. O encontro terminou sem nem mesmo uma declaração final conjunta, expondo entraves nas negociações comerciais e os limites de uma abordagem excessivamente deferente a Trump.
Ambos se reencontrarão no final de junho, durante a cúpula do G20, em Osaka.
A implosão da regra Vandenberg
No início da Guerra Fria, o então senador republicano Arthur Vandenberg (R-MI), primeiro presidente do Comitê de Relações Exteriores do Senado, cunhou uma frase que se tornaria emblemática e respeitada por correligionários e rivais no decorrer dos anos: Politics stops at the water’s edge.
Seu significado inicial evoluiu e, hoje, está implícita não apenas a ideia de que interesse e segurança nacionais antecedem a politicagem e o autointeresse e de que sinalizar consenso bipartidário interno para rivais e aliados estrangeiros é prioridade na política externa. Com o tempo, consolidou-se uma tradição em Washington de evitar criticar o presidente e os Estados Unidos quando se está fora do país e que, nesta condição, a política doméstica não deve interferir na política externa.
Trump não é o primeiro político, desde que os EUA assumiram o lugar de principal potência mundial, a ignorar essa máxima. A diferença é que, para ele, a frase parece estar praticamente ausente do repertório desde o início do governo e em boa parte de suas viagens internacionais.
O exemplo mais recente vem de sua ida a Tóquio, onde foi o primeiro líder estrangeiro a ser recebido pelo novo imperador japonês. Em tuítes diários, ou na entrevista coletiva com Abe, Trump concordou com o norte-coreano Kim Jong-un, ao afirmar que Biden tem “QI baixo”, além de criticá-lo por ter apoiado a Lei Criminal, de 1994. Também retomou suas recorrentes reclamações sobre o acordo nuclear com o Irã firmado durante o governo Obama e divergiu abertamente de seu conselheiro de Segurança Nacional, o neocon John Bolton, em suas considerações sobre Pyongyang e sobre o Irã.
“Kim Jong-un deu uma declaração de que Joe Biden é um indivíduo de QI baixo. Ele provavelmente é, com base no histórico dele. Acho que eu concordo com ele (Kim) nisso”, afirmou Trump na entrevista coletiva de cerca de 40 minutos, acompanhado de Abe. “Posso dizer a você (ao repórter) que Joe Biden era um desastre. O governo dele com o presidente Obama… Eles eram basicamente um desastre em tantas coisas — economia, exército, defesa. Eles tinham muitos problemas”, acrescentou.
A resposta da equipe de campanha de Biden veio depois que o presidente já estava de volta. “Estar em solo estrangeiro, no Memorial Day, e se colocar repetidamente ao lado de um ditador assassino contra um colega americano e ex-vice-presidente fala por si só”, declarou a vice-coordenadora de campanha de Biden, Kate Bedingfield. “E isso é parte de um padrão de abraçar autocratas às custas das nossas instituições – seja acreditando em Putin, em Helsinque (encontro realizado em julho de 2018), seja trocando ‘cartas de amor’ com Kim Jong-un”, completou.
Correligionários também reagiram mal. “Errado @POTUS (acrônimo de ‘Presidente dos Estados Unidos’ em inglês) Trump criticar @JoeBiden no Japão e concordar com Kim Jong-un”, reclamou o representante Pete King (R-NY) no Twitter. “Politics stops at water’s edge. Nunca é certo ficar ao lado de um ditador assassino vs um colega americano”, insistiu.
A Coreia do Norte foi um ponto importante de discórdia entre o presidente Trump e o aliado asiático, levantando dúvidas sobre o nível de comprometimento de Washington com a segurança do Japão. Em nome da aliança militar entre os dois países, o anfitrião esperava uma posição mais contundente contra Pyongyang e seu programa nuclear – e isso não aconteceu. Na coletiva no Palácio Akasaka, o americano disse não se incomodar, “pessoalmente”, com os testes de mísseis de longo alcance feitos por Pyongyang. Já para o primeiro-ministro japonês, a situação é “extremamente lamentável” e configura uma violação da resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas.
No Japão, o presidente americano também marcou uma posição de distanciamento em relação a Bolton, defensor não apenas de uma política mais agressiva (sem diálogo e com ação militar e sanções) contra a Coreia do Norte, como de uma mudança de regime no Irã. Trump voltou a falar em negociações com Teerã, mostrando-se aberto à proposta de mediação feita pelo Japão. “Não estamos buscando mudança de regime. Eu só quero deixar isso claro. Estamos buscando o fim das armas nucleares”, afirmou. Os Estados Unidos de Trump deixaram o acordo nuclear em 2018.
Tensão no comércio
Trump disse esperar que um novo acordo comercial com o Japão talvez possa ser anunciado até agosto próximo para diminuir o déficit na balança, que chegou a US$ 56,8 bilhões em 2018, segundo o Representante de Comércio Americano (USTR, na sigla em inglês). E, embora Abe tenha declarado que ambos buscam uma solução win-win, Tóquio é menos otimista do que parece. Em ano pré-eleitoral com um presidente candidato à reeleição e em busca de boas notícias na economia, a expectativa é que Trump mantenha a pressão sobre sócios, rivais e competidores. No Twitter, o presidente americano antecipou que vai esperar até depois das eleições de julho no Japão para avançar nas negociações comerciais iniciadas em setembro do ano passado.
Assim, as arestas com a nação asiática permanecem: das sobretaxas de Tóquio às importações no setor agrícola até as ameaças de elevação de tarifas dos EUA sobre veículos e peças automotivos, passando pela demanda dos americanos de mais montadoras no país e mais acesso ao mercado japonês para sua produção agrícola e pecuária. O Japão é o terceiro maior mercado agrícola dos EUA, sobretudo, para milho (US$ 2,8 bilhões), carne bovina e derivados (US$ 2,1 bilhões), carne suína e derivados (US$ 1,6 bilhões), soja (US$ 947 milhões) e trigo (US$ 698 milhões).
Além disso, no sentido oposto ao dos interesses do Japão, a America First trumpista também é a que se retira da então Parceria Transpacífico (TPP; atual Acordo Abrangente e Progressivo para a Parceria Transpacífico, CPTPP, na sigla em inglês), mas quer as baixas tarifas agrícolas de seus outros dez membros, ou a que privilegia sanções unilaterais e acordos bilaterais em detrimento do multilateralismo e de suas instituições, como a Organização Mundial do Comércio (OMC). A guerra comercial EUA-China é outra preocupação para o Japão, que tem nos dois seus principais parceiros.