Política Doméstica

‘Crise na fronteira’ leva à demissão de secretária de Segurança Interna

Por influência de Stephen Miller, expectativa é que Trump endureça política migratória ainda mais

Por Tatiana Teixeira

A secretária de Segurança Interna, Kirstjen Nielsen, entregou sua carta de demissão na noite de 7 de abril. Segundo uma fonte próxima de Kirstjen, a saída teria sido por pressão do presidente, e não de forma deliberada. De fato, a questão não era se isso aconteceria, mas quando, principalmente desde a saída de seu aliado, o general John Kelly, então chefe de gabinete de Donald Trump e seu antecessor no DHS (sigla da secretaria em inglês). Há meses, o presidente manifesta, sem reservas, sua insatisfação com o trabalho de Kirstjen. De “baixa performance”, ela não seria “durona” o suficiente em política migratória – em especial com os imigrantes clandestinos. Kirstjen tomou posse em 6 de dezembro de 2017.

Em sua carta de demissão, Kirstjen Nielsen disse se orgulhar dos avanços obtidos para proteger a população de “inimigos e adversários”, “seja no ciberespaço, ou contra as crescentes ameaças de novas tecnologias”. Responsabilizou o Congresso e a Justiça por “impedirem nossa capacidade de garantir a total segurança das fronteiras da América”, mas poupou Trump e suas obsessões, eventualmente à margem, na brecha, ou no limite do que a legislação americana permite. Sobre o balanço de sua passagem pelo DHS, aponta que “tomamos ações sem precedentes para proteger americanos”, “fizemos esforços históricos para defender nossas fronteiras, combater a imigração ilegal, obstruir o fluxo de drogas e defender nossas leis e valores”, além de “evitar a perturbação das eleições americanas e proteger contra a interferência estrangeira na nossa democracia”. Não há palavras de ressentimento em relação ao ex-chefe.

Drama das famílias separadas

Atacada por democratas, por republicanos e por ativistas, absorvendo boa parte do impacto que deveria ser dirigido a Trump, Kirstjen também será lembrada (apesar de tudo) por sua lealdade ao presidente, mesmo nos momentos mais difíceis da Pasta – e não foram poucos. À frente de um Departamento responsável por uma política de tolerância zero com os imigrantes em situação clandestina, a secretária teve de responder pelas chocantes imagens de famílias sendo separadas, e crianças, abandonadas em jaulas, sem assistência social e jurídica adequadas, perdidas em um sistema de dados obsoleto, desconectado e ineficiente.

Em meio às idas e vindas em várias medidas de sua secretaria, também teve de administrar a impaciência e o desconhecimento de um presidente que exige a implantação de ações facilmente contestáveis na Justiça, em busca de soluções rápidas para um problema que é, na verdade, multifatorial.

A gota d’água para Trump teria sido o que a Casa Branca chama de “grave crise de segurança na fronteira sul”, em referência, sobretudo, aos mexicanos e às caravanas procedentes de países centro-americanos (a maioria de El Salvador, Guatemala e Honduras) que atravessam o México para chegar aos Estados Unidos. Além disso, o presidente parece acreditar, realmente, na eficácia da separação de famílias como “política” dissuasiva de novas chegadas de imigrantes clandestinos ao país.

Na semana anterior, logo depois de uma viagem de Kirstjen a Honduras para tratar do tema e assinar um acordo regional, o presidente anunciou que cortaria ajuda humanitária para alguns países centro-americanos. Além de ser contrariada pelas evidências, a alegação de Trump (a falta de colaboração das autoridades locais na questão migratória) esvaziava, novamente, a autoridade da secretária. E Trump ainda disse que pretende nomear um “czar da imigração”.

Como já havia feito em outras ocasiões (e com outros secretários), Trump mais uma vez desautorizou publicamente um membro de seu gabinete. Jornais da imprensa americana relatam que Kirstjen (assim como outros secretários) já teria sido humilhada pelo presidente diante dos colegas. De acordo com a CBS News, a saída de Kirstjen Nielsen seria mais uma vitória política do conselheiro de Trump na Casa Branca Stephen Miller, um ultraconservador na origem de boa parte das medidas mais duras em relação à imigração.

“Dificultada por um passo em falso atrás do outro, a gestão de Kirstjen Nielsen no Departamento de Segurança Interna foi um desastre desde o começo. Agora está mais claro do que nunca que as políticas do governo Trump para imigração e segurança na fronteira – as quais ela aprovou e ajudou a criar – têm sido um fracasso estrondoso e ajudaram a criar a crise humanitária na fronteira”, afirmou o presidente da Comissão de Segurança Interna da Câmara de Representantes, o democrata Bennie Thompson (D-MS).

Em nota, ao comentar a demissão, a presidente da Câmara, a também democrata Nancy Pelosi (D-CA), considerou “profundamente alarmante que a funcionária do governo Trump que colocou crianças em jaulas esteja, alegadamente, renunciando porque ela não é dura o suficiente para o gosto da Casa Branca”.

Interino aprovou tolerância zero

Interinamente, Kirstjen será substituída pelo atual responsável pelo Serviço de Alfândega e Proteção de Fronteira dos EUA (CBP, na sigla em inglês), Kevin McAleenan. Ele assumiu como vice-comissário desta agência em 2014, ainda no governo Barack Obama. Tornou-se comissário interino em janeiro de 2017, início da gestão Trump, e tomou posse oficialmente em março de 2018. Além de lidar com antiterrorismo e segurança na fronteira, em um órgão que tem cerca de 60 mil funcionários e um orçamento de pelo menos US$ 13 bilhões, McAleenan também ajudou a implementar a política de tolerância zero de Trump.

Segundo ele, o número de migrantes cruzando a fronteira com o México em condição ilegal vem batendo recordes. Em fevereiro, teriam sido mais de 76 mil pessoas, o número mais alto em 11 anos. “O sistema está bem além da capacidade e permanece no limite. Esta é claramente uma crise humanitária e de segurança na fronteira”, afirmou, ressoando o discurso do presidente.

Criado após os atentados do 11 de Setembro, o Departamento de Segurança Interna contou com um orçamento de cerca de US$ 44 bilhões em 2018 e, para 2019, deve chegar a US$ 47,5 bilhões. É o terceiro maior departamento do governo, com mais de 229 mil funcionários e 22 agências, como o CBP, a polêmica Agência de Imigração e Alfândega (ICE, na sigla em inglês, uma espécie de polícia migratória), os Serviços de Imigração e Cidadania americana, a Guarda Costeira, o Serviço Secreto e a Agência Federal de Gestão de Emergências (Fema, na sigla em inglês). É responsável pelas áreas de antiterrorismo; cibersegurança; segurança marítima, aérea, fronteiriça e portuária; administração e aplicação das leis de imigração; proteção de presidentes e de vice-presidentes; proteção de infraestruturas essenciais; detecção e proteção contra ameaças químicas, biológicas e nucleares; e resposta a desastres.

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